A
HISTÓRIA DA CASA SÃO JOSÉ DE BLUMENAU
por
Carlos Braga Mueller (Jornalista e Escritor)
Pediu-me
o amigo Adalberto Day que elaborasse
um texto contando a história de um casarão que, na primeira metade do século
XX, era um dos pontos mais conhecidos e frequentados da cidade de Blumenau, a Casa São José, depois
transformada em hotel, um
ponto de reuniões e diversões na então pacata Blumenau.
Pesquisando
os arquivos da revista Blumenau em
Cadernos, lá encontramos muitas e interessantes informações sobre o assunto,
fruto do estudo e persistência das pesquisas do historiador José Ferreira da
Silva.
A
história da Casa São José está intimamente ligada à religiosidade dos católicos
de Blumenau.
Foi
no dia 7 de setembro do ano de 1884 que foi fundada na Paróquia de São Paulo
Apóstolo a Sociedade de Homens São José, a S. Joseph Männer-Verein, destinada ,
segundo se imagina, pois não se localizaram os estatutos originais, a auxiliar
seus associados em dificuldades. Indo mais além, previa atendimento aos sócios
nas doenças, pensão na velhice, montepio aos herdeiros, auxílio funeral.
Como
era de cunho essencialmente voltado à religião, estabelecia até punições para
os sócios que não comparecessem a determinadas procissões ou que não
participassem das comunhões mensais, como conta Ferreira da Silva.
Todos
os domingos e nos dias santos, durante a missa, era acesa uma vela no altar de
São José.
Em
março de 1892, o padre José Maria Jacobs transferiu a paróquia e o Colégio São
Paulo Apóstolo para os padres franciscanos e o novo vigário, Frei Zeno
Wallbroehl, depois de discussões e constatada falta de interesse dos sócios
pela Sociedade, sugeriu que a mesma fosse extinta, o que realmente aconteceu.
O
fundo de caixa foi destinado a ações da paróquia.
Enquanto
isso, sob o comando dos franciscanos, a paróquia foi atraindo cada vez maior
número de católicos às práticas religiosas na igreja matriz. Aos domingos vinha
gente à missa de todas as partes da Colônia. Uns vinham a cavalo, outros de
carroça, até de canoa, e geralmente se defrontavam com dificuldades para
estacionar seus veículos ou montarias e encontrar um local para se alimentar e
pernoitar.
A
matriz localizava-se onde hoje está situada a Catedral de São Paulo Apóstolo,
na Rua 15 de Novembro.
Foi
então que foi sendo firmada a ideia de se reerguer a antiga Sociedade São José,
com finalidades mais amplas e atuais. Além do lado beneficente teria uma sede onde
os colonos do interior encontrariam hospedagem em suas horas de permanência na
cidade quando chegavam para assistir as missas e demais ofícios religiosos.
E
assim, em 1905, sendo vigário da paróquia o frei Crisólogo Kampmann,
reestruturou-se a associação, tendo sido eleito seu presidente o médico
Wiegando Engelke.
Nesse
tempo ainda existia na entrada da Rua das Palmeiras, atual Alameda Duque de
Caxias, o antigo Barracão dos Imigrantes, que jazia inaproveitado depois de ter
servido, por décadas, como abrigo provisório aos colonos recém-chegados. O
Governo do Estado pretendia desfazer-se dele e graças à interferência de frei
Beda Koch, que era amigo pessoal de Vidal Ramos, então na chefia do governo, o
casarão foi vendido à Associação São José, que o demoliu, empregando o material
na construção de sua sede, um casarão em terreno cedido pela paróquia, em frente
ao Convento franciscano, no lado direito da Rua 15 de Novembro, fazendo fundos
com o Rio Itajaí Açú. O local hoje é ocupado pela Praça Professor João Mosimann,
em frente ao castelinho da Havan.
No
dia 31 de agosto do ano de 1905, Dom Duarte Leopoldo e Silva, bispo diocesano
de Curitiba, a quem a paróquia estava subordinada, chegou a Blumenau em visita
pastoral e lançou a pedra fundamental da "Casa São José", solenidade
da qual foi lavrada ata.
SURGE
A CASA SÃO JOSÉ
No
ano seguinte a Casa São José foi inaugurada. O anúncio publicado no jornal
"Blumenauer Zeitung" anunciava:
"Quinta-feira,
1º de novembro de 1906. Às 11 horas, inauguração da sede da Sociedade e às 19
horas, no mesmo local, teatro com peças em alemão e português. Entrada 1$000.
Para os sócios $500."
Ainda
segundo a imprensa daquela época, a cerimônia inaugural constou de missa solene
e benção do prédio, seguindo-se almoço no local.
Às 7
da noite começou a representação teatral no palco do salão. Inicialmente foi
apresentada uma peça em português, em 2 atos, e em seguida outra peça, em
alemão, em um ato, seguindo-se mais uma peça em alemão, em 5 atos. No
encerramento houve um esquete cômico ambientado em uma escola pública no começo
do século 19, arrancando muitas gargalhadas da plateia. Testemunhas
diziam que os artistas amadores haviam desempenhado seus papeis com
bastante naturalidade, parecendo atores experientes.
A
partir dessa data a Casa São José passou a ser administrada por um ecônomo, ao
qual cabia provê-la do necessário, organizando o atendimento das hospedagens e
alimentação, atendendo aos associados do interior. O ecônomo pagava aluguel e
recebia como pagamento parte dos lucros. O primeiro ecônomo foi Henrique
Wahlbroell. José Maria Flesch foi ecônomo até 1909, seguindo-se o Sr. Wloch,
até 1911, Scharf até 1912, Jean Michel, até 1917 e, por último, Ricardo Buerger
até 1927, quando, pelo progresso verificado na cidade, onde já haviam se
estabelecido várias casas de hospedagem e muitas outras facilidades de
acomodações para os que viessem de fora, e pela decadência em que se encontrava
a Sociedade propriamente dita, foi a mesma dissolvida e a "Casa São
José" vendida ao Sr. Henrique Michels, que a geriu até 1952. Nesse ano,
pela lei municipal nº 318, de 19 de março, parte do terreno e o prédio foram
declarados de utilidade pública para fins de desapropriação. O espaço seria
destinado a abertura de um acesso para a construção de uma ponte , ligando o
centro de Blumenau ao bairro da Ponta Aguda. Coube à Prefeitura demolir o
prédio.
Durante
todos esses anos a Casa/Hotel São José teve preponderante papel na vida
social dos católicos blumenauenses, e da comunidade de um modo geral. Ali era o
local preferido para reuniões e festas. Os casamentos e batizados geralmente
acabavam em alegres cervejadas e danças, sempre na maior ordem e camaradagem.
Também os cafés, depois das primeiras comunhões, eram realizados ali,
pois o local era muito próximo da igreja.
Aconteciam
seguidamente representações teatrais no palco do salão e houve um tempo em que
também foi instalado um cinema no local.
Muitos
ônibus interurbanos paravam ali - e dali partiam - no tempo em que Blumenau
ainda não possuía uma rodoviária.
Desaparecia,
assim, um estabelecimento que já se tornara tradicional em Blumenau.
Como
José Ferreira da Silva escreveu:
"Marcou
época a Casa São José !"
DEPOIMENTO
Grete
Medeiros, já falecida, de tradicional família blumenauense, também na revista
"Blumenau em Cadernos", publicou em 1995 um relato intitulado "A
Rua Quinze dos Anos Vinte", no qual, entre outros pontos citados, também
destaca a Casa São José:
"Sob
a direção de Henrique Michels e sua grande família, o hotel era conhecido por
sua boa comida caseira. O Sr, Michels foi quem organizou a primeira feira livre
da cidade, que funcionava em frente ao hotel. Carroceiros do interior e
tropeiros vindos do planalto de Lages ofereciam as mais variadas mercadorias.
Esperavam a noite para entrar na cidade num tropel cujo barulho atraía os
compradores para as mercadorias, logo expostas sobre mantas de couro. Traziam
frutas (maçãs, ameixas, pêssegos, frutas secas), charque, queijos os mais
diversos, etc. Em pouco tempo o pátio em frente ao hotel ficava muito
movimentado. Ainda me lembro do cheiro característico de toda aquela atividade!
Até palco para espetáculos teatrais havia na velha Casa São José. Mais tarde
serviu como "estação rodoviária" para algumas linhas de ônibus
interurbanos, antes de desaparecer para dar lugar à ponte que faz a ligação com
o bairro Ponta Aguda."
Fontes:
Blumenau em Cadernos Tomo IX - 1968 e Blumenau
em Cadernos Tomo XXXVI - 1995 - Foto: Arquivo Histórico José Ferreira da Silva.