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segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

- As duas Roseiras de Dr. Blumenau

HISTÓRIA ROMANCEADA DE BLUMENAU E DO SEU FUNDADOR

NEMÉSIO HEUSI

{....} O Dr. Blumenau chegou à colônia ao amanhecer. E nas mãos, as duas roseiras. Estava ansioso por ver Hackradt, que tomava café num rancho, na companhia de um casal de pretos velhos. Eram as três almas que habitavam a colônia.
Hackradt, barbado e com roupas mal tratadas, era, em verdade, a imagem de um fracassado.
Depois de cumprimentá-lo, o Dr. Blumenau indagou:
- Hackradt! Onde estão os demais trabalhadores? Quando daqui sai, eram 9 ao todo e só vejo, agora, este casal de pretos velhos!
- Dr. Blumenau, dos nove trabalhadores, só sobrou este casal! Uns fugiram, outros foram embora para Itajaí, um levado por um vizinho e um outro morre, atingido por uma caneleira.
- Bem desagradável, Hackradt! Infelizmente, não consegui os 250 imigrantes alemães que se haviam comprometido comigo, o que te comuniquei por carta. Simplesmente, desistiram sem me darem maiores satisfações. Só mantiveram a palavra empenhada 16, que com um sobrinho meu, somam 17. Estes os colonos que deverão chegar até fins deste mês de agosto ou começo de setembro.
Hackradt esboçou um sorriso irônico, ma nada disse. Continuou calado, enquanto Dr. Blumenau prosseguiu:
- E a serraria, já está pronta?
- Pronta está, mas, trabalhando, não, por falta de braços.
- Você me escreve, dizendo que ela esteve ameaçada de ser levada por uma enchente! Houve enchente na minha ausência.
- Não, apenas chuvas fortes, elevando o nível do rio. O bastante, porém, para ameaçar a serraria!
- Mas, então não a construíram no local combinado, Hackradt? Depois de examinar o local, o Dr. Blumenau ponderou:
- Não foi este o lugar escolhido à beira do ribeirão, e, sim, ali naquela saliência e naquele platô, livre de enchentes.
- É fácil! Facílimo, dizer-se ali. Mas difícil de fazer, quando não se tem braços para se atingir terreno elevado com material pesado, como só ser o de uma serraria. Daí a escolha de outro local mais acessível. Lamento muito, Dr. Blumenau, mas foi o que se pode fazer! Aliás, meu amigo, eu não continuo mais aqui de forma alguma. Eu não devia nem ter voltado para aqui. E muito menos ter assinado aquele contrato de constituição de uma firma, quando lá no Desterro. Mas o Senhor Insistiu tanto que me convenceu. De modo que acabei voltando para este inferno.
- Sinto muito, Hackradt.
- Eu é que sinto ter de lhe dizer isto e mais alguma coisa!
- Desabafe Hackradt! Diga tudo o que tem para me dizer.
- Dr. Blumenau! Veja bem! Analise bem o seu comportamento vacilante. Eram 250 colonos que deveriam vir. Vêm apenas 17! E será que estes vêm mesmo?
- Hackradt, dou-lhe o direito ao desabafo, porém, não o de duvidar da minha palavra!
- Mas como, Dr. Blumenau, que o Sr. Não quer que eu duvide da sua palavra, se agora mesmo, o Sr. Está demonstrando apenas incertezas e dúvidas? O Sr. ao invés de chegar com os seus colonos, que de 250 que deveriam, ser, conforme me escreveu, ficaram reduzidos a 17, chega-me aqui com duas roseiras nas mãos. E ainda quer que eu acredite em suas promessas?
- Hackradt! Você é realmente a figura do derrotado! Barbado! Mal vestido! Relaxado! Deixou-se dominar, completamente, pelo desânimo. E quando se perde a fé, meu amigo, nada mais resta senão derrotismo, descrença e fracasso.
- Quero que saiba e aprenda. Se houver fracasso este foi o seu. Nunca o meu! Não quero, de forma alguma, que continue comigo, com este estado de ânimo. Você poderá se retirar de nossa firma. Mas, terá de esperar até resolvermos certas pendências, o que espero se dê no mês que vem, ou em meados de outubro.
Estamos no fim de agosto. Os meus colonos virão ainda neste mês, ou o mais tardar em começo de setembro. Terei de assisti-los durante um mês, para as primeiras adaptações. Só depois é que poderei tratar da nossa dissolução contratual, quando ajustaremos as nossas contas.
Não quero, de forma alguma, brigar com você, meu amigo e companheiro das primeiras horas!
- Mas, Dr. Blumenau, eu sempre lhe disse que era apenas um mero comerciante.
- E não um colonizador! Não era isto, Hackradt, que você ia me dizer?
- Exatamente, Dr. Blumenau.
- pois bem, meu amigo, eu sempre o quis como comerciante e vou lhe explicar por que!
- Não quer que eu segure as roseiras e as ponha em lugar seguro?
- Não, obrigado. Quero tê-las nas mãos porque ainda vou falar sobre elas. Vamos nos sentar, para podermos conversar mais à vontade.
- Hackradt, vou voltar ao passado, para poder melhor te mostrar a formação da minha personalidade.
O meu velho pai era engenheiro-mor das florestas ducais, no distrito de Helmstadt, em Mariental. E ali, na escola local, aprendi os primeiros rudimentos para a minha formação, até os dez anos de idade.
Com o meu pai muito aprendi sobre a Natureza e o seu mundo vegetal, que era o seu trabalho profissional.
E assim, passei a minha infância entre árvores e flores!
Depois, fui para a casa do Pastor alemão J.l.Gotting, onde preparei-me para o ginásio.
Foi o melhor tempo da minha juventude. Com ele aprendi toda beleza do incomensurável mundo espiritual. E me imbui da força do amor que tudo constrói.
Depois, na universidade, formei-me em filosofia, que é o conjunto de concepções práticas e teóricas, acerca do ego e dos seres em geral, bem como sobre o papel do homem no universo em que vive.
Finalmente, a parte farmacêutica, sobre há qual pouco me interessei.
Resumindo, Hackradt: Com o meu pai, conheci o mundo material das plantas e as belezas extraordinárias da natureza. Que passei a amar com muita intensidade; e com o Pastor Gotting, toda a grandeza do mundo espiritual, onde adquiri esta fé inquebrantável em Deus.

E desta formação, Hackradt nasceu o meu espírito idealista que tão bem se adapta ao de colonizador. Que requer uma dose muito grande de abnegação, sacrifício, tenacidade e perseverança!
Você deve ter notado, Hackradt, que devido a minha formação cultural, os números sempre me estiveram ausentes. Daí não saber tão bem manejá-los como sabem os comerciantes, face aos seus negócios e seus lucros.
Quando você me apareceu, como comerciante, unindo o útil ao agradável, fiz-lhe o meu convite. E o que neste momento, estou justificando. Hackradt a tudo ouviu calado e sensibilizado, e perguntou:
- Não vai plantar as suas roseiras, Dr. Blumenau?
- Não, Hackradt. As plantarei no dia em que os meus 17 colonos chegarem, juntamente com as várias mudas de árvores frutíferas e flores, que eles trarão. Eles se mostravam bastante animados e esperançosos quando ainda estávamos em Hamburgo.
- É incrível, Dr. Blumenau, o contraste que existe entre nós dois. Para mim, estas terras só me trouxeram até agora, dor e sofrimento. E deles nasceu o meu desânimo.
Dor, quando vi morrer debaixo da caneleira um pobre homem e excelente trabalhador; e quando uma traiçoeira jararaca mordeu e matou o nosso cozinheiro.
Sofrimento, porque tudo aqui é agressivo: a mata, as feras, as cobras e os índios; desânimo, portanto, porque não acredito que com tantas adversidades, Dr. Blumenau, consigo fazer nascer a sua colônia. E, confesso, como eu, o Senhor Também, mas tarde ou mais cedo, desistirá!

O Dr. Blumenau (Foto) sorriu e disse-lhe, convicto:
- “Não, Hackradt” Desistir é um verbo que não aprendi a conjugar. Neste chão, que tanto agrides, eu, no dia em que os meus colonos chegarem, com eles plantaremos flores e árvores frutíferas, para agradecer à natureza e a Deus, por ter nos dado esta terra dadivosa à qual transformaremos numa das mais extraordinárias colônias do Império Brasileiro.
Minhas roseiras, Harkradt, simbolizam a alegria e a dor! Porque as rosas servem para festejar os nossos dias de alegria e também de dor e sofrimento. Que o teu sentimento mercantilista, infelizmente, não compreende.
Se elas enfeitam os nossos lares e os nossos túmulos, não significa que devemos odiá-las porque têm duplo sentido: sorriso e lágrimas. Não, Hackradt, porque pra os fortes, viver é sorrir e também chorar.

Lamento profundamente que o pessimismo tenha transformado a tua atitude inicial e te levado à desistência de continuar ao meu lado, como nas primeiras horas. Se não queres comigo plantar a roseira, para amanhã colhermos as suas rosas, e com elas festejar as nossas conquistas e sucessos, peço-te que não nos abandones de vez e voltes sempre aqui, para sentires ao menos, o perfume das rosas, porque a nossa amizade não terá apenas a efêmera vida das rosas, mas sim, a da roseira que, para cada rosa que morre terá sempre um novo botão a florir.

- Foi por isso, Hackradt (Foto), que o meu velho pai pediu-me que nunca deixasse esta roseira morrer. Porque ela simboliza a sua saudade. E hoje, meu bom amigo, ela tem mais um símbolo, que também nunca morrerá; a nossa amizade!
Obs.: Memorialista Niels Deeke: FERDINAND ERNST FRIEDRICH HACKRADT, nascido em 20/12/1817 em Gramzow, próximo à Perleberg - Prignitz Ocidental - distrito de Postdam - ALEMANHA.
Imigrou no Brasil em fins de 1846.
Faleceu em Desterro SC, em 22/02/1887 às 3 horas da tarde, e dado à sepultura em 23/02/1887 às 8 horas da manhã, no cemitério protestante de Desterro SC Posteriormente seus ossos foram trasladados ao cemitério em Itacorubi - Desterro SC atual Florianópolis.
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- A gratidão, Hackradt, é a moeda com que nós, espiritualistas, pagamos as nossas dividas morais!
Em outubro, Hackradt voltou a Colônia para rescindir o seu contrato. As plantas verdes e viçosas. Era a resposta do solo que pagava, com o mesmo amor, o que dele fora pedido.
Hackradt resolveu esperar pela chegada dos primeiros 17 colonos. Não queria que o Dr. Blumenau ficasse só, com o casal de pretos, velhos. E como até fins de agosto, os colonos ainda não tivessem chegado. Hackradt, numa balsa, tendo como remadores Ângelo e Silvério, dia 2 de setembro deixaram a colônia e foram até Itajaí esperá-los. A sorte lhes foi favorável. Encontraram os colonos, que vinham num lanchão do Major Agostinho, em Belchior. Assim. Com a respectiva bagagem, foram baldeados para a balsa, e á tardinha do mesmo dia, chegavam à Colônia.

Reprodução: Livro 150 anos de Blumenau 2000
Foram recebidos pelo Dr. Blumenau, que os aguardava no alto da barranca do rio. Visivelmente emocionado e satisfeito, ele acenava para os recém-vindos.
Foram todos provisoriamente alojados num barracão, ás margens do ribeirão da velha.
O Dr. Blumenau, ao apresentar o seu sobrinho Reinhold Gaertner, a Hackradt, disse-lhe que era ele o substituto do amigo que, por motivos particulares, deixava a Colônia.
Na manhã seguinte, Hackradt se despediu. Ângelo ficou para ajudar o Dr. Blumenau, até que Reinhold se acostumasse.
Naquele dia, embora já na companhia dos seus colonos, o Dr. Blumenau estava triste, devido à partida de Hackradt. Ele já se afeiçoara ao seu amigo e sócio.
A primeira noite dos imigrantes na Colônia foi bastante fria. O inverno daquele ano fora muito rigoroso. E o céu limpo e claro anunciava geada tardia para o dia seguinte.
O Dr. Blumenau, conversando com Reinhold, lhe disse:
- Meu sobrinho, sinto que nem todos os colonos estão satisfeitos em instalações tão precárias, principalmente a senhora Friedenreich com as crianças, que estão estranhando tanta falta de conforto. Veja as crianças não dormem e só choram! Leva mais cobertores para elas, Reinhold, quem sabe se melhor agasalhadas, elas conseguem dormir?
- Vou levar, tio. Mas, amanhã, com o sol bonito, elas estarão mais alegres.
- É, meu sobrinho, precisamos fazer funcionar a serraria o mais breve possível. Iniciar a construção de novas moradias para os colonos, embora provisoriamente, com troncos de palmeiras e cobertas com as suas folhas, até que tenhamos as tábuas para melhor construí-las.
Reinhold sentiu que o seu trabalho não seria fácil. Mas, tudo faria para ajudar o seu tio, tão sacrificado.
Ao completar o quinto dia da chegada dos seus colonos, o Dr. Blumenau lembrou-se que era o dia 7 de setembro, o dia maior do Império Brasileiro, comemorativo da sua Independência.
Acordou Reinhold bem cedo e combinou com ele fazerem uma festinha para comemorar aquele dia da independência do Brasil.
- Reinhold, hoje é o dia em que o Brasil tornou-se independente de Portugal, em 1822. Eu estou sentindo que os colonos, nestes primeiros dias, não se estão adaptando como eu esperava. Vou, pois aproveitar este dia para despertar-lhes o civismo, dizendo-lhes do nosso dever de estrangeiros e imigrantes para com o Brasil, que adotamos como a nossa segunda pátria, no dia máximo de sua História.
- Ótimo tio! Excelente idéia!
- Não vou contar-lhes a História do Brasil, Apenas fazer-lhes algumas imagens sobre a data, e sobre o nosso dever de imigrantes para com o império. Tenho comigo a bandeira do império, que me foi dada por um grande e importante amigo, o Marques de Abrantes, e um retrato do Imperador do Brasil, Dom Pedro II, de quem tenho a honra de ser amigo e profundo admirador.
- Muito bom tio, para levantar a moral dos colonos, que, realmente, não está boa.
- Reinhold, vai acordar o Ângelo e chama-o aqui. A propósito você e ele já estão se entendendo, por gestos e mímicas, não é?
- Estamos nos entendendo e bem até.
Quando Ângelo chegou, ele mandou que os dois cortassem uma palmeira e a trouxessem até a frente do barracão.
Na ponta da palmeira, foi amarrado um pedaço de corda mais grossa e nela passada uma outra cordinha, de modo que pudesse ser hasteada a bandeira.
Quando tudo já estava pronto e todos reunidos defronte ao barracão, ao nascer do sol, o Dr. Blumenau conversou com Ângelo e disse-lhe que teria que falar em alemão aos colonos, já que ninguém sabia falar o português.
- Ângelo, você é que vai hastear a bandeira.
- Mas...eu?...Dou...tor!
- Sim, você Ângelo. Por dois motivos: o primeiro, porque és brasileiro, e o segundo, é que és o único amigo que sobrou da nossa primeira viagem e a testemunha da escolha deste local para a implantação da nossa Colônia, uma vez que Hackradt nos abandonou.
- Se é assim, aceito com muita honra e grande prazer.
- Ângelo, ao hasteamento, assistiremos em silêncio, em sinal do nosso respeito para com o Brasil e o seu Imperador. Depois, então eu falarei em alemão sobre a data de hoje. Mais tarde, eu te direi o que falei aos colonos.
- Muito obrigado, Dr. Blumenau! Pode deixar que eu farei tudo direitinho. Posso lhe fazer um pedido, Dr.?
- Faça Ângelo!
- Depois, o Dr. Não vai oferecer uma pinguinha pra esquentar o corpo?
O frio está de cortar!
- Claro, Ângelo, depois festejaremos!
Ainda não eram sete horas da manhã e já estavam todos defronte do barracão, Reinhold ao lado do mastro improvisado, mostrava o retrato do Imperador Dom Pedro II, para todos o verem e Ângelo, vagarosamente, hasteava a bandeira, olhando firme, para o alto do mastro!
O Dr. Blumenau pediu para que todos assistissem ao hasteamento de cabeça descoberta e em profundo silêncio, em respeito à data ao Brasil e ao seu Imperador.
Terminada a cerimônia, o Dr. Blumenau disse pausadamente:
- Reuni os senhores aqui, nesta manhã ensolarada, para hastear a Bandeira ao império Brasileiro e mostrar-lhes o retrato do seu Imperador, dom Pedro II, para que todos vocês o fiquem conhecendo. Ele traz a sua assinatura, de seu próprio punho, o que fez na minha presença, e em reconhecimento ao que sua majestade espera de mim, em prol da colonização alemã no Brasil.
- Hoje, 7 de setembro, é um dia todo especial para o Brasil, porque faz 38 anos da sua Independência, pois no dia de hoje, em 1822, o pai do nosso atual Imperador, Dom Pedro I, às margens do rio Ipiranga, em São Paulo, deu o grito de Independência ou Morte!
- Com essas palavras ele quis dizer que se Portugal reagisse, ele, à frente do povo brasileiro, lutaria até a morte, pela Independência do Brasil!
- Nós, alemães, e imigrantes que somos, temos deveres para com o Brasil, pois ao emigrarmos para cá, adotamos o Brasil como nossa segunda pátria. Por isso, devemos amá-lo e respeitá-lo, como hoje o fazemos na sua maior data nacional, hasteando a sua bandeira e festejando o seu dia maior!
Isto, porém não quer dizer que a nossa Colônia não seja uma “pequena Alemanha” dentro do Brasil, isto é, poderemos construir as nossas casas iguais as que construímos lá na Alemanha, vestir os nossos trajes típicos e usá-los permanentemente, bem como manter os nossos costumes e a religião de cada um, falar o nosso idioma, até que o governo nos forneça escolas para os nossos filhos. Eu, porém, semanalmente darei aulas a quem quiser aprender o português. E quem quiser se naturalizar brasileiro, poderá fazê-lo.
Os filhos de vocês que aqui nascerem, serão, automaticamente considerado brasileiro.
Uma coisa, porém, fica bem claro: enquanto eu tiver voz de comando nesta Colônia, a escravatura jamais será praticada. O nosso trabalho será feito por homens livres sem distinção de cor.
Vivemos num Império que é um verdadeiro continente, dada a sua extensão territorial. E com o trabalho honesto, muita fé e força de vontade, construiremos uma colônia que será, através dos tempos, um orgulho para nós e nossos descendentes. E este deve ser o nosso lema: fé, amor e perseverança!
E assim vou terminar esta minha palestra, que repetirei sempre nesta data, como um compromisso do Imigrante e meu dever de colonizar, para que todos os colonos que aqui chegarem mantenham sempre bem vivas as suas obrigações para com a sua nova pátria!
Quando o sol começou a se esconder por trás da floresta virgem, naquele dia festivo da independência do Brasil, Ângelo Dias, cabeça descoberta diante de todos os colonos, novamente reunidos e do Dr. Blumenau, todos em profundo silêncio, descia, lentamente a bandeira do império Brasileiro, ouvindo-se ao mesmo tempo um canto agudo e forte. Era a graúna que anunciava para toda mata a chegada, da noite, como o fazia ao raiar de cada dia.
Capa – Irmã Aluisianis e o médico Oswaldo Hoess
(Obs. Memorialista Niels Deeke:  trata-se do Dr. Alfred Hoess nascido na Áustria, Mergenhofen em 29/04/1892 e falecido em Blumenau em 04/10/1965 e não Oswaldo Hoess)

Naquela noite, quando todos já dormiam, o Dr, Blumenau entrou no barracão. Quando se aproximou da cama de Ângelo, este jazia com as mãos pendentes da cama. E no chão de terra batida, a garrafa de pinga tombada e vazia. O Dr. Blumenau sorriu, apagou a lamparina e se deitou, contente do dia bonito que tivera.{...}
Blumenau em Cadernos – TOMO XXII – Nº 4 Abril de 1981

Uma injustiça a reparar
Nemésio Heusi/Fevereiro 1982
Não basta escrever sobre história, pesquisar fatos, buscar origem, é preciso quando neste mister encontrarmos por acaso alguma distorção histórica, ou mesmo lamentável omissão, como no caso de Ferdinando Hackradt, companheiro do Dr. Blumenau desde as primeiras horas na província de Santa Catarina com ele fazendo a primeira viagem rio acima em companhia de Ângelo Dias até os últimos momentos no Brasil, isto é, quase 36 anos depois quando se retirou, definitivamente, para a Alemanha, nenhuma homenagem foi prestada a ele pela cidade que ele junto com tantos outros ajudou a fundar nos idos anos de 1850. Mas, por quê? Talvez porque José Ferreira da Silva respeitável jornalista e melhor historiador disse num de seus muitos artigos: “Hackradt a quem ele deixara na Velha, entregando-lhe regular soma de dinheiro para o trabalho indispensável à recepção dos primeiros colonos, não havia correspondido à confiança que Blumenau nele depositará...etc...etc...”.
“No entanto, em seu estudo maravilhoso sobre “A Vida e Obra do Doutor Blumenau, ensaio Biográfico” do Dr. Carlos Fouquet, diz textualmente:” A empresa “Blumenau & Hackradt” foi dissolvida em 15 de outubro de 1850, e em Dezembro o Dr. Blumenau pagou ao seu ex-sócio o capital inicial de 2.800 tálers e a título de compensação pela direção dos trabalhos preliminares. Segundo outras fontes ter-se-ia tratado de 2 contos de réis e mais 800 mil réis, fora os juros sobre o capital.”
De fato houve um incidente entre Dr. Blumenau e seu ex-sócio quando Dr. Blumenau voltou da Alemanha para esperar na colônia os 17 primeiros colonos, mas logo depois, quando Dr. Blumenau examinou todas as prestações de contas de Hackradt, verificou que seu ex-sócio agora com toda honestidade, já que todas as despesas estavam, devidamente, comprovadas com os respectivos recibos em perfeita ordem, foi desfeito o mal entendido e os dois voltaram às boas tanto que, Hackradt, ainda recebeu o que lhe era devido por contrato e ambos continuaram amigos. O erro inicial desse mal entendido partiu do Dr. Blumenau que, teimou em transformar um comerciante, num colono, quando Hackradt sempre lhe dizia...”Dr. Blumenau eu sou tão somente um comerciante, e não um construtor de ranchos e engenhos”. Bem mais tarde Hackradt, voltou para Desterro e alguns anos depois com seu sobrinho Carlos Hoepcke fundou um império comercial que é, ainda hoje, a centenária Carl Hoepcke S.A. de nossos dias.

Estou certo que essa omissão histórica será reparada ainda na atual administração municipal, isto porque, está à frente da Prefeitura de Blumenau Dr. Renato Vianna jovem advogado e um administrador considerado capaz, honesto e extremamente humano, e na Presidência da Câmara Municipal, um brilhante jornalista defensor intransigente das justas causas de sua cidade, Carlos Braga Mueller que ao tomar conhecimento deste artigo tomará as providencias para reparar tão lamentável omissão histórica, prestando uma justa e merecida homenagem a Ferdinand Hackradt, companheiro de Ângelo Dias, já devidamente homenageado com o seu nome em uma das ruas de Blumenau, e eu felicíssimo, porque tenho certeza absoluta que serão convidados para as homenagens, Cel. Júlio Werner Hackradt e seu filho, nascido em Blumenau no ano do seu Centenário, afinal são: Bisneto e Tataraneto de Ferdinando Hackradt que se sentirão felizes e orgulhosos porque foi reparada uma lamentável INJUSTIÇA HISTÓRICA.

Em meu livro, Ferdinando Hackradt  e Dr. Blumenau (foto) continuaram amigos, embora tenha havido o incidente, nele mencionado e dialogado, até os últimos dias de Dr. Blumenau no Brasil, isso porque, nas minhas pesquisas nada encontrei que me autorizasse ao contrário, e só fui conhecer o Cel. Júlio Werner Hackradt, quinze dias antes do lançamento de meu livro, já que me telefonou dizendo que fazia questão de estar presente ao lançamento, como de fato esteve, e para ele autografei dez livros para ele distribuí-los entre seus amigos. Foi então quando me contou que na ocasião do Centenário de Blumenau quando foi apresentado à filha de Dr. Blumenau e essa lhe confessara que Hackradt e seu pai mantiveram correspondência até os últimos dias de Dr. Blumenau, dizendo, textualmente: “Foi seu bisavô Sr. Hackradt, um dos melhores amigos de papai e seu leal companheiro de todos os momentos no Brasil. Papai gostava muito do Sr. Ferdinando Hackradt”.
Aí está a verdade histórica, e o meu acerto em mantê-los como dois bons amigos em meu romance. Resta, porém que está omissão histórica seja desfeita e a justa e merecida homenagem a Hackradt feita, para reparação de uma injustiça histórica.

Blumenau em Cadernos – TOMO XXIII – Nº 2 Fevereiro de 1982
Arquivo – AHJFS/ Sávio Abi-Zaid/Dalva e Adalberto Day

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

- Professor José Ferreira da Silva

Vitima de acidente rodoviário sofrido na noite do dia 22 de dezembro de 1973 (faleceu dia 31), na rodovia BR-277, quando o Volks em que viajava foi abalroado por um caminhão FNM, o professor José Ferreira da Silva lutou durante 10 dias contra a morte, internado na sala de terapia do hospital Cajurú, em Curitiba. Logo após o acidente, quando sofreu a primeira intervenção cirúrgica, entrou em estado de coma e até sua morte permaneceu inconsciente. Morreu às 06h30min horas de domingo, assistido pela esposa Dona Anita e pelos seus cinco filhos. De Curitiba, seu corpo foi transladado de avião até Navegantes, chegando a Blumenau à 15h30 minutos.
Em câmara ardente, foi velado no salão nobre da Prefeitura Municipal, e às 17h30 minutos, depois de cumpridas as cerimônias religiosas dirigidas pelo vigário da paróquia de São Paulo Apóstolo, Frei Bernardo Oeschler, foi conduzido numa viatura do Corpo de Bombeiros ao Cemitério São José, onde foi sepultado. Milhares de pessoas de todas as partes do estado acompanharam o cortejo, que seguiu pela Alameda Duque de Caxias, Praça Mascarenhas de Morais e rua 7 de Setembro.

No cemitério, José Ferreira da Silva recebeu as homenagens da Academia Catarinense de Letras, da qual era membro, da Sociedade Dramática Musical Carlos Gomes e da Prefeitura Municipal de Blumenau.

SUA VIDA
O professor e historiador José Ferreira da Silva morreu aos 77 anos de idade, deixando uma vasta folha de serviços prestados as comunidades em que serviu ao longo de sua vida. Natural de Tijucas, onde nasceu em 16 de janeiro de 1897, era casado com Ana Ferreira da Silva e deixa cinco filhos, Êrico, Zenaide, Zélia, Luís e Ana Maria.
Aos dois anos de idade passou a residir em Florianópolis, onde freqüentou posteriormente a escola primária. Também cursou a escola paroquial de Santo Amaro do Cubatão (hoje da Imperatriz), sob a regência do professor Sebastião de Oliveira Dias. Posteriormente, fez o secundário no ginásio Catarinense e no Colégio São José, de Pareci, no Rio Grande do Sul. Já o curso colegial colaborava na revista infantil de Petrópolis, “O Beija-Flor”.

Em canoinhas, o professor José Ferreira da Silva, iniciou suas atividades no magistério.
Tendo prestado exames para professor perante o então diretor geral de Instrução, o escritor, teatrólogo e autor da letra do hino de Santa Catarina. Horácio Nunes Pires, Ferreira da Silva, foi nomeado regente da escola primária de Canoinhas, onde permaneceu até 1919.
Ali também foi tabelião interino.

Transferido em 1919 para Bom Retiro, hoje Luzerna, exerceu ali o magistério até o ano seguinte, quando foi removido, a pedido, para o município de Blumenau, onde dirigiu, durante meses, a escola subvencionada de Arapongas, no atual município de Indaial.
Em Canoinhas, trabalhou na imprensa colaborando no jornal “Timoneiro do Norte”, com artigos sobre a história do município e do movimento dos Fanáticos, que mal havia terminado. Em 1920, foi aprovado em concurso para Escrivão de Paz e Tabelião do então 7º distrito de Blumenau, hoje município de Rodeio, onde permaneceu por quadro anos consecutivo. Em Rodeio, apesar do meio ainda pouco desenvolvido, fundou o semanário “O Escudo”, que dirigiu até 1924.
Nesse ano, foi transferido para a sede do município, como titular do cartório do Crime, Civil e Comercial, tendo como juiz de direito o bacharel Amadeu Felipe da Luz, de quem foi grande amigo e colaborador.

Em 1926, fundou com Otaviano Ramos, chefe da estação postal telegráfica e poeta, o jornal “A Cidade”. Passou então, a desenvolver intensa atividade intelectual, publicando contos, crônica e comentários e mais criticas esparsas por vários jornais e revistas. Deu a publicidade diversos estudos históricos, biografias traduções do alemão e do italiano, idiomas que dominava com relativa segurança.
Deixando o cargo de serventuário de justiça, montou escritório de advocacia, como solicitador depois de concurso prestado perante o tribunal de Justiça do Estado, associando-se ao Desembargador aposentado Pedro Silva e ao advogado provisionado Max Mayr.

Ingressando na política, foi candidato ao conselho Municipal pouco antes da Revolução de 1930. No ano seguinte, foi nomeado Inspetor Federal do ensino Secundário, tendo exercido estas funções no ginásio Santo Antonio de Blumenau, no ginásio Bom Jesus, de Joinville, no ginásio Lagunense, de Laguna e no ginásio Barão de Antonina, de Mafra, encaminhando os processos de reconhecimentos desses educandários.
Já havia dado à publicidade vários trabalhos históricos e fundado outros jornais, quando, em 1935, foi eleito para vereador e presidente da Câmara Municipal, cargo que exerceu até janeiro de 1938. Nesse mês, foi nomeado prefeito de Blumenau. Permaneceu no cargo até maio de 1942. Deve-se à sua administração, entre outras obras a construção do prédio do Fórum e da Prefeitura (em parte destruído pelo incêndio de 1958); a canalização do ribeirão Bom retiro e consequente abertura da atual Rua Nereu Ramos (entre a rua XV de novembro e 7 de setembro); a Escola Agrícola Municipal; o campo de aviação de Itoupava Central; a abertura da Rua Presidente Getúlio Vargas; o “Museu Fritz Müller”; o matadouro municipal de Itoupava Seca; o serviço de abastecimento de água potável; o Grupo Escolar “Machado de Assis” e mais de 20 escolas isoladas, o prédio da intendência de Rio do Texto (atual) município de Pomerode, a estação meteorológica e vários outros melhoramentos.
Como procurador da “Aliança da Bahia”, grande organização securitária e de capitalização. Ferreira da Silva permaneceu vários anos fora de Blumenau, residindo no rio de Janeiro e Curitiba, não tendo, entretanto, perdido contato com Blumenau, nem com a sua atividade intelectual.
Mesmo residindo em Curitiba, fundou o mensário “Blumenau em Cadernos” em 1957, que vinha dirigindo até a data de seu falecimento e que, dado o extraordinário desenvolvimento que atingiu e o prestigio que conquistou nos meios culturais do país e mesmo no exterior, constitui-se, hoje, no maior repositório histórico e regional de Santa Catarina.

Voltando a Blumenau, em 1962, Ferreira da Silva foi convidado pelo então prefeito Hercílio Deeke, para dirigir a Biblioteca pública “Dr. Fritz Müller”, que aquele blumenauense havia oficializado por lei.
A Biblioteca contava, então, cerca de 3.000 volumes.
Nesse meio tempo, a Câmara Municipal, reconhecendo os bons serviços prestados por Ferreira da Silva a Blumenau, concedeu-lhe o titulo de Cidadão Blumenauense.
Assumindo a direção da Biblioteca, prestigiado pelo prefeito que construiu o novo prédio, Ferreira da Silva imprimiu tal ritmo de desenvolvimento a esse Departamento Cultural que a Biblioteca Dr. Fritz Müller é hoje, com um acervo de cerca de 50 mil volumes (em 1974), a maior do Estado. Os prefeitos que sucederam a Hercílio Deeke na administração municipal também lhe deram todo apoio, incentivo que ele dotou a biblioteca de encadernação, tipografia. Seção Braille, discoteca e outros setores indispensáveis ao grau de desenvolvimento que a Biblioteca atingiu.

O governo da República Federal da Alemanha, reconhecendo os serviços prestados e o trabalho intelectual do professor Ferreira em prol do estreitamento, cada vez maior, das relações entre o nosso e aquele país, não só o convidou para uma visita a Alemanha, como conferiu-lhe, por decreto de 15 de abril de 1970, a comenda da “Ordem do Mérito”, no grau de Grande Oficial. As insígnias da ordem foram-lhe entregues, em grande solenidade, pelo Cônsul Geral da República Federal em Curitiba, Rolando Zimmermann.
Em 1970, Ferreira da Silva foi eleito para a Academia Catarinense de Letras, tomando posse da cadeira nº 4. Anteriormente já havia sido, também, eleito Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina.
A secretaria do governo do Estado, pelo seu Departamento de cultura lhe conferiu diploma de reconhecimento pelos serviços que presta com a publicação de “Blumenau em Cadernos”.

Ferreira da Silva foi, também, sócio honorário da Sociedade Dramático Musical Carlos Gomes, da Sociedade Recreativa e Desportiva dr. Blumenau, do circulo de Orquidófilos de Blumenau e de outras. É o decano dos radialistas de Santa Catarina, pois foi durante muito tempo, o primeiro locutor da PRC – 4, a pioneira da radiodifusão de Santa Catarina, pois foi durante muito tempo um dos mais antigos jornalistas do estado.
José Ferreira da Silva tem um total de 20 obras publicadas. ““O Padre Jacobs” foi sua primeira obra e a que se seguiu: “A colonização do vale do Itajaí”, “O Doutor Blumenau” (duas edições), “ Calendários Blumenauense”, “Fritz Müller”, “Blumenau, “Relatório do Prefeito”, “Anita Garibaldi”, “ O Catolicismo em Blumenau”, Colônias Para o Brasil”, “História de Blumenau”, História do Município da Penha”, “As terras do Itajaí Mirim e Vasconcelos Drummond”, “ Itajaí, a Fundação e o Fundador”, “Terra Catarinense”, “Cronografia do Dr. Blumenau”, “Blumenau - Pequeno Guia Turístico”, “A Bandeira do Brasil” e “Otaviano Ramos”.
Ferreira da Silva fez também duas traduções: “ Dança Macabras” e “Viagens Pelas Colônias Alemãs da Província de Santa Catarina”, tendo outras obras inéditas, tais como; Descendo o São Francisco”, “ A Imprensa em Blumenau”, “ Os Monumentos de Blumenau” e “ Chega de Enchentes”.

Acesse também:
http://adalbertoday.blogspot.com/2011/06/jose-ferreira-da-silva.html

Revista Blumenau em Cadernos – Tomo XV * Janeiro e Fevereiro de 1974 * nº 1 e 2
Arquivo: Sávio Abi-Zaid/Adalberto Day

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

- Revista do Sul

Em histórias de nosso cotidiano, apresentamos mais uma colaboração de Flavio Monteiro de Mattos, carioca de nascimento e "BLUMENAUENSE POR OPÇÃO", transcrevendo um texto da antiga Revista do  Sul sobre o cinquentenário do Hospital Santa Isabel em 04/10/1959.


Dados históricos.



Página 23 Capa da Revista do Sul Nº 131 – Ano XV

Nossa Capa" - Gentil senhorinha Lilian Schmidt, da sociedade blumenauense, filha do Casal Martha e Arnoldo Schmidt . A Srta. Lilian tem colaborado gentilmente como os desfiles da Casa Peiter, sendo um dos mais lindos modelos, destacando-se nestas ocasiões.
(Foto Universal)

50 anos de bons serviços prestados à coletividade
O HOSPITAL SANTA ISABEL FESTEJA O SEU CINQÜENTENÁRIO DE FUNDAÇÃO.
(reportagem de OSIAS GUIMARÃES)

A data de 4 de outubro é imensamente grata para o povo de Blumenau e de Santa Catarina. Assinala a passagem do cinqüentenário de fundação do Hospital Santa Isabel.
Desde 1905 estava em andamento um pequeno trabalho de enfermagem ambulante, dirigido pelas Irmãs da Divina Providência, que possuíam uma pequena casa de escola, hoje Ginásio Sagrada Família.

Mas, o Hospital em realidade, foi fundado no dia 4 de outubro de 1909, com instalação de modesta casa, com 2 leitos, que foi o início, ou melhor, o berço do atual e magnífico Hospital Santa Isabel.

Dr. Ernesto Sappelt foi o primeiro médico que trabalhou em benefício do povo blumenauense. Notável era sua capacidade de trabalho e espírito de abnegação, pois, tarefa difícil era dirigir, numa casa desprovida de todo o conforto necessário ao trabalho de enfermagem. Seu primeiro colaborador foi o inesquecível enfermeiro João Doebeli, que durante 44 anos, com dedicação infatigável, trabalhou pelo bem de todos que procuram recuperar a saúde no Hospital santa Isabel.
Aos poucos, notou-se a necessidade de ampliar a casa para poder dar aos doentes o conforto necessário. E assim, passados seis anos, deu-se início a uma construção, que foi terminada em outubro de 1916. Neste pequeno Hospital foi reservado um ligar para a primeira capelinha, sendo em outubro (conclui na página 26).
Página 26 (conclusão)
Mesmo ano com Missa cantada, oficializada pelo Revmo. Padre O.F.M., zeloso franciscano, que figura entre os primeiros benfeitores do Hospital. Entretanto, por falta de sacerdotes, não poderia ser celebrada diariamente a Santa Missa na Casa, contudo, podia ser conservado o santíssimo Sacramento na Capelinha e uma vez por semana poderia ser celebrada a Santa Missa.
Em 1920, o Dr. Sappelt foi substituído pelo Dr. Jungbluth, que trouxe consigo o primeiro aparelho de Raio X, que passou a funcionar no Hospital Santa Isabel, sob a mesma direção das Irmãs. Nesta mesma época, entrou, também, o especialista Dr. Hans Pape. Com mais este melhoramento, notou-se logo a necessidade e a utilidade de ampliar mais a Casa, dando-se início a uma grande construção em 1922. Como, porém, não se tratava de obra muito grande, pode ser concluída no mesmo ano.

Em 1925, com grande alegria, as Irmãs tiveram oportunidade de hospedar em sua Casa a Madre Geral.

Em 1926, o Dr. Jungbluth deixou o Hospital Santa Isabel, sendo seu sucessor o Dr. Prof. Capelle, que trabalhou no Hospital no período de cinco anos, sendo substituído pelo Dr. Alfredo Hoess. Em seguida, deu-se início a uma construção, que mais tarde recebeu o nome de Pavilhão Menino Deus, para cuja inauguração o Hospital se viu honrado com a presença de S. Excia. Revma. Don Pio de Freitas, em fevereiro de 1933.
Dr. Alfredo Hoess trabalhou como único médico, desde 1928 a 1940. Grande e humanitário médico.

Surgiu, então, como seu assistente, o Dr. Paulo Mayerle, que no período de 1940 a 1950 se ausentou por dois anos, para aperfeiçoar seus estudos no estrangeiro. Foi nesta época que trabalhou no Hospital o saudoso médico, Dr. Armínio Tavares.
HSI - 1959

Em 15 de janeiro de 1950 Dr. Gelásio de Souza Freitas passou a ser o assistente do Dr. Alfredo Hoess, até outubro de 1952, quando o Dr. Hoess, cansado de seu labor, deixou a direção do Hospital, passando-a para o atual Chefe Dr. Paulo Mayerle.

Desnecessário tecer comentários sobre a figura deste grande médico, que é o Dr. Paulo Mayerle. Todos o conhecem em Blumenau: Bom e humanitário, competente e estudioso, prestando seus serviços a todos que o procuram, sempre com a mesma dedicação, cumprindo seu dever ligado à profissão de médico.

E, 1951, foi necessário construir um prédio de cinco andares, em estilo moderno, cuja conclusão vimos em 1953. No andar térreo desta construção foi instalado o consultório do Especialista Dr. Wilson Gomes Santhiago, que vem dirigindo a Clínica de Olhos, Ouvidos Nariz e Garganta. Dr. Fernando Heusi, que possui seu consultório no centro da Cidade de Blumenau, também envia clientes ao Hospital Santa Isabel, sobretudo quando se trata de casos de cirurgia. Dr. Diogo Vergara dirige o Banco de Sangue no Hospital desde 1953.

O trabalho cada vez se tornava maior, sendo necessário conseguir-se mais um médico e o Dr. Carlos Nicolau Goffergé consentiu em instalar seu consultório dentro do Hospital. Dr. Érico Rocco Niemeyer trabalhou durante um ano, como assistente do Dr. Paulo Mayerle. Em novembro de 1956, juntou-se ao corpo médico o Dr. Eduardo Vitoldo Ferencz, que concluiu seu curso de especialidade em ortopedia, na Faculdade de Medicina de Porto Alegre.

Entretanto, o Hospital ainda contava em aumentar o número de médicos, convencido da necessidade dos mesmos. Este desejo realizou-se quando receberam seu diploma o Dr. Walmor Ervin Belz, natural de Blumenau e o Dr. Enio Cezar Vieira Pereira, natural de Itajaí. Foi, pois, em fins de 1957 que o Dr. Walmor começou a trabalhar e o Dr. Enio somente em princípios de 1958, por ter concluído, antes, seus estudos de especialidade em Radiologia e Pediatria.
Num resumo geral, temos atualmente 9 médicos, 34 Irmãs, 46 serventes.
No ano de 1958 foram matriculados 9.136 doentes, dentre os quais 1.352 pertenciam à Maternidade.
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Aí está, na frieza das linhas de uma composição, a bela história do Hospital Santa Isabel. Seria impossível descrever a bondade, o espírito de renúncia e sacrifício das Irmãs, que atendem doentes e necessitados.
E não encontramos palavras para descrever a figura humana da Irmã Alloysianes, dinâmica e extraordinária, sempre minorando o sofrimento alheio, esquecida de si própria, para servir a Deus, atual diretora e que desde agosto de 1920 se encontra no Hospital.

Um novo prédio está se erguendo, assim como uma bela Capela e o Hospital Santa Isabel ficará mais bem aparelhado para servir à sua nobre missão.
E já passou até o centenário dessa entidade, acesse:
Arquivo: Flavio Monteiro de Mattos e HSI/Adalberto Day

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

- Hotel Elite e Holetz

Em histórias de nosso cotidiano, fizemos um relato da escrita de folders de dois hotéis famosos no início dos anos 1900 em Blumenau. Enviado por José Geraldo Reis Pfau e Interpretação ou explicação da Senhora Ellen Ern esposa do dono da churrascaria Adolfo ERN - Ela Breitkopf de nascimento.
A função das empresas e de certos segmentos como hotelaria sofrem mudanças curiosas ao longo da história. A vida no hotel hoje está principalmente marcada pela característica de ser um padrão, ter determinados itens fundamentais e pouca ou quase nenhuma identidade com a comunidade. São confortáveis locais para dormir, ficam as outras funções como reuniões e demais necessidades para outros equipamentos existentes na cidade. No inicio do século passado Blumenau tinha bons e tradicionais hotéis, pois na região e no Estado de Santa Catarina a nossa cidade era referencia e principalmente pelo aspecto como centro comercial.
O Hotel Elite localizado na Rua XV próximo ao Teatro Carlos Gomes anunciava em suas publicações as suas “modernas instalações”. Como argumentos de venda, em anúncios publicados na língua alemã, prometia ser “o café mais moderno da cidade”, de ter “salão de festas (para bailes), uma “confeitaria própria” e uma “sorveteria própria”. Oferecia as “melhores bebidas nacionais e estrangeiras”, que sua edificação tinha “piso colonial”, oferecia “dupla cancha de bolão”, “salas íntimas”, “salas para reuniões”, “sala de conferencias” e ainda ser um “local especial para família ver a vista do Rio Itajaí”.
O que demonstra que o empreendimento além de atender viajantes servia como área de lazer e eventos para os blumenauenses. Mas o proprietário Walter Voss no rodapé do anuncio prometia “Hotel - hospedes – 28 elegantes quartos com água corrente e todo conforto”. Atendia pelo fone de nº 66.
Já no telefone nº 65 era o Hotel Holetz que atendia e se localizava na esquina da Rua XV com Alameda Rio Branco. O proprietário R. Siebert, que assinava o anuncio também em alemão, usava de argumento “quartos limpos e ventilados”, o que deveria ser uma obrigação era um diferencial, certamente pelas modestas condições dos demais. Tinha no Hotel auto garagem à disposição e o privilégio de estar “localizado no centro da cidade”. Oferecia “cozinha de primeira classe”, colocava a disposição “sala para mostruário a disposição dos senhores viajantes”. Nota-se também a preocupação com a comunidade local, além da importante sala de mostruários.
 O representante comercial e viajante monta seu showroom no hotel, com a exposição de amostras dos produtos e convidando tradicionais empresários, compradores, comerciantes e industriais para conhecer as novidades de suas representadas e efetuar pedidos. A precariedade das estradas, das empresas, as distancia eram facilitadas e o conforto proporcionado pelo verdadeiro show room montado no hotel para atender clientes. Se quisermos podemos colocar esta oportunidade como semelhante uma feira, ou um evento de lançamento que tradicionalmente acontece em grandes centros e também aqui em Blumenau.

Texto enviado por José Geraldo Reis Pfau- publicitário/ Interpretação ou explicação da Senhora Ellen Ern esposa do dono da churrascaria Adolfo ERN - Ela Breitkopf de nascimento.

Arquivo José Geraldo Reis Pfau/Adalberto Day

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

- Blumenau e sua Gente

BLUMENAU E SUA GENTE, UMA PAIXÃO ANTIGA.



Em histórias de nosso cotidiano, apresentamos Flavio Monteiro de Mattos, contando um pouco de suas lembranças quando vinha do Rio de Janeiro visitar Blumenau, com sua família.
Carioca de nascimento e BLUMENAUENSE POR OPÇÃO".

Minha ligação com Blumenau foi estabelecida muito antes do meu nascimento e teve como origem, indireta e incidentalmente, quando minha tia-avó Cybelle, seu marido José Ribeiro de Carvalho e os filhos José Luiz e Maria Lúcia se mudaram para Santa Catarina, lá pelo inicio dos anos trinta.

Contava-se que o Carvalhinho, como ficou conhecido em Blumenau, que já advogava no Rio resolveu prestar concurso e acabou aprovado para a promotoria da comarca de Mafra, também em Santa Catarina. Meses depois se mudou com a família e permaneceu naquela cidade por um bom tempo, sendo transferido posteriormente para Blumenau, onde a família fincou raízes.
Minha mãe, que era afilhada do casal, foi várias vezes visitar os parentes e dizia que Blumenau dessa época não era mais do que uma pequena e esquecida cidade do interior do estado de Santa Catarina onde predominavam imigrantes alemães e italianos, que tiravam seu sustento na agricultura e pecuária e posteriormente, na indústria manufatureira da tecelagem e porcelana.
E a cada vez que minha mãe lá retornava constatava que os tios e primos iam se tornando, gradativamente, catarinenses. Ao longo dessas estadas fez várias amizades, teve alguns namoros e dizem que, por muito pouco, eu não nasci por lá.
Contava minha mãe que quando terminou a II Guerra retornou ao Brasil uma irmã da tia que morava em Blumenau, que se alistara como enfermeira da FEB. Ao retornar essa tia audaz decidiu visitar a irmã que morava “em um fim de mundo chamado Blumenau”.
Embarcaram no Galeão e depois de quase três horas de voo desembarcaram em Itajaí para dali seguirem, no ônibus da empresa aérea, até Blumenau. Mal o ônibus partiu, a destemida tia percebeu que a língua falada no interior do veículo era o alemão, idioma que não lhe trazia as melhores lembranças. Lá pelas tantas os brios americanizados da tia visitante transbordaram e a impetuosa senhora, do alto do seu metro e meio, decretou o fim do uso do idioma de Goëthe naquele espaço. Concluiu informando que não mediria esforços para interceder junto ao promotor público de Blumenau, que por acaso era seu cunhado, no sentido de auxiliar o pronto retorno para a Alemanha dos saudosos pelo idioma. Afirmava minha mãe que por todo o resto do trajeto nenhuma palavra foi pronunciada, nem em alemão ou mesmo em português.
Anos depois, casava-se a filha da minha tia-avó quase blumenauense que providenciou uma prole de nove rebentos, ao longo dos anos. Era a esse time ao qual me incorporava, de tempos em tempos e que contribuíram pelas boas lembranças que tenho por Blumenau.
Minha primeira ida à cidade aconteceu em 1951 e é claro que não lembro. Mas há algumas fotos clicadas por meu pai que registram o acontecimento.
- Alameda Rio Branco em Blumenau 1962

Blumenau dos meus primeiros anos se restringia à casa da minha tia tia-avó. Situava-se na Alameda Rio Branco, na época, a mais aristocrática e charmosa rua da cidade.
A residência fazia esquina com uma pequena rua de terra e sem saída. Construída no centro do terreno, tinha dois andares e cercada por um baixo muro com pilares interligados por cercas de madeira, em toda sua extensão. O acesso principal se fazia através de um portãozinho de madeira que se abria para a calçada da Alameda Rio Branco. Chegava-se até a entrada social cruzando um caminho de cimento que separava o gramado em dois. Em cada lado haviam fícus plantados em intervalos e podados em formato de bolas bem rentes ao chão e sobre os quais pulávamos, em diversas brincadeiras. Na esquina do terreno haviam as plantas maiores e lembro-me em particular de uma árvore grande que sobressaia, uma palmeira, talvez.

No lado esquerdo do acesso, plantas escondiam o varal de secar roupas e como o local era gramado formavam um mini campo de futebol onde disputávamos animadas peladas.
Naquele lado da Alameda somente havia uma transversal que era continuação da Rua Coronel de Freitas Melro. Por uma razão que desconheço essa continuação da rua não era pavimentada como também não haviam calçadas, muito embora várias residências ali existiam.
Por essa rua de terra se tinha acesso à garagem da casa e nos fundos havia uma espécie de lavanderia. Lembro que era um ambiente escuro e meio sombrio e nos grandes tanques de cimento não era raro o Zé Luís, primo da minha mãe, enchê-los dos peixes que fisgava na suas pescarias.
A cada retorno à Blumenau eu ganhava mais liberdade e autonomia e com isso, mais percepção das coisas e da cidade. Lembro que havia uma vendinha na Alameda, que ficava quase em frente à casa da minha tia, onde comprávamos sorvetes coloridos e de formato cilíndrico. Havia ainda o capilé, um refresco de groselha que eu adorava.
Inesquecíveis também eram os carros de mola, que ficavam estacionados na esquina da Alameda Rio Brancos com a XV de Novembro. Eram elegantes charretes puxadas por cavalos. Da boléia o condutor manobrava os cavalos e os fregueses se sentavam confortavelmente, atrás do condutor, em duas fileiras de bancos forrados. Se fosse um dia de sol puxava-se um toldo, mas andar com ele arriado permitia a visão ampla da cidade, sua gente e casas.
Como minha autonomia era pequena, minhas explorações à cidade se restringiam aos passeios de bicicleta pelos quarteirões próximos.
- Maternidade Johannstift
Imagem - Comerciante e Cineasta Willy Sievert

Se saísse em direção ao centro, a primeira casa vizinha era do Margarida cujo pai era tabelião. Mais a frente situava-se o escritório (ou oficina) da Viação Catarinense, que tinha uma pequena rampa de acesso muito boa para executar manobras de bicicleta e claro, colecionar tombos. Na esquina da Alameda com a Sete de Setembro ficava o prédio da Maternidade e esse era o meu limite nessa direção.
Indo na direção oposta o quarteirão era imenso, pois não havia transversais com esse lado da Alameda, exceto o da tal rua de terra. É claro que preferia pedalar para este lado. O temor era passar sem ser visto pela frente da casa da temida Frau Scholl, que diziam ficar espiando as crianças choronas pelas frestas das janelas. Tendo sucesso, sucediam-se as casas de gente que não inspirava medo.
Logo depois começava o muro do G. E. Olímpico , com o largo e sempre aberto portão de acesso. Era impossível resistir o convite para descer a ladeira que nos levava à sede. Tinha que se ter cuidado ao descê-la porque o chão era de terra, com alguns buracos. Nessas peripécias, várias vezes perdi o controle da bicicleta e tomei vários e doloridos tombos.

Era uma vida simples, que em nada se compara aos dias de hoje.
Como todos em casa ficamos encantados com Blumenau e sua gente, a opção mais acessível para ir até Santa Catarina era por meios próprios, isto é, de carro e o escolhido foi um Citroen uma espécie de Fusca daquela época.
Como todo Citroen que se prezasse o nosso era preto e quatro portas, tão contemporâneas como nos anos atuais, porém obrigatórias. Mas o que mais impressionava era o interior pela ausência total do conforto que hoje desfrutamos! Na frente, bancos individuais que não permitiam regulagem na distância para os pedais ou altura. Se você se encaixasse no padrão, sorte sua. Na traseira, o banco era inteiriço. A forração era de um material que parecia plástico, dizia-se oleado, e de cor vermelha (ou encarnada). O painel era o mais simples possível com o volante preto, um único e no painel um único e imenso mostrador, No meio desse painel ficava a alavanca de mudanças, que acionava as três marchas para frente e a ré. O comando do limpador de para-brisa era acionado junto ao teto e somente o que ficava à frente do motorista era elétrico. O do copiloto era a vácuo e a sua velocidade estava condicionada à rotação do motor. Isso quer dizer que se você andasse devagar por causa de uma forte chuva, o que era recomendado, seu carona não ia enxergar absolutamente nada porque a velocidade do limpador de para-brisas daquele lado equivaleria ao “quase parado”. Um ponto positivo era para o para-brisa dianteiro que permitia articulá-lo, ou seja, através de um comando no painel podia-se abrir uma fresta para ventilação evitando, assim, que os vidros ficassem embaçados. Mas como nas quatro janelas das portas não haviam quebra-ventos, o ganho de ventilação ia, literalmente, por água abaixo. O resultado era vidros totalmente embaçados e água entrando pela fresta dianteira!
Sr. Anthero Frota de Mattos
Mas com tudo isso que o Citroen possuía, ou deixava de oferecer, era o que tínhamos e para mim, com meus parcos cinco ou seis anos, era realmente o possante que nos levava à Blumenau.
Essas viagens acontecidas há quase cinquenta anos podiam ser classificadas nos dias de hoje como autênticas provas de rally e como tal dividida em setores.
O setor 1 era o trecho que ia do Rio até São Paulo. Podia-se dizer que este era a fase mais tranquila, com a extensão totalmente asfaltada, porém com mão dupla. Comparado ao que vinha depois, essa parte da viagem era quase como um aquecimento.
O setor 2 começava em São Paulo e ia até Curitiba e aqui, o bicho pegava. Asfalto, pelo que me recordo era somente até Sorocaba e daí para frente, lama e barro se estivesse chovendo ou, sem chuva, poeira e as irritantes costelas, que eram sulcos feitos na terra pela água da chuva que escorria para as beiras da estrada.
No meio desse trecho ficava a cidade de Registro, ainda no estado de São Paulo e ponto do nosso primeiro pernoite, se tudo corresse bem. Daí para frente iniciava-se a subida da serra para Curitiba. E aí, subir uma baita serra na lama ou dentro da baita nuvem de poeira que os caminhões levantavam, só mesmo para quem gostava muito de Blumenau.
O setor 3 ia de Curitiba até Blumenau, também na terra e idem para as condições. Descia-se a serra até Joinville para subir novamente até a cidade de Jaraguá. Daí descia-se novamente para um nível pouco abaixo do mar (ou do rio Itajaí-açú) onde estava Blumenau.

Agora você está inserido no contexto, sente-se ao meu lado e vamos dar inicio a uma fantástica viagem que nos levará à Blumenau, estado de Santa Catarina!

Meu pai gostava de sair do Rio lá pelas quatro da manhã. Recordo-me que tinha a sensação de acabar de dormir e logo alguém me acordava para viajar.
Saíamos de Ipanema quase sempre de madrugada e as ruas do Rio neste horário eram rigorosamente desertas. Entretanto, não tínhamos qualquer preocupação caso acontecesse um furo de pneu na temida Avenida Brasil, por exemplo. Parava-se o carro e se trocava o pneu com total tranquilidade. Isso era o Rio de Janeiro, capital do estado da Guanabara.
Não contávamos com o túnel Rebouças ou Aterro do Flamengo e era quase obrigatório trafegar pela orla. Cruzávamos Ipanema, Copacabana que tinha somente uma pista de mão dupla, praia de Botafogo, do Flamengo, Praça Mauá, os armazéns do Cais do Porto, a tal Avenida Brasil e por fim a via Dutra, onde a viagem realmente começava.
Uma vez na via Dutra, bastava que rodássemos alguns quilômetros para deixar para trás o estado da Guanabara e logo estávamos na baixada fluminense que fazia parte do estado do Rio de Janeiro, cuja capital era Niterói.
Deste ponto em diante, os ônibus Morubixabas da Viação Cometa, GMC importados, hidramáticos e com ar condicionado passavam zunindo a inacreditáveis 100 km/h. Vinham para a “festa” também os caminhões FNM (Fenemês) com as três letras afixadas na grade dianteira da frente achatada, escritas de baixo para cima e os estradeiros eram logo reconhecidos, pois a parte da carga era geralmente coberta com o encerrado Locomotiva.
Nosso farnel era composto por duas garrafas térmicas e controlado por minha mãe.
Muito embora meu pai sempre fizesse uma revisão no carro antes de partirmos, era comum a parte elétrica do Citroen logo no início da subida da serra das Araras, que fica atualmente a uma hora do centro da cidade.
Na primeira oficina elétrica que encontrou aberta e o diagnóstico foi de trocar toda a fiação. Na próxima, na outra e na outra, o mesmo diagnóstico e como meu pai não estava disposto de correr riscos com mecânicos que não conhecia decidiu ignorar este “pequeno probleminha” e estabeleceu que somente viajaríamos de dia!
E atravessar a serra das Araras era duro mesmo naquele tempo. A subida e descida eram feitas no lado que hoje é utilizado somente para a descida, com todas aquelas curvas apertadas. E para que ninguém esqueça, seguíamos no escuro, na rabeira de um Fenemê, respirando toda aquela fumaça que era despejada na nossa frente, a quase estonteantes 5 quilômetros por hora! A primeira vez que se trafega sem iluminação é apavorante. Depois, mais acostumados com o fato a situação perde um pouco o suspense...

Muitas vezes íamos a “reboque” de algum caminhoneiro que percebendo o nosso problema com os faróis colaborava, sinalizando tudo que podia. Quando clareava o dia e o deixávamos para trás, agradecíamos a ajuda com vários toques de buzina, que eram também retribuídos, tudo na maior cordialidade e que vai desaparecendo neste insosso século XXI.
Dia claro pela frente chegávamos às vezes a estonteante velocidade de 80 quilômetros por hora, a velocidade máxima que meu pai admitia e assim mesmo no plano e em retas longas.
Com sorte, chegávamos perto de Resende lá pelas 9 da manhã, que era local da primeira parada e sempre no posto de venda da fabrica do Ovomaltine, à beira da estrada. Enquanto eu ia com minha mãe tomar o achocolatado, meu pai ainda tentava encontrar um bom e honesto mecânico que resolvesse o problema da parte elétrica. Sempre, minha mãe e eu tínhamos mais sucesso!
Horas depois chegávamos à capital paulista onde sempre nos perdíamos para dela sair. Depois de muito tentar São Paulo finalmente ficava para trás, entravamos no setor 2 onde havia aventura para todos os gostos.
Chegava-se à Sorocaba com alguma facilidade, pois a estrada era asfaltada. De Sorocaba em diante, as cidades iam se revezando com uma procissão e à medida que avançávamos, a estrada piorava. O que não dava para acreditar que uma estrada que mais parecia uma picada era a única via de ligação do sudeste com o sul, regiões consideradas como as mais importantes do país, coalhadas de indústrias, fábricas e forte agricultura.

Mas esse Brasil antigo ainda é muito parecido com Brasil atual. Muitos anos depois e com muito custo construíram a Regis Bittencourt, uma estrada que já nasceu perigosa. Portanto, nada a estranhar uma quantidade elevada de acidentes mortes em uma via que foi dimensionada para o tráfego dos velhos fenemês e que hoje é percorrida por veículos modernos, turbinados, etc. e tal.
Tínhamos ainda pela frente terra, poeira, barro que se alternavam em função das condições climáticas. Como viajamos quase sempre no verão, época das chuvas, o barro e a lama eram companhias quase constantes, porém o pequenino carro os encarava com total galhardia.
Muitas vezes íamos muito além do que se podia esperar pelas condições da estrada, mas em algum momento atolávamos. Nas primeiras atoladas meu pai descia do carro para pedir ajuda calçado em sapatos e quase sempre retornava com ditos nas mãos, as meias e a barra da calça, dobrada evidentemente e cobertas de lama. Com o passar do tempo, já descia descalço, mesmo...
Havia situações em que o lameiro não era tão alto e o que nos impedia atravessar era o barro alto se ajuntava entre as rodas dos caminhões. Chamava-se de talude e imobilizavam os veículos baixos que teimavam enfrentá-los. Muitas vezes eram tantos que não havia alternativa senão tentar trafegar por cima deles, porém tampouco dava certo. E de repente, lá estava você totalmente imobilizado como um caranguejo no brejo.
Quando começava a chover sobre a terra seca acontecia outro fenômeno. Formava-se uma camada de lama sobre a superfície da estrada que era extremamente escorregadia que fazia os pneus deslizar alucinadamente e sem qualquer tipo de tração.

Todos esses percalços faziam com que nossa média fosse de três ou quatro horas para percorrer trechos de apenas cinquenta quilômetros. E sempre no auge da chuvarada, o limpador de para-brisas dava pane. Somente restava em funcionamento do limpador a vácuo, que ficava à frente da minha mãe. Mas como eu já disse, a velocidade de funcionamento dependia da rotação do motor e nessas condições se andava muito devagar, quando se andava, o movimento do limpador beirava o imperceptível!
A chuva, a lama e a ausência de funcionamento do limpador de para-brisas já bastariam para criar um clima de aventura às nossas viagens, mas não eram somente estes os vilões. Trafegar à noite, sem faróis e sem sinalização não era brincadeira! Por isso, quando começa a escurecer e ainda estávamos na estrada dava frio na barriga.
Mas sempre que tínhamos algum problema os caminhoneiros paravam para ajudar. E dava dicas também. Um deles disse que quando acontecessem panes no limpador de para-brisas bastava esfregar folhas de amendoeira sobre o vidro para que a água da chuva escorresse. Não era uma grande melhora, mas era a que se podia ter. Daí para frente, folhas de amendoeira não podiam faltar nas nossas viagens.
E foi nesse setor 1 que tivemos uma experiência que será difícil de esquecer!
Não me recordo com exatidão em que ano aconteceu, mas certamente não foi nem na primeira e nem na ultima viagem com o Citroen. O certo é que estávamos no estado de São Paulo entre as cidades de Apiaí, Capão Bonito ou Ribeira, debaixo de um temporal daqueles e que já durava algumas boas horas e novamente sem a ajuda daquele instrumento indispensável: o limpador de para-brisas!

De repente, todos que estavam a nossa frente pararam e nós, também. Meu pai desceu para se informar e logo voltou. Uma ponte que teríamos que atravessar adiante fora arrancada pelas águas do rio, que transbordara. Teríamos que retornar alguns quilômetros e pegar uma estrada alternativa, torcer para que o rio não tivesse arrancado a outra ponte para depois retornar para a estrada principal. E assim, fizemos. Nós, e quase todo mundo que estava parado.

Depois de muito penar, chegamos a tal estrada que não passava de um atalho. Tinha a largura que abrigava justo, um caminhão. De quando em quando, a estrada sumia e trafegávamos pelo mato.
A cena era impagável: o limpador de para-brisas quebrado e meu pai, com o braço para fora, esfregando as folhas de amendoeira sobre o vidro.
Quando vinha algum caminhão no sentido contrário tinha que se fechar a janela para se proteger da lama que era jogada contra nós e cobria todo o carro! Não se esqueçam de que a única pessoa que até então enxergava alguma coisa à frente era minha mãe até que a lama levantada nos atingisse! Nessa hora se instalava um certo pânico a bordo porque andávamos alguns metros em total voo cego!
Retomando, para nossa sorte a tal ponte ainda estava lá. O problema é que depois da travessia havia uma forte lombada coberta por um lameirão que inibia qualquer tentativa dos mais ousados. Nova parada técnica e lá se vai o meu pai conversar com os caminhoneiros. Para nossa sorte (ou azar), sempre havia algum que acabava convencendo meu pai que o Citroen tinha como transpor mais essa parada. A “estratégia” era de atravessar a ponte o mais embalado que pudesse para que a “velocidade” ajudasse a subir o ladeirão. Vale dizer que a tal ponte era de madeira e estreita, com passagem de somente um carro, por vez. Para atravessá-la, você tinha que por as rodas apoiadas sobre as toras de madeiras que formavam a pista que, infelizmente, não estavam unidas ou alinhadas às outras. Portanto, o ajuste tinha que ser muito fino senão havia o risco de cair no rio!
Mas a sorte já tinha sido lançada! A travessia da ponte foi mais ou menos tranquila, porém o embalo que conseguimos para encarar o subidão não deve ter passado dos 10 quilômetros por hora! E nesta estonteante velocidade começamos a subir, com lama em todos os lados. E o valente Citroen vai subindo, subindo... e atola. Sem tração para continuar subindo, começamos a escorregar de ré, entortando para o lado que havia um barranco. Por pura sorte, caímos em um imenso buraco e o carro parou. Meu pai deu a ordem para que ninguém se mexesse, temendo que um movimento despregasse o carro da lama e nos levasse para o tal barranco. Mas como tudo parecia “firme”, meu pai abriu a porta, saltou. Havíamos naufragado mesmo, cercados de lama por todos os lados. Para sentir a situação, abri a porta traseira e via a roda daquele lado enterrada na lama, até a metade. Meu pai acenou para os que estavam na ponte e para os que estavam em cima da ladeira e a solidariedade mais uma vez foi demonstrada. Nem sei como, mas o pessoal conseguiu reunir cabos ou cordas que foram presas no Citroen e amarrados em um caminhão, em cima do ladeirão que nos puxou, morro acima.
E naquele dia, além das caminhonetes de tração nas quatro rodas, houve um valente Citroen, do estado da Guanabara, que foi o único a conseguir atravessar aquele mar de lama e seguir viagem!
Raríssimas foram as vezes que conseguimos chegar à Registro, que era o meio do caminho entre São Paulo e Curitiba, ao término do primeiro dia de viagem.
Pernoitávamos com alguma frequência em cidades como Capão Bonito ou Ribeira que, na época, eram apenas vilarejos. Dormíamos também em hotéis de beira de estrada que milagrosamente apareciam e era melhor pernoitar ali porque do que arriscar passar a noite em algum atoleiro. Lembro-me de dormir várias vezes sobre o vestido da minha mãe, porque as roupas de cama desses hotéis não eram “de confiança”, como meu pai dizia. Mas com ou sem roupa de cama, o fato é que batíamos na cama exaustos e dormíamos (pelo menos, eu) instantaneamente. Ao clarear o dia, já estávamos novamente na estrada.
Chegar à Registro era uma vitória e quase sempre almoçávamos por lá. Não sei se daí para frente a estrada melhorava mas o fato é que os maiores apertos aconteciam antes de Registro. Dali até Curitiba era mais ou menos tranquilo. O complicador era subir a serra tendo pela frente uma fila interminável de caminhões.
Mas o valente Citroen era valente mesmo e no fim do segundo dia, chegávamos à Curitiba onde a oferta de hotéis era muito melhor do que nas cidades que passávamos. Noite bem dormida e um bom café da manhã e todos com forças renovadas para o ultimo trecho da viagem, o setor 3, que ia de Curitiba à Blumenau.
Foto : Flavio Monteiro de Mattos, em 1956, no trecho da estrada entre Curitiba/Blumenau, em Jaguariaíva, e que no texto é citada como a "Capela onde fazia promessas para passar de ano".

Esta etapa era a mais tranquila de todas e lembro que a cruzar uma determinada ponte, antes ou depois de Jaguariaíva havia uma cachoeira e uma capela, onde quase sempre parávamos. O curioso é que sempre que passávamos por lá, minha mãe pedia para parar e como era um local agradável e fresco, meu pai abria uma das poucas concessões. Na verdade, minha mãe me carregava para rezar e que pedisse para passar de ano, ter boas notas e essas coisas. Eu rezava, de fato, mas empregava todo o fervor em pedir que um professor de matemática que dava aula no colégio onde estudava fosse chamado de volta para a Espanha ou se não desse, que ficasse mudo para o resto da vida. Hoje tenho certeza que o meu fervor nas orações não foi suficiente para sensibilizar o Criador, já que o tal padre não voltou para a Espanha...
Seguindo viagem, depois dessa ponte deixávamos o Paraná para trás, descíamos a serra para outra vez viajarmos ao nível do mar. O primeiro indício que estávamos no estado de Santa Catarina era o calçamento das ruas em paralelepípedos, que se iniciava quando entrávamos nos perímetros urbanos das cidades. O segundo, a grande quantidade de ciclistas, na maioria os operários indo ou vindo das indústrias onde trabalhavam.
Outra coisa que notava eram as casas de madeira nas áreas do que hoje chamamos de periferia eram levantadas do solo por bases de tijolos e não entendiam como ficavam equilibradas.
E assim iam desfilando as cidades pela janela do Citroen. Quase sem perceber chegávamos à Joinville, a cidade dos Príncipes, muito bonita e bem tratada, mas cá entre nós, não chegava aos pés de Blumenau!
Alguns quilômetros depois, subíamos novamente para Jaraguá pela serra que se apresentava com curvas fechadas e, claro, muitos caminhões. Não me lembro se já havia ligação pelo litoral, mas tenho quase certeza que o acesso atual somente foi aberto anos mais tarde. Lá pelas quatro ou cinco da tarde do terceiro dia de viagem, dependendo de como estava a situação na serra, cruzávamos o rio Itajaí por sobre uma ponte de ferro, em arcos. Logo depois, Blumenau surgia à nossa frente.
Foto : Ano 1949, na residência dos tios José Ribeiro de Carvalho/Cybelle, na Alameda Rio Branco. Senhora Celeste com os sobrinhos Carmem Lúcia e Otávio.

A cada chegada havia um novo primo ou prima recém-nascida. Ainda quando toda essa turma, ou parte dela, cabia na casa da Alameda Rio Branco as brincadeiras eram infindáveis.
O futebol ocupava grande parte do tempo. Havia também os passeios de bicicleta que já mencionei e outras brincadeiras, um pouco mais “elaboradas”. Dessas, a mais perigosa foi sem dúvida quando junto com os primos maiores resolvemos dar um fim nas casas de marimbondos que infestavam o beiral do telhado e que por vezes, interrompiam nossas brincadeiras. O plano era de queimarmos todas as “residências” que ali haviam e para isso os instrumentos utilizados foram uma vara de bambu bem longa tendo na ponta um pano embebido em álcool que, em momento certo, seria ateado ao fogo. Feitos os preparativos, o escolhido para a missão de fritura dos marimbondos foi, é claro, eu! Lembro que nem deu tempo para correr, pois logo fui picado por um marimbondo vermelho. Até então não sabia que era alérgico ao veneno, mas logo descobriram porque passei a ter dificuldades de respirar. Fui levado às pressas para o Pronto Socorro e atendido pelo Dr. Abelardo Vianna. Ele disse à minha mãe que se tivesse sido picado por mais outro marimbondo teria certamente morrido...
Rua XV de Novembro Blumenau
Imagem - Comerciante e Cineasta Willy Sievert

Mas as melhores brincadeiras dessa época aconteciam na tal rua de terra e sem saída onde ficava a casa da minha tia-avó. Juntava uma “piazada” que morava na rua e nas redondezas e formávamos uma tropa para ninguém botar defeito.
Houve a fase das pescarias e meu pai desaparecia com o Zé Luís, por semanas inteiras. Depois, veio a fase dos passarinhos e sempre haviam gaiolas dentro do carro. Minha função era de abastecê-las com água e quando parávamos, meu pai as tirava para fora do carro para que os passarinhos renovassem forças para as próximas etapas da viagem.
Foto : 1958, Senhora Maria Celeste e Flávio no sítio do folclórico "seu Bitú", nos arredores de Blumenau.

Não sei se os canários que iam eram os mesmos que voltavam, pois o seu Bitú, um personagem meio folclórico que surgiu nessa época em Blumenau e por causa dele, passei a ser obrigado a dividir o meu espaço no banco traseiro do Citroen com gaiolas de passarinhos.
Seu Bitú era de estatura mediana, andava sempre vestido de jardineira e um chapéu enfiado na cabeça. Morava nos arredores de Blumenau em uma casa que ficava sobre uma colina de onde se tinha uma bela visão do rio Itajaí-Açú. Toda vez que chegávamos à Blumenau vindo pela serra de Jaraguá, passávamos pela sua casa. Além de um grande viveiro para os passarinhos, havia horta, pomar e outras coisas do gênero. Lembro que ele tinha um carro azul e parecia estar enguiçado há muito tempo, porém toda vez que foi solicitado a funcionar, funcionou sem maiores problemas.

Uma ocasião, meu pai e o seu Bitú resolveram pescar no rio em frente casa e eu os acompanhei. Utilizavam uma pequena canoa a remo e tive muito medo porque a água ficava muito próxima. O seu Bitú, percebendo meu desconforto fez um terrorismo dizendo que não pusesse a mão na água por causa dos jacarés que haviam e eu, com mais medo ainda, não ousei por um dedo na água.
Lembro-me de muita coisa, é verdade, mas não lembro terem pescado peixe algum daquela vez.

O ciclo de viagens com o valente Citroen encerrou-se no início dos anos 60 e o fato que decidiu seu destino foi um acidente que sofremos, ao retornar para o Rio numa dessas viagens.
Seguíamos no trecho entre Curitiba e São Paulo, o tal mais difícil e perigoso.
Lembro que havíamos dormido em uma pequena cidade do interior de São Paulo e levantamos bem cedo, para seguir viagem. Estava meio noite e meio dia, na hora que se costumava chamar de lusco-fusco. Ainda com sono, encolhi-me no pequeno espaço que me sobrava no banco traseiro junto com as gaiolas de passarinhos e até hoje não sei direito o que aconteceu. O que posso garantir é que não estávamos correndo porque velocidade nunca foi o forte do meu pai. Disse ele que veio sobre nosso carro outro, em sentido contrário e não para evitar a batida teve que manobrar bruscamente. Com isso nosso carro derrapou sobre o chão de terra, subiu desgovernado em um barranco que ficava à margem da estrada e lá tombou sobre o lado do motorista.
Eu que estava no banco traseiro, voei por cima do banco dianteiro e encaixei aonde ficavam os pedais do Citroen. Minha mãe caiu por cima do meu pai e logo que entendeu a situação tentou encontrar apoio para abrir a porta, mas não conseguiu. Logo, os caminhões começaram a parar e seus motoristas subiram na lateral do Citroen e nos tiraram do interior do carro. Meu pai foi o que deu mais trabalho, pois prendera o pé em alguma coisa.
Com todos do lado de fora, os que pararam ainda ajudaram a desvirar o carro, que pouco amassara. Constatou-se que uma barra da direção havia rompido e segui com minha mãe de carona em um caminhão até a cidade de onde havíamos saído para providenciar um reboque. Durante todo o dia, meu pai procurou a tal peça na cidade, mas não houve como encontrar uma substituta. O jeito foi deixar o carro lá e seguir viagem de ônibus.
Dia depois, já no Rio meu pai comprou a tal peça e retornou com minha mãe à cidadezinha para o conserto do carro. Só que aconteceu outro problema. Quando retiraram a peça danificada o parafuso que a segurava também se estragou e não havia outro para substituí-lo. A solução encontrada foi fixá-la com um fio de aço e trafegar com muito cuidado. Minha mãe conta que foi uma viagem terrível, pois a cada curva para o tal lado não se podia virar todo o volante, pois havia o risco do fio romper e o carro ficar sem direção. Quando chegaram, meu pai comentou que em várias curvas teve a certeza que iam entrar embaixo dos caminhões que trafegavam no sentido contrário, mas o fio aguentou e o Citroen enfrentou mais essa, que foi o seu “canto do cisne”.

Depois que o valente Citroen passou para outras mãos, chegaram lá por casa outros carros. Primeiro um imenso Buick, que meses depois fez algumas viagens à Blumenau sem que nada excepcional acontecesse. Anos depois o Buick foi substituído por um Chevrolet, que proporciou uma passagem curiosa.
O ano era 62 ou 63 e grande parte do trajeto já estava asfaltada. Havíamos deixado Curitiba para trás, descemos a serra e quando alcançamos Joinville havia a opção de seguir pela serra de Jaraguá, que estava em condições normais de uso ou utilizar a nova, que estava quase pronta e nos levaria direto à Itajaí com a vantagem de ter um trajeto mais curto do que o da serra. Meu pai nem pestanejou e seguimos pela segunda alternativa. Entretanto, as condições de tráfego dessa escolha estratégica eram tão ruins que quando chegamos ao entroncamento que liga Itajaí à Blumenau, passava da meia noite. Meu pai, exausto, estacionou e disse que dali para frente não tinha mais condições de dirigir e alguém que não ele, poderia assumir o posto de pilotagem. E foi para o banco traseiro, dormir. Minha mãe, que tinha pavor de dirigir muito embora houvesse feito uma tímida tentativa de aprender, assumiu o volante. Mas guiar não era mesmo o seu forte. Arrastamo-nos por vários quilômetros atrás de caminhões porque o medo dela era tanto que não conseguia acelerar o carro para ultrapassá-los e lá pelas tantas, meu pai acordou e percebeu que estávamos quase no mesmo lugar em que paramos.

Ele sugeriu que me deixasse dirigir e minha mãe acabou por concordar. Sentei-me no colo dela e cuidava do volante e marchas, enquanto minha mãe se responsabilizava pelo freio e acelerador. E assim fomos, em dupla, até que depois de um bom tempo, surgiu à nossa frente Blumenau, com o prédio do Grande Hotel sobressaindo entre os telhados e árvores, a pequena ponte da XV e o Itajaí, fluindo placidamente, margeando os prédios baixos da cidade.
Fomos direto para o Grande Hotel. A cor do carro deixara de ser creme e se tornara um bonito marrom estrada. Meu pai saltou e demorou muito para retornar e quando o fez disse que o recepcionista recusou a hospedagem por achar que éramos caminhoneiros. Recomendou que o hotel mais apropriado fosse o Rex, pois achava que nem o Glória nos aceitaria. O recepcionista somente liberou nossa estada quando meu pai mostrou sua carteira de identidade do Ministério da Fazenda.

As surpresas nas estradas eram quase nulas, mas as mudanças aconteciam mesmo era em Blumenau. A família dos primos já havia crescido o suficiente para não caberem mais no andar superior da casa da Alameda e se mudaram para uma casa na rua Frederico Guilherme Busch. Se não estiver errado, era uma casa azul de três andares. Na frente tinha uma espécie de piscina, onde tomávamos banho em quase todos os dias de sol. Numa das esquinas dessa rua havia um campinho de futebol onde batíamos intermináveis peladas.

Às vezes acompanhava minha mãe pela XV e eram inevitáveis as paradas na Casa Flamingo, onde éramos atendidos pelo próprio Augustinho Schramm, que tinha sempre uma estória para contar.
Obrigatórias também eram as visitas à Moellmann e a Hering. Lembro-me de uma casa na XV que parecia um castelo, com direito, a brasão e bandeiras alemãs entrecruzadas junto ao telhado. Fazia questão de dar uma parada no Kiekebusch, que ficava na esquina da XV com a Alameda. Os carros de molas foram substituídos na minha preferência pela “banana split” que era servida no restaurante do Grande Hotel.
Já não se via tantas “carroças” circulando pela cidade como antes, como também ficava difícil ver trafegar os pequenos caminhões com caçambas eram de madeira. Desapareciam as lambretas de três rodas, que tinham cabines fechadas e limpadores de para-brisas. Algumas lojas ainda permaneciam intactas, mas a modernidade se fazia presente com chegada da Prosdócimo.
Pelas ruas, a língua mais falada já não era o alemão.

Flavio Monteiro de Mattos
Rio de Janeiro, 22/12/11.
Arquivo: Anthero Frota de Mattos , Maria Celeste Monteiro de Mattos, Flavio Monteiro de Mattos e Adalberto Day

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