RECORDAR É VIVER – PARTE 2
Por Sérgio Cunha
As minhas primeiras
lembranças sobre acontecimentos religiosos me remetem ao Frei João Maria (Foto), o pároco da Igreja N.S. da Glória,1000 rua da Glória, bairro Glória em Blumenau, localizada no bairro Garcia. Sobre o Frei
Raul, o antecessor, não tenho lembrança, provavelmente por ser eu ainda muito
pequeno. Frei João marcou muito, principalmente porque ele nos lecionou aulas
de doutrina.
Tinha um comportamento
bem peculiar, pois quando nos encontrava no pátio da igreja, indo para a
doutrina, de longe já citava o nome do aluno e ia logo perguntando se estava
tudo bem, como estavam o papai, a mamãe, se tínhamos estudado a lição da
doutrina, etc. Colocava a sua enorme mão no ombro do menino e começava a apertar
fortemente o musculo, acho que é o “ombrex”, kkk, enquanto esboçava seu largo e
exuberante sorriso.
Nós, garotos, sentíamos
muita dor, pois ele apertava bem forte, mas aguentávamos, mesmo porque nos ensinavam
que “homem não chora”. Os garotos comentavam entre si que doía bastante, mas
nunca soube de alguém que tivesse reclamado por isso, ao frei. Comentavam
também que quando era possível, se desviavam do caminho dele, dando a volta ao
redor da igreja, indo direto para a catequese.
As aulas de catequese
eram lecionadas atrás da igreja num salão que servia para atividades variadas. Foram
alí as primeiras aulas da Dona Julia (Foto),
catequese, reuniões, além de Sede da Congregação de Marianos e das Filhas de
Maria. Nesse local, em domingos que tinham celebração especial, perfilavam-se
os Congregados Marianos e as Filhas de Maria, rigorosamente
paramentados e principalmente portando sua fita de congregado no pescoço. Em
seguida, contornavam a igreja, margeando próximo a rua e entrando pela porta da
frente, entoando belos hinos religiosos.
Ocupavam essas pessoas
a terceira carreira de bancos da igreja para o final, porque a primeira e
segunda carreira seriam ocupadas pelas crianças que estavam na catequese. O
padre iniciava a missa e quando chegava na hora do “Sermão”, aproximava-se das
crianças e as questionava aleatoriamente sobre o texto lido no Evangelho, com a
finalidade de testar se estavam prestando atenção a missa e também para fixar a
doutrina.
Por pouco, muito pouco
mesmo, o povo não aprendeu a falar em latim, pois tudo o que o padre falava
durante a celebração: “Dominus Vobiscum”, o povo respondia: “Et cum Spiritu
tuo”. Não aprendemos porque o latim caiu em desuso. Era, sem sombra de dúvidas,
uma linda celebração religiosa.
No pátio da igreja (Foto), bem encostadinho da rua,
tinha uma pequena banca de madeira, tipo banca de revista, pintada de verde
claro, onde os fiéis encontravam e compravam uma variedade imensa de artigos
religiosos, como crucifixos, escapulários, terços, imagens, bíblias, catecismos,
velas, medalhas, pingentes, “santinhos”, etc. A banca era aberta pouco antes de
iniciar a missa e fechava logo depois do final da mesma.
Localizados atrás do salão
e portanto também atrás da igreja, existiam os banheiros, erguidos em uma
construção de alvenaria bastante rudimentar. Entre esses banheiros e o colégio
iniciava o caminho que subia o morro em direção a gruta de Nossa Senhora.
Gruta
O caminho foi escavado no morro em
forma de ziguezague entremeado com as arvores. Nos dias que a comunidade se
reunia para prestar homenagem a Santa, principalmente quando realizada à noite,
com os devotos subindo o morro, empunhando suas lanternas iluminadas com velas,
formava-se um espetáculo indescritível. Lembro de quando era encenada a Via
Sacra, as 15 estações da crucificação de Cristo. Um espetáculo sem igual.
Em 1959/60 as irmãs do
grupo escolar selecionaram uns oito meninos do primeiro e segundo ano e
montaram conosco uma peça teatral. Depois de vários e vários dias de ensaio,
fizemos nossa apresentação naquele salão atrás da igreja onde se reuniam os
congregados. O nome da peça era: “O
esquife do morto vivo”. Encenávamos um fato acontecido em um velório e
em um determinado ato, o defunto se levantava, “vivinho da silva”. Aí era um
corre-corre danado. Fizemos somente três apresentações e logo fomos censurados
pois algumas crianças que assistiram, a noite não conseguiram dormir, kkk.
Nunca soubemos se alguma das freiras era fã do Zé do Caixão, hehe.
Anos mais tarde (63/64),
o Érico Morbis fundou um grupo de teatro de jovens com idade entre 15 a 20 anos,
batizado de TASC, Teatro Amador Sta. Cecilia, que fizeram bastante sucesso durante
alguns anos, encenando episódios como “Os Dois Sargentos” e “Sinal Misterioso”,
entre outros. Inicialmente as apresentações eram feitas em um pequeno palco
montado no pátio do Grupo Escolar São José que ficava
lotado pelo povo. Não demorou muito, o grupo fez tanto sucesso que se
apresentavam no palco da Cantina da Artex e apresentavam-se também em cidades
próximas.
Alguns integrantes
desse grupo eram os nossos amigos, Celézio Bernz e Maurina Pereira, Irineu
Bernz, Ornélio Bernz, Jacó Antônio Tomasi, Luiz Ernesto Souza (Leco), Jaci
Sestrem, Álvaro de Andrade, a Cristina, que trabalhava no Centro de Treinamento
da Artex, Getúlio Cristofolini, Gerson Cardoso, entre outros.
Em conversa com nossa
querida amiga Erica Morbis,
que contribuiu com importantes informações sobre esse grupo de teatro, contou-me
ela também que quando falava com o Érico sobre o grupo, sua mãe Dona Aninha lhe
disse que era ela que costurava as vestimentas e figurinos do grupo.
Nessa época, os jovens
na nossa faixa de idade, estávamos exalando hormônios por todos os poros e
iniciava-se então aquela fase de flertes, namoricos e olhares apaixonados.
Alguns casais saíam do colégio de mãos dadas com suas namoradas. Um ou outro
casal arriscava-se a dar as primeiras bitoquinhas.
Acontece que morava no
Garcia um senhorzinho, cujo nome não é necessário mencionar, o qual era
extremamente religioso e conservador dos preceitos da família. Ele dirigia uma
carroça puxada por dois cavalos. Quando via um casal de namoradinhos de mãos
dadas ou trocando bitoquinhas na rua, ficava furioso e os ameaçava com seu
chicote em punho. Uma outra vez o vi parar a carroça, descer e sair em
perseguição de um casal. Sorte deles que eram mais jovens do que ele e corriam
mais rápido, kkk. Foi muito divertida nossa infância e adolescência. Saudades!
(Em tempo: O nome do
musculo que o frei Joao apertava é o Trapézio). Uuufa!
Sergio Cunha –
14/04/2018