Paulo Malta Ferraz em depoimento para a história da colonização de Blumenau 1850-1860.
Sacrifícios, e tristezas caracterizaram a vida dos blumenauenses nas décadas de 1850-1860. Somente o firme propósito de criarem para seus descendentes um novo lar mais farto em uma nova pátria mais generosa, deu-lhes o animo e a perseverança para vencerem tantas dificuldades e aflições.
De início, deve-se salientar entre os motivos de maior sofrimento ara os colonos, o trauma afetivo inerente ao imigrante. Por mais imperiosos que sejam os motivos que levam os individuo a emigrar, não se opera impunemente para a personalidade,o abandono da terra natal, o desprendimentos dos velhos conhecidos e amigos, a ruptura de arraigados hábitos e costumes.
A consequencia natural e imediata da emigração é o trauma psicológico profundo e aflitivo que martiriza o emigrante nos primeiros tempos e se manifesta em sua vida na nova terra, conforme as condições personalíssimas de cada um, pela tristeza, pela saudade,pelas atitudes anti-sociais de rebeldia e,por vezes,pelas perturbações psíquicas.
No caso para a emigração para Blumenau os padecimentos dos colonos, oriundos de seus esforços de adaptação ao novo habitat, ainda mais agravam porque , acostumados à vida de aldeias ou cidades européias, viam-se de chofre, em plena mata virgem, da região sub-tropical de um país que lhes era quase que desconhecido
Não podiam ser mais completos,portanto,as modificações no estilo de vida do emigrante alemão que se destinava a Blumenau. E tais alterações se estendiam-se dos hábitos alimentares, do tipo de habitação, do método de trabalho, até as atividades recreativas.
Um ligeiro retrospecto sobre o modo de vida dos primeiros colonos blumenauenses mostrara que a árdua tarefa de colonizar exigiu daqueles humildes e anônimos pioneiros da civilização nas selvas marginais do itajaí-açu um elevado tributo de esforços, abnegação e tenacidade.
Em primeiro lugar o clima demasiado quente no verão acarretava para o colono recém-chegado algumas perturbações fisiológicas, tais como dores de cabeça, eczemas e sensação de fadiga. Mas, esses incômodos, como explicava o Dr. Blumenau, passavam com brevidade, sobretudo se o colono adotava métodos de alimentação e de trabalhos adequados ao meio.
O rio, que era a via natural e única de comunicação entre os diversos pontos habitados, torna-se, por vezes , um obstáculo ao bom desenvolvimento da colônia.
As suas enchentes periódicas não só destruíam os produtos de trabalho de alguns meses, como punham em perigo a própria vida do colono. A simples navegação do rio não era isenta de perigos para aqueles que não sabiam utilizar, com a necessária pericia, as canoas finas e compridas. Alias, no começo do ano de 1852, o obituário da colônia se iniciava com a morte por afogamento no rio Itajaí, do carpinteiro Daniel Pfafendorf.
E por muitos anos, enquanto o Itajaí e seus afluentes foram os únicos meios de locomoção, a crônica de Blumenau registrou elevada porcentagem de afogamentos. A selva, que então cobria todo o vale, não era também um obstáculo fácil de vencer.
A derrubada da mata para o preparo. das primeiras roças ou construção de rancho primitivo não raro causava acidentes, porque as copas das gigantescas árvores ligadas as vizinhas por fortes cipós arrastavam na sua queda galhos da grossura de árvores e, por esse mesmo motivo, algumas vezes a direção da queda ocorria de modo diverso do previsto pelo corte. Um acidente dessa natureza, felizmente sem maior gravidade,ocorreu com o sábio Fritz Muller, que assim o narrou em uma de suas cartas para sua irmã Roschen.
Além dos perigos das derrubadas , a selva ocultava dois terríveis inimigos dos colonos: os índios e as feras.
Os índios foram, desde o principio do estabelecimento colonial , o terror constante dos colonos. Pouco numerosos, mas astutos e destros em seus ataques, os senhores das floresta, que quase sempre atacavam de surpresa, fizeram muitas vitimas.
Aqueles imigrantes que se localizavam nos pontos extremos da colônia, viveram por muitos anos em continuo sobressalto pelo fundado receio dos saques morticínios por parte dos silvícolas. [...] .
A vida dos colonos durante os primeiros anos foi perturbada ainda pelos ataques dos animais perigosos:onças, cobras venenosas... As cobras venenosas foram sem dúvidas permanentes e traiçoeira ameaça à vida dos colonos, porque, naquela época, não dispunham eles de eficientes recursos terapêuticos contra o envenenamento por mordida da cobra. Muitas mortes foram registradas ...[...].
A propósito dos ataques das feras, Fritz Muller (Foto abaixo), que foi um autentico colono blumenauense, escreveu naquela época, o seguinte relato:
" Ultimamente,nossa vida teria decorrido muita calma, se não aparecesse algo que apavorou toda a colônia: a visita de onças e jaguares . Uma manhã, contou-me meu vizinho que durante a noite um tigre, como aqui também denominam onças, devora seu cachorro. Não quis acreditá-lo, porém, logo duas noites após, apareceram mortos dois porcos de meu vizinho e, na manhã seguinte, encontramos pelo caminho uns rastros de animal, que deveria ser muito grande e devia estar acompanhado por um outro menor, do tamanho de um gato bem grande. preparamos logo, as espingardas, as armadilhas e guardamos bem os animais ". [...]
Mas os pioneiros da colonização de Blumenau se sujeitaram a muitos outros desconfortos. O tipo primitivo da casa do colono deixava muito a desejar. As palmeiras forneciam quase toda a matéria prima necessária a confecção da casa primitiva: os troncos partidos e ligados a cipós formavam as paredes; as folhas entrelaçadas e amarradas às ripas, serviam de teto.Uma armação de paus e cipós encostados a uma das paredes substituía o leito. Troncos de árvores e caixotes supriam a falta de cadeiras. A iluminação da casa durante a noite era, às vezes, um problema de difícil solução para o colono. O Azeite de baleia , de odor insuportável, ou a vela de sebo,eram os meios comuns de iluminação. Mas quando o único armazém da cidade se esgotava o estoque de azeite de baleia e velas de sebo, os colonos passavam mal. [...].
Na primeira década da história de Blumenau, os colonos não tiveram, ao menos, o conforto espiritual da prática constante de seus cultos religiosos. [...]
Só a partir de 1857, com a chegada do pastor Oswald Hesse, puderam os protestantes contar com a assistência religiosa. Ainda pior era a situação dos poucos católicos romanos moradores da colônia. Estes tinham de percorrer cerca de duas léguas de maus caminhos, até a igreja de São Pedro Apóstolo , em Gaspar, para assistir a Santa Missa. Somente em 1876, com a designação do Padre Jose Maria Jacobs para vigário residente, os católicos de Blumenau passaram a ter completa assistência religiosa. [...]
Livro Centenário de Blumenau 1850 - 2 de setembro - 1950/Edição comissão de festejos. Arquivo de Adalberto Day