quarta-feira, 26 de setembro de 2012
- A Dama do Véu Branco
A DAMA DO VÉU BRANCO
(Dictyophora Phalloidea Desvaux) Renate Rohkohl
DIETRICH
Quando
ainda bem criança, ele já sentia imenso prazer em participar das conversas
sobre caçadas, em casa de seu avô
Sametzki, onde se reuniam amigos que gostavam do esporte venatório. Os
caçadores gostam de trocar impressões sobre as suas aventuras, aumentando-as às
vezes exageradamente, cercando-as de incríveis fantasias. É o que se chama
“latim dos caçadores”. E essas conversas eram-lhe mais deslumbrantes que as
fábricas mais fantásticas.
Foi
numa dessas reuniões que ele ouviu falar, pela primeira vez, na “Dama do véu”,
a misteriosa “dama do véu branco”.
A “Dama do véu branco”
(DICTYOPHORA PHALLOIDEA DESVAUX) é uma das mais curiosas variedades de
cogumelos, comum no solo úmido das florestas blumenauenses. Embora de
observação bastante difícil, de vez que seu desabrochar se verifica ao
anoitecer, completando o seu desenvolvimento durante a noite, não aparecendo,
pela manhã, nada mais dele, senão uma pequena porção de restos gosmentos.
Estudando-o, minuciosamente, o micólogo Alfredo Moeller durante 3 anos de
permanência em Blumenau conseguiu, também, descobrir e descrever diversas
espécies novas desses interessantes representantes da flora do Vale de Itajaí.
Quando
um caçador se demorava no mato e o lusco-fusco já escurecia a vastidão das
selvas, ele seria, subitamente, atraído por um raro perfume que se desprendia
de uma espécie de pequenina rede, em forma de véu, branco de neve, que se
escapava de um chapeuzinho esverdeado. O seu aparecimento seria tão estranho e
tão maravilhoso, que o caçador, embora ansioso por deixar a mata, para que a
completa escuridão o não apanhasse ali, não podia desprender-se do encanto de
visão tão extraordinária. E quem tivesse a sorte de ter essa visão, seria para
sempre feliz.
O
menino insistia com o avô para que este também o levasse ao mato, nas suas
caçadas, pois não podia dominar a ansiedade de ver e de sentir as perfumadas
auras que se desprendiam da “Dama do véu branco”. Na sua imaginação infantil,
ele identificava a dama do véu com a “Dama Branca”, o fantasma do castelo dos
Hohenzollern e com a boa Fala da Floresta, que satisfazia os desejos de todos.
E,
com os olhos chispando felicidade, ele confidenciava à sua mãe:
“O vovô me prometeu que, quando
eu for maiorzinho, ele me dará uma espingarda e nós iremos juntos ao mato. E, então, eu hei de
ver a “Dama do véu branco” e ela me trará felicidade”...
A
mãe, certamente, teria pensado que seu filho Erich precisaria mesmo que muita
sorte na vida, pois ele era um menino bem inteligente, é verdade, mas também
muito acanhado e taciturno.
Erich
Gaertner era o filho mais velho do casal Victor e Roese Gaertner, e,
consequentemente, sobrinho-neto do Dr. Blumenau, fundador da cidade (foto).
Com
a idade, mais se acentuou o seu acanhamento, de tal sorte que preferia aos
passeios pelas, então ainda bucólicas, ruas de Blumenau, as incursões, de
canoa, pelos rios próximos, pelas suas margens onde mais espêssa se mostrava a
floresta. Pescava e caçava, trazendo para sua mãe, que nesse entretempo enviuvara
o que conseguia apanhar, ajudando, assim, o sustento da casa.
Como
tivesse herdado de seus pais o grande amor pela natureza e muito, sobre ela, tivesse aprendido com o Dr. Blumenau,
não lhe foi nenhuma decepção constatar que o amor dos seus verdes anos não era
nenhuma fada maravilhosa de véu branco senão a inflorescência de uma espécie,
muito rara e notável de um cogumelo com extraordinário perfume. Ele já tivera
oportunidade de encontrar e admirar muitos deles. Trar-lhe-iam, porém, a
felicidade?
No
ano de 1890, veio a Blumenau o naturalista, Professor Alfredo Moeller, já
conhecido no mundo científico pelos seus estudos e obras sobre o reino vegetal.
Ultimamente, especializara-se nas observações e estudo dos cogumelos, ou da
micologia, e desejava fazer aqui investigações a respeito desse tão
interessante ramo da botânica. Facilitou a sua vinda a Blumenau o fato de ser
ele sobrinho do Dr. Fritz Müller, o sábio que aqui já vivia desde 1852 e que,
como grande naturalista que era, poderia, inclusive, orientá-lo nos seus
trabalhos e observações dos cogumelos tropicais.
Segundo
as próprias afirmações do Dr. Moeller, o clima de Blumenau é dos mais
favoráveis à germinação e ao desenvolvimento dos cogumelos: “Eu encontrei, no
distrito da Colônia Blumenau, nada menos de dez diferentes formas de Faloideos
e, possivelmente, não existe outra região do mundo, com igual área, que possa
contar com igual número de espécies da citada família”.
E
como o Dr. Moeller precisasse de um auxiliar e um guia, nas suas buscas e
observações, não poderia ter encontrado melhor do que na pessoa de Erich
Gaertner que conhecia, como ninguém, as florestas que cercavam Blumenau.
Orientado por seu pai e pelo Dr. Blumenau, Erich possuía bons conhecimentos de
botânica e tinha singular paixão pelas ciências naturais.
O
Dr. Moeller reconheceu a valiosa cooperação desse dedicado auxiliar, citando-o,
muitas vezes em seus livros, como, por exemplo: “O Sr. Erich Gaertner, meu fiel
ajudante nos trabalhos, percorreu, semana após semana, os arredores de
Blumenau, dispensando especial atenção à descoberta da faloideos. A ele eu devo
agradecer uma grande parte do material recolhido”.
Que
eram faloides? “A família da sua “Dama do véu branco”, que tem o nome
cientifico de Dictyophora phalloidea Desvaux. Esse cogumelo já fôra, por
diversas, descrito por botânicos, pois, segundo escrevia o próprio Dr. Moeller,
“nenhum outro cogumelo atraiu tanto a atenção dos botânicos que visitaram os
trópicos, como esse”. Não havia, porem, boas reproduções do mesmo e coube ao
Dr. Moeller fotografá-lo, pela primeira vez, em todo o seu esplendor.
Sobre
o raizame, nos solos cobertos de folhas apodrecidas, aparece, primeiramente, uma
espécie de botão, que os botânicos, prosaicamente, apelidaram de “ovo”. O desenvolvimento da “Dama”, a partir do “ovo”
até o final do ciclo vegetativo, verifica-se em apenas duas horas, conforme
maravilhosa descrição que o Dr. Moeller faz no seu livro, “Cogumelos”. Vamos
abreviar essa descrição:
“Às 14 horas, rompeu-se a
membrana do “ovo”, aparecendo o topo do “chapéu”. O “ovo” maduro tem 2 a 2,5 cm
de diâmetro e é redondo.
Aparece,
principalmente, ao empuxo inicial, uma ligeira saliência que é a parte superior
do “chapéu” que, sempre com maior ligeireza, rompe a membrana que envolve o
ovo, aparecendo logo à gleba esverdeada. Com o crescimento rápido, de, mais ou
menos, 1 mm. Por minuto, o caule continua a surgir e, às 3h20 ele já é visível
entre a aba do “chapéu” e a da volva de que se desprendeu. Sob o “chapéu”, se
se olhar de baixo para cima, já se nota, ainda completamente enrolado, o
rendilhado do véu.
Às
16 horas e 15 minutos o cogumelo mede 99 mm. Dessa altura em diante, o
crescimento passou para 1,5 mm. Por minuto, podendo-se observá-lo
perfeitamente. Mas, o que é ainda mais maravilhoso é que não apenas se pode
vê-lo, mas, também, ouví-lo crescer. Do momento em que o crescimento começa a
aumentar de velocidade em diante, se o silêncio circundante for completo,
pode-se ouvir, perfeitamente, esse crescimento, na forma de um ruído
característico, como o da espuma se desfazendo.
Repentinamente,
às 16.20 minutos, quando alcança uma altura de 104 mm. Começa a fazer-se sentir
i perfume do cogumelo.
Às
16 horas e 37 minutos começa o véu a soltar-se e a descer em quedas
intervaladas. Toda vez que, sob o “chapéu”, se abre uma ou mais das malhas todo
o conjunto sofre um pequeno abalo que sacode todo o véu. Dos 8 minutos depois
das 17 horas, o véu não para um só instante em desdobrar-se. As “vigas” que o
sustentam, são, a princípio, rígidas. Á proporção que as malhas do véu vão se
abrindo, este aumenta de volume e vai tomando a forma arredondada, em torno do
caule, descendo de sob o “chapéu” esverdeado. Ás dezessete horas e 37 minutos,
a altura total era de 174 mm.
Pode-se
bem imaginar que é a mais maravilhosa e impressionante das observações
relacionadas com os cogumelos o desenvolvimento de uma detiófora.
O
ponto culminante do maravilhoso espetáculo verifica-se quando a alvíssima rede,
semiaberta, sofre uma espécie de soco e desprende-se totalmente, imprimindo a
todo o conjunto um tremor que dura segundos.
Naturalmente,
procurei observar o maravilhoso e altamente curioso desabrochar tantas vezes
quantas fosse possível. Consegui-o duas vezes em janeiro de 1890, seis vezes em
1892 e duas vezes em 1893, podendo fazer preciosa e exatas observações no
acompanhar o estranho desenvolvimento da curiosa planta. De um modo geral
pode-se dizer que as “dictióforas” completam a sua fecundação com o escurecer,
pois, realmente, dão a impressão de serem flores noturnas. “Tão logo os raios
do sol da manhã refletem sobre a planta já meio murcha, esta se abate e dela
pouco depois nada mais resta que um montículo de ruínas pegajosas”.
Mais
adiante o Dr. Moeller escreve no seu livro “Cogumelos Brasileiros”:
“A
14 de março de 1892, o Sr. Erich Gaertner encontrou, na chamada Ponta Aguda, no
mato, dois cogumelos um tanto murchos e meio dilacerados e, ao lado, um “ovo”
de “ dictiófora”, em começo de desenvolvimento, não pertencente, na minha
opinião, à espécie citada. O “chapéu” era de cor alaranjada, sobre um largo
colar de colorido rosa” O Dr. Moeller denominou essa espécie desconhecida de
“Dictyophora, nov.spec.”
Além
dessa, ele encontrou, aqui, várias outras espécies desconhecidas de cogumelos
que batizou e descreveu pela primeira vez. Entre elas, algumas que, de perto,
nos interessam porque receberam denominações relacionadas com Blumenau e Santa
Catarina, como:
“Blumenavia Rhacodes”;
“Hypogrolla Gaertneriana”; “Itajahya nov. gen.”; “Celus Garciae”; “Peziza
catharinensia” etc.
No
seu livro “Phycomyceten und Ascomyceten”, o Dr. Moeller escreve mais: “Possuo ainda
muitos outros dados que o Sr. Gaertner registrava com exatidão, quase que
diariamente, desde 11 de fevereiro a 19 de abril. Valia a pena basear-se nas
observações relacionadas com o desprendimento dos esporos da “Daldinia” nas
anotações meteorológicas do Sr. Gaertner”.
Como resultado dos três anos de
permanência do Dr. Moeller em Blumenau, ele deu á publicidade três
grandes trabalhos científicos: Editado em 1893: “Die Pilzgaerten einiger
suedamerikanischer Ameisen”; em 1895: “Brasilianische Pilzblumen”; em 1901:
“Phycomyceten und Ascomyceten”. Todos os três livros se encontram no “Museu da
Familia Colonial”, anexo à Biblioteca Pública de Blumenau. Todos eles são
ricamente ilustrados com desenhos e fotografias.
O
livro: “Brasilianischen Pilzblumen” tem a seguinte dedicatória manuscrita do
Dr. Moeller: “Ao seu querido e ilustre tio Fritz Müller, como cordial prova de
agradecimento do autor. Berlim 4/11/95”. Por sua vez o exemplar do livro “Die
Pilzgaerten einiger suedamerikanischer Ámeisen” porta a seguinte dedicatória do
próprio punho do Dr. Moeller: “Ao seu querido cooperador nos trabalhos
micológicos e nas excursões, Sr. Erich Gaertner, ao despedir-me de Blumenau,
com a cordial gratidão do autor. 2 de junho de 1893”. Além disso, o Sr. Erich
Gaertner recebeu uma maravilhosa fotografia colorida da sua “Dama do véu
branco”, com a seguinte dedicatória: “Ao seu querido cooperador e amigo sr.
Erich Gaertner, como lembrança. Berlim 1895, A. Moeller”.
Essa
fotografia, num quadro, esteve no quarto de Erich Gaertner até a sua morte e
onde eu, pela primeira vez o vi e por mais de uma vez ouvi a sua historia dos
próprios lábios de Erich.*)
Pela
cooperação que dera ao sábio, pela valia que este emprestava, seguidamente, a
essa ajuda, Erich Gaertner adquiriu confiança em si mesmo e no seu trabalho.
Prontificou-se a ajudar sua mãe na direção da Companhia Fuvial e, mais tarde,
substituiu-a na direção dessa mesma Companhia. Tempos depois, foi nomeado
Fiscal de Rendas Federais, cargo em que permaneceu até a sua aposentadoria.
Tornou-se
um dos mais respeitados e estimados membros da Comunidade Blumenauense,
conquistando inúmeros amigos.
Recordo-me
ainda das muitas churrascadas que o mesmo oferecia nos fundos do seu parque,
sob o grande bambuzal, da qual participavam, entre outros muitos amigos, os dois farmacêuticos Reinoldo Anton
e Georg Boehm, Augusto Zittlow, Otto Rohkohl e Hermann Rohkohl, o seu irmão
Arnoldo Gaertner, sua irmã Edithe e a senhora Edithe Rohkohl. Também eu e a
minha irmã, as duas crianças da vizinhança, éramos sempre bem-vindas.
Nós
éramos sempre carinhosamente recebidas por ele, que nos reservava uma porção
especial de “Kuchen”, bombons e gasosa, o que nós não deixávamos de apreciar
muito. Ele era um homem bom, muito liberal e humanitário, sempre pronto em
ajudar os outros, embora um pouco esquisito e hipocondríaco. Erich Gaertner
conservou-se solteiro. Durante os vinte anos em que sua irmã Edithe se manteve
na Europa, como celebrada artista de teatro, dirigia a casa uma governanta
idosa, a “Velha Gusta”. Possivelmente, ele nunca tivera oportunidade de se
encontrar com uma moça que tivesse o garbo, a beleza e a semelhança da “Dama do
véu branco”, a maravilhosa “dama” dos seus sonhos de rapaz.
Teria
a “dama” lhe trazido felicidade? Eu diria que sim. Pois a amizade com um sábio
de grande renome, a cooperação em trabalhos de alto valor científico, o
reconhecimento por esses trabalhos e a confiança que, em vista deles,
conquistou em si mesmo, não será, por si só, uma felicidade?
Erich
Gaertner morreu de um derrame cerebral em abril de 1931, estimado e respeitado
por todos.
*) O quadro com a litografia da “dama do véu branco” é
conservada, juntamente com as obras citadas neste artigo, no “Museu da Família
Colonial”. (N.da R.)
Revista Blumenau em Cadernos – Janeiro de 1959 nº 1
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Que bela história companheiro.
ResponderExcluirBom fim de semana.
Antunes Severo
Bom dia Adalberto
ResponderExcluirque beleza de relato, contado com rara sensibilidade.
quem tem este senso de admiração e cuidado pela Natureza por mais minúsculo que seja a sua manifestação, pode dizer sim que viveu!
Parabéns à autora por compartilhar esta história.
Abraço
O nosso amiigo Adalberto Day nos presenteia com uma bela história dos nossos antepassados., contada pela Sra. Renate Dietrich. Os Dietrich são bastante numerosos em Blumenau.
ResponderExcluirPrezado Beto, como o solo e outras condições das florestas de Blumenau serem propicias a certos cogumelos, você tem notícia de TRUFAS, que são uma das espécies dos cogumelos, aí na região? Trufas se encontam escondidas debaixo de uma pequena camada de solo, e são o máximo em gastronomia requintada. Abraços. Cao
ResponderExcluirBom dia, Sr. Adalberto Day!
ResponderExcluirMeu nome é Larissa Trierveiler Pereira e sou professora na Universidade Federal de São Carlos. Eu atuo na área de pesquisa com fungos.
Atualmente estou escrevendo um texto sobre mitos e conhecimentos das espécies fúngicas brasileiras.
Achei bastante interessante um texto de sua autoria publicado no seguinte blog:
https://adalbertoday.blogspot.com/2012/09/dama-do-veu-branco.html
Gostaria de saber se posso incluir essas informações no meu texto (citando a fonte de referência, é claro), já que muitas histórias e lendas sobre fungos são ligadas à má sorte. Dessa forma, achei muito interessante que o seu texto fala sobre uma espécie de fungo que traria a boa sorte.
Li no texto que essas conversas sobre a dama-do-véu-branco já eram ouvidas na casa de seu avô. É possível estimar a "idade" dessa lenda? Há quanto tempo ela existe? Há pelo menos uns 70 anos?
Agradeço imensamente a ajuda.
Atenciosamente,
Larissa
P.S. Aproveito para também compartilhar uma informação, não sei se é de seu conhecimento. - outra espécie de fungo faloide descrita por Möller, Colus garciae (atualmente classificada em Pseudocolus garciae) foi descrita com esse nome em homenagem ao bairro Garcia em Blumenau. Recentemente, a espécie foi redescoberta no sul do Brasil.
Dra. Larissa Trierveiler Pereira
Centro de Ciências da Natureza, Campus Lagoa do Sino
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) - Buri, SP
Curriculum vitae: http://lattes.cnpq.br/9814339348129868