Um relato de nosso amigo Valter
Hiebert (falecido em 2016) sobre sua família e principalmente de sua querida mãe Anna Vale a
pena ler todo conteúdo e com ele saber das dificuldades encontradas por muitos
imigrantes. “Os RUSSOS” da Rua 12 de outubro.
Anna e David Hiebert em 1940
A PROFESSORA DE
CORTE E COSTURA DA RUA DA GLÓRIA NOS ANOS 50 E 60.
Nos anos 19(50,60) toda moça se preparava por vários anos para
o casamento, mesmo que ainda não inexistisse algum futuro pretendente.
Dentre outras qualificações era necessária a moça ter
habilidades culinárias, montar um enxoval para residência do futuro casal, bem
como saber cortar e costurar as roupas da futura família.
O curso de corte e costura era um conhecimento adicional que
valorizava muito o “curriculum vitae” das possíveis futuras esposas.
Para aprender o corte e costura as moças procuravam as
costureiras do bairro, as quais também ofereciam esse aprendizado às moradoras
da região.
Sr. David "Russo" e filho Adolfo em sua bancada na oficina na Rua 12 de
Outubro,111 bairro da Glória.
Casa onde residiam
Na região da rua da Glória, na já inexistente rua 12 de
Outubro, nº 111, onde hoje existem os últimos pavilhões da Coteminas, (antes EI Garcia) Praça
Getúlio Vargas e o terminal Urbano
Garcia, a costureira e professora de corte e costura era Anna Klassen Hiebert, esposa de David Hiebert, conhecido como o “Russo” do bairro do Garcia, que além, de ser tecelão na Empresa Industrial Garcia S.A. tinha
também uma oficina de rádios e outros aparelhos na sua residência.
Dentre as muitas alunas que passaram pela professora Anna
Klassen Hiebert estavam a Ilse Machado (casou com Izidro Souza), a Ironi Pera
(casou com o Zézinho da cooperativa da EIG) e a Iracema Hinkeldey.
Eram meses de convivência no período da tarde e várias delas se
tornaram muito amigas da professora Anna Klassen Hiebert, sendo que a Ilse
Machado foi convidada e aceitou ser a madrinha do neném da professora que
nasceu em 1954, época em que realizava o seu curso. Nasceu um menino que se
chama Adolfo Hiebert.
Mas quem era Anna
Klassen Hiebert, mãe de sete filhos, duas meninas e cinco meninos,
nascidos em 1942, 1943, 1946, 1948, 1954, 1959 e 1964?
Anna Klassen nasceu em 15 de abril de 1917, em Steinfeld, Ucrânia. O local era
uma colônia menonita entre centenas que existiam na região.
Dada a perseguição, expropriações e fuzilamentos de
familiares promovidos pelos comunistas a partir de 1919 a família remanescente
de Anna Klassen saiu de Steinfeld no final de outubro de 1929. Eram oito
pessoas: seus avós maternos Heinrich Kasper e Anna Kasper; seus irmãos Helena
Friesen, Katharina Friesen, Heinrich Friesen, Julius Klassen e Gerhard Klassen;
e uma tia gravida, filha de Heinrich Kasper, cujo marido fora fuzilado.
Os seis irmãos eram criados pelos avós maternos porque os
pais tinham falecido em Steinfeld/Ucrania, ambos ainda jovens.
Ao começar a emigração da Rússia para a Alemanha
saíram de Steinfeld de carroça e foram até a estação ferroviária que ficava a 7
km da residência deles.
Na noite do mesmo dia embarcaram num trem para Moscou.
A viagem até Moscou
durou dois dias e duas noites.
Em Moscou alugaram vagas numa dacha da região para aguardar o
sonhado documento que permitiria a saída da Rússia para a Alemanha. Assim
faziam centenas de famílias que pretendiam sair do "paraíso" comunista.
Enquanto esperavam o asilo solicitado para a Alemanha a
polícia soviética invadiu a dacha onde estavam e prendeu quem viu na casa.
Várias famílias foram presas e deportadas para a Sibéria, Cazaquistão e alguns
retornam para sua cidade de origem..
No momento da prisão das famílias que estavam naquela
dacha os irmãos Julius e Gerhard Klassen estavam debaixo de uma mesa e não
foram vistos, não sendo presos.
Helena e Heinrich também não foram achados e não foram
presos.
Anna Klassen, Katharina Friesen, Heinrich Kasper, Anna Kasper
e sua filha grávida foram presos e levados para uma prisão em Moscou.
Anna Klassen e sua irmã Katharina Friesen foram soltas, pois eram
menores. Anna Klassen tinha 12 anos. Era o ano 1929. Foram soltas, mas não
tinham quem cuidasse das mesmas.
Do avós Heintich Kasper e Anna Kasper e da filha deles a
família ficou sabendo, já na Alemanha, que a tia dera a luz a gêmeos na prisão,
mas falecera no parto. Os avós foram liberados com os dois bebês em pleno
inverno moscovita e deles nunca mais a família obteve noticias. A hipótese mais
provável é a de que os avós com os dois netos morreram de frio nas ruas de
Moscou.
Julius Klassen, Gerhard Klassen, Heinrich Friesen e Helena
Friesen foram acolhidos por outras famílias menonitas que conseguiram asilo e
foram para a Alemanha .
Anna e Katharina ficaram sozinhas em Moscou. Anna Klassen
tinha 12 anos.
Como ficaram sozinhas e perdidas, talvez querendo voltar para
a cidade de origem, estavam numa estação ferroviária, quando Katharina desmaiou
de fome.
Katharina contava que a última imagem que tinha antes de
desmaiar era a de Anna chorando.
Vendo uma moça desmaiada e uma criança chorando, uma outra
família menonita que já tinha conseguido o visto de saída socorreu as duas, levando-as
junto com um grupo que conseguiu asilo na Alemanha.
Elas saíram de Moscou no final de novembro de 1929 no último
grupo que conseguiu sair legalmente da Rússia.
A viagem foi de Moscou até Riga, na Rússia, depois até
Eydtkuknen na Alemanha.
Em Eydtkuknen, já na Alemanha, tomaram banho e sauna para
matar os piolhos que todos traziam da Rússia.
Todas as roupas passaram por fornos especiais para matar
piolhos.
De Eydtkuknen foram para Hammerstein, onde ficaram até 4 de
abril de 1930.
A seguir foram para Möllen, em Lanenburg, onde ficaram até
julho de 1931, esperando a imigração para o Canadá, onde já residiam duas irmãs
casadas dos mesmos que tinham saído da Rússia em 1927.
Em Möllen Anna e Katharina reencontraram irmãos, Helena,
Heinrich, Julius e Gerhard.
Como o Canadá
não aceitava mais imigrantes na ocasião, os irmãos optaram pela emigração para
o Brasil.
Em 18 de julho de 1931, no porto de Hamburg, os três irmãos,
Julius Klassen, Gerhard Klassen e Anna Klassen, ela então com 14 anos, e as
meia-irmãs Helena Frisen e Katharina Friesen, embarcaram no navio Monte Oliva e
vieram para o Brasil.
Eles viajaram com a família de Heinrich Friesen que tinha seis
filhos. Ele era primo de Helena Friesen.
Em 6 de agosto de 1931 chegaram ao Rio de Janeiro, mas não saíram
do navio.
Em 7 de agosto de 1931 fizeram escala em Santos – SP.
Em 8 de agosto de 1931 desembarcaram em São Francisco – Santa
Catarina.
Em 9 de agosto de 1931 viajaram de trem até Jaraguá do Sul –
Santa Catarina.
No mesmo dia foram de caminhão até Blumenau – SC.
Ainda no mesmo dia foram de trem até Ibirama – SC que naquele
tempo chamava-se Hamonia.
Em 10 de agosto de 1931, com a bagagem e os idosos em
carroças, todos os demais a pé, foram até a Colônia Dona Emma, onde
pernoitaram.
Em 11 de agosto de 1931 subiram a serra por um caminho no
meio do mato (picada), até que chegaram num local de mata virgem denominado
Stolz Plateau ou Augen, hoje parte de Witmarsun – SC.
Era o último grupo de menonitas que chegou na região.
Os cinco irmãos ficaram na mesma casa com Heinrich Friesen,
uma espécie de protetor dos cinco irmãos.
Anna Klassen, a futura professora de corte e costura da rua
da Glória saiu da Rússia com 12 anos. Agora tinha 14 anos.
A viagem dos irmãos da Rússia até a nova residência durou 2
anos.
Helena, Katharina, Julius, Gerhard e Anna tinham um novo lar,
era chamado pelos vizinhos de a casa dos
Friesen.
Mas nenhum deles ficou muito tempo no novo lar. As condições
de vida no meio da floresta virgem eram absolutamente difíceis, em especial
para um grupo de jovens, sem pai nem mãe.
Vários imigrantes menonitas foram procurar emprego em
Blumenau, Curitiba e até São Paulo. Anna Klassen, apesar de ser a mais nova dos
irmãos, foi a primeira a sair. Ela optou por Curitiba. Tinha então quinze anos,
era 1932.
Uma amiga convidou e ela foi trabalhar de doméstica na casa
da família Hauer, em Curitiba. Tratava-se de família da elite curitibana em cuja
mansão, localizada na rua Emiliano Perneta, hoje funciona o restaurante Scavolo.
Em Curitiba Anna Klassen
começou a namorar David Hiebert, também imigrante menonita que
trabalhava como jardineiro e depois entregador de pães naquela cidade. A
família dele residia no Krauel, hoje Witmarsun.
Em 1941 Anna Klassen mudou-se para Blumenau onde já estava
seu futuro marido e foi trabalhar primeiro no Tabajara Tênis Clube e depois na Empresa Industrial Garcia S.A..
Em 23.02.1942 obteve o “Salvo Conduto Especial para
Estrangeiro nº 143”, válido por dez dias, para
viajar até “Getúlio Vargas”, onde se casaria com David Hiebert. A
localidade era conhecida como Krauel, hoje Witmarsun. O casamento foi celebrado
na casa da mãe de David e o idioma utilizado pelo pastor foi o Russo, já que era proibido falar
alemão.
A curiosidade é que no Salvo Conduto consta que ela era
natural da Rússia, país aliado do Brasil
na Segunda Guerra Mundial, mas eles eram tratados com sendo inimigos alemães.
Da
esquerda para a direita: Valter (falecido em 20/06/2016), Carlos, Anna Klassen Hiebert (nossa mãe
falecida em 1973), Adolfo, David Hiebert (falecido em 1970), Irene Hiebert
Kertischka (falecida em 2007), e Rosita Hiebert, falecida em 1961.
Rua 12 de Outubro
De 1942 até 1968 Anna Klassen, agora Hiebert, residiu na rua
12 de outubro, nº 111. Era a primeira rua a esquerda na rua da Glória, onde
hoje estão os últimos pavilhões da Coteminas, Praça Getúlio Vargas e o terminal
Urbano.
Anna com as filhas Irene e Rosita em 1944
De 1968 até 1973 ela residiu na rua Ipiranga, 81, Garcia, em
Blumenau.
Ele teve sete filhos: Rosita, Irene, Valter, Carlos, Adolfo,
Ivo e Alex.
Ela faleceu em 04.11.1973 em Blumenau, SC, tinha 56 anos,
está sepultada no cemitério da rua Progresso no Garcia (Progresso).
Suas alunas Ilse Machado/Souza e Irone Pera/??? residem no Garcia e no município de Penha, SC,
respectivamente.
A aluna Iracema Hinkeldey já é falecida.
A professora de corte e costura Anna Hiebert foi excelente
mãe para seus sete filhos que se orgulham muito da mulher trabalhadora,
batalhadora e educadora que ela sempre foi, sendo o alicerce da família nos
anos em que nosso pai estava impossibilitado de trabalhar em razão de grave
doença que o acometeu.
O maior trauma da professora Anna Hiebert foi ter perdido
prematuramente a sua filha mais velha, Rosita Hiebert, que faleceu quando tinha
apenas 19 anos.
OS PRIMEIROS DIAS DE
ANNA KLASSEN E IRMAÕS NO BRASIL RELATADOS POR SEU IRMÃO JULIUS KLASSEN
A redação a seguir é de Julius Klassen, cujo original está
com Valter Hiebert.
São respostas a perguntas feitas por carta por Valter Hiebert, a qual não foi
encontrada, mas as respostas permitem entender o que foi perguntado. Essa mesma
carta com as mesmas perguntas encaminhei para Jakob Hiebert, irmão de meu pai, que
também me respondeu as mesmas perguntas.
RESPOSTAS DE JULIUS
KLASSEN:
"A região era só mato virgem com muita madeira de lei,
tal como imbuia, canela e cedro, além de outras. Vez em quando uma clareira no
meio do mato, aberto por aqueles que chegaram um pouco antes do que nós. As
terras eram mais ou menos, mais muito acidentadas, de maneira que não tivemos
boa impressão."
"Como os imigrantes estavam acostumados na Russia a
trabalhar com máquinas agrícolas modernas naquela época, tiveram que mudar o
sistema de trabalho no mato virgem com ferramentas de mão, tais como machado,
enxada, foice, etc.. Por isso a impressão não era das boas, mas assim mesmo
agradeceram a Deus por ter lhes conduzido a um País (Brasil) com plena
liberdade de palavra e um povo bondoso."
"As dificuldades encontradas foram muitas. No começo só
tinham picadas, mais tarde foram alargadas e transformadas em estradas. Na
temporada de chuvas as mesmas ficavam intransitáveis. Para conseguir um pouco
de gêneros alimentícios tivemos que andar 5 a 6 Km. Nos primeiros tempos morávamos
num rancho de 6 x 4 metros, construído com pau de palmito, as paredes e o
telhado cobertas com um tipo de folhas."
"A nossa viagem da Alemanha para o Brasil foi custeada
pelo governo alemão. No primeiro ano de Colônia tivemos muito auxílio da Igreja
Menonita da Holanda."
"Não tivemos médico na Colônia, o mais próximo era a 60
Km de distância."
"Logo no início os imigrantes se reuniram para a
construção de uma escola primária. A escola no domingo servia de igreja para
cultos religiosos, escola dominical, enfim, para todas as festividades
religiosas. Auxílio para construir estas escolas veio também da Holanda e
Alemanha. No começo nas escolas foi lecionado somente o alemão. Mas logo em
seguida a direção da Colônia mandou alguns professores nossos para
Florianópolis para tomar um curso de língua portuguesa. Voltando a Colônia os
professores imediatamente começaram lecionar em língua portuguesa, além do
alemão."
"Lamentavelmente o governo brasileiro não prestou algum
auxílio."
"A terra não era muito boa e a lavoura não tinha muito
futuro."
"Ninguém era obrigado a permanecer na Colônia, mas
também no começo ninguém tinha condições de procurar outros meios de
vida."
"Nenhum dos imigrantes tinha estado no local
anteriormente".
"Não havia fiscalização do governo".
"O idioma que os imigrantes falavam (platdeutsch), um
dialeto do alemão e holandês, além do alemão clássico."
"Já em 1932/33 começamos a aprender o português."
"A Colônia foi dirigida pelo Sr. Heinrich Neufeld, tinha
a função como prefeito."
"Apesar de muitas dificuldades houve progresso na Colônia.
Os ranchos deram lugar para casas modestas de madeira, pois já funcionava uma
boa serraria, também doada pela Holanda. Também funcionava um moinho de milho.
O pão de cada dia era feito de milho. Com a derrubada do mato os colonos
aumentaram a plantação de milho e mandioca."
Para saber mais
acesse:
Texto de Valter Hiebert/Arquivos de Valter e Adalberto Day