terça-feira, 28 de maio de 2013
- Nossa Casa em Blumenau
Nossa Casa em Blumenau por:
Cristina Blumenau
Casa de Dr. Blumenau, destruída na enchente de 1880
Pequena e bem modesta era a casa para onde nosso pai trouxe
mamãe, em novembro de 1869. Muitos aborrecimentos custaram-lhe o não poder
oferecer-lhe uma casa mais bonita. Mamãe estava acostumada a muitas comodidades
na grande residência de seu pai, em Hamburgo.
Mais de quatro anos papai esteve ausente de Blumenau, pelo
que muita coisa ficou ao abandono em sua casa e foram necessários muitos
esforços a principio, para torna-la novamente habitável.
Papai sempre alimentou a ideia de fazer uma nova e bonita
casa no alto do Morro do Aipim, que lhe pertencia. Ainda há plantas a respeito
e teria sido, realmente, lindo e agradável se tudo tivesse dado certo. Mas o
tempo foi passando e a construção ficou em projeto, pois, os meios para
concretizá-la tomaram destino mais urgente e necessário.
Mamãe
compreendeu isso. Sentia-se bem, apesar da simplicidade de tudo.
Que vida
feliz levávamos em nossa casa! Ela era um paraíso para nós, crianças. E não só
a casa, mas também tudo ao redor dela.
Construída ao
rês do chão, sem porão, tinha apenas assoalho de madeira nos quartos. Como é costume nos
trópicos e também em Blumenau, por causa do grande calor, os dormitórios são
separados da cozinha por um corredor largo e aberto aos lados. Na casa da
frente havia duas peças, um que servia de sala de estar e a outra de quarto de
dormir. Mais tarde, com o aumento da família, foi construído mais um cômodo.
Este ficava um pouco mais alto, alguns degraus acima da sala de estar. Assim pode-se construir, por baixo dele, um pequeno porão.
A casa era
coberta de taboinhas, o que lhe dava uma bonita aparência. Largas grades de
madeira, pintadas de verde, protegiam as janelas, e os quartos do lado do sol,
e do calor. Atrás da casa ficava a grande cozinha e, ao lado, a enorme e bonita
sala de jantar, onde também, nós, as crianças, tínhamos os nossos brinquedos e
onde permanecíamos a maior parte do tempo. Atrás disso tudo, ainda havia dois
quartos. O cômodo de trás ficava um degrau acima do anterior para que o ar
pudesse circular livremente por baixo, o que por causa do calor, parecia bem
mais prático.
Interessados
e, ao mesmo tempo, sentindo arrepios, nós observávamos os grandes lagartos, de
metro de comprimento, que entravam e saiam de baixo desse cômodo. Tão modesto,
como os compartimentos de casa, era o mobiliário que, entretanto, tinha em si
algo de alegre. Lembro-me, ainda, da bonita “chaise lóngue”, estufada em couro
que havia no quarto de dormir e na qual papai costumava descansar á noitinha,
lendo jornais e livros, enquanto mamãe, sentada a uma mesa ao lado, em uma
poltrona de couro, sempre ocupada, à luz do lampião, completava um quadro de
verdadeira ternura e felicidade. Comumente, ela nos encantava com lindos hinos
tocados ao harmônio.
Das paredes
pendiam fotografias dos parentes mais chegados.
Pouco mais, além da mesinha de costura, pequenos armários e cadeiras,
havia na sala.
A casa ficava afastada da rua, no fundo do
jardim, onde nosso pai encontrava alivio dos trabalhos e incômodos de seus dias
inteiros de constantes preocupações.
Muitas vezes,
e isso era muito comum mesmo, tínhamos, nós, as crianças que ir busca-lo da
cada da Direção, para o almoço, porque ele não via jeito de abandonar o
trabalho que tinha pela frente, antes de termina-lo completamente,
esquecendo-se do tempo e de tudo.
O maior
prazer de papai era o seu jardim e, neste, ele punha o seu grande interesse.
Ainda me lembro bem com que alegria ao domingos, pela manhã, ele saia para o
jardim para cortar flores que mamãe arranjava em vasos ou em artísticas
corbelhas. A ninguém ele dava essa grande alegria. As rosas eram as suas flores
prediletas, especialmente as vermelhas-escuras e as rosas-violeta de delicado
perfume. O nosso jardim era mesmo uma joia, no qual a gente tinha mesmo que
sentir intima alegria.
O conhecido
viajante, embaixador suíço, Barão von Tschudi, chamou-o de jardim botânico e
não sem razão. Hoje o jardim não existe mais, pois a grande enchente de 1880
destruiu-o completamente. Ali eram cultivadas plantas mandadas buscar de outras
partes do mundo. E não era apenas no seu jardim que papai plantava as suas
preciosidades botânicas. Encontrava lugar para muitas no parque do seu sobrinho
e vizinho Victor Gaertner.
Eu e meus irmãos herdamos de papai o grande amor pela
natureza. Se eu tivesse conhecimentos de pintura, poderia ainda desenhar
perfeitamente o nosso jardim, tal a impressão que ele me deixou, apesar de seu ser,
então, ainda muito criança.
Uma cerca
rodeava o jardim, quase todo plantado de lindas espécies. Rosas cor-de-rosa
bordavam o caminho fronteiro, entrelaçadas em jasmineiros, cujas flores,
estreladas, ao serem colhidas, soltavam uma seiva leitosa. Dracenas e outros
arbustos floresciam por toda parte e ia-se através do jardim sob um verdadeiro
“arco do triunfo”, formado por umas plantas de grandes flores amarelas. No
inverno, floresciam, junto ao cercado, lindas fúcsias, heliotrópios, camélias simples,
vermelhas, azaleias e outras. Todos os canteiros eram rodeados de uma variedade
de Érica, que ali era nativa, de pequenas flores brancas.
Majestosas palmeiras-de-leque formavam um
magnifico caramanchão, servindo de fundo a uma pequena elevação formada de
pedras e onde cresciam gloxínias e gesnérias, caládios e outros e, como o mais
bonito, um imponente cactos, de grandes flores brancas onde os colibris vinham
sugar, através dos compridos bicos, o mel delicioso.
Quantas e
quantas vezes fora-nos dado observar essas lindas criaturinhas, batendo as asas
diante daquelas flores, de onde, depois se originavam frutos maravilhosos,
assim como das flores encarnadas dos metrosideros, que pareciam limpadores de
vidros de lampião e que, por isso mesmo nós chamávamos de “árvore de escovas”.
Também havia, no jardim, uma maravilhosa “Yuka”. Um retrato
de meu pai, de 1861, mostra-o junto a essa planta em flor. Violetas, as
maravilhosas violetas dobradas, de esplendido azul-claro e brancas, de que
mamãe tanto gostava, saturavam o ar de doce perfume. Camélias, das melhores
espécies e do mais belo colorido, eram resguardadas cuidadosamente das
intempéries.
É singular que as flores mais cheirosas são as que de cor
branca; é maravilhosa, igualmente, a combinação do vermelho e do amarelo em
muitas flores. Tínhamos magnólias, cujas flores se assemelhavam a pequenas
cabeças de repolho, gardênias dobradas, lírios com flores funiliformes que
quase não faltavam em jardim algum.
Das insignificantes florinhas brancas, que, em pequenos
buques, desabrocham ao longo dos ramos recobertos de folhas verdes, brilhantes,
da “olea fragans”, desprende-se suave e doce olor que impregna todo o ambiente
em redor. No Brasil chamam-na “flor do Imperador” porque era a preferida por D. Pedro II ultimo monarca brasileiro.
Aqui há um canteiro com tufos de oleandros, de variadas
cores, desde o rosa pálido ao vermelho escuro, simples e dobrados. Levanta-se,
mais adiante, uma romanzeira, com as suas flores de encarnado brilhante e
frutos também avermelhados de sabor agridoce. Mais para lá, há um canteiro de
rosas muito valiosas de que ainda encontrei uma relação de sementes, colhidas
com grandes dificuldades. Lembro-me de uma delas, cujas flores, enormes,
despertavam a minha admiração e de uma rosa musgo que me causou verdadeiro
assombro pelas suas flores de um cor-de-rosa estranho e as admiráveis folhinhas
que cobriam as longas hastes. Nunca mais vi outra igual.
Vejo-me ainda em pensamento de mãos dadas com minha irmã,
diante dessa roseira, admirando-a em verdadeira devoção. As mirtáceas são
copadas, de folhas estreitas, com pequenas flores brancas de penetrante
perfume, com frutos pequenos e saborosos. As tritonas ostentavam os belos
cachos de flores vermelho-amarelados. Os Amarilis e outras encantadoras plantas
bulbosas, encantadoras plantas bulbosas, enchiam-nos os olhos, assim como os
hibiscos com suas cores lustrosas. Tufos de folhagens, de plantas silvestres,
limitam os cantos do jardim, derramando agradável perfume de suas flores
brancas, em forma de estrelas. Acácias, com flores vermelhas, haxacentros com
extraordinários tufos de flores amarelo-avermelhado e buganvileas de cores
flamantes, havia-as por toda parte.
Havia, também, no jardim, raridades de que agora não me
lembro bem e de que também ignoro os nomes. Por toda a parte, inclusive ao
redor de casa, havia plantas e flores.
Diante da casa, subia, até o
telhado, a “rainha da noite”, (cereus grandiflorens), carregado de botões, que
meu pai colhia, pondo-as num copo, sobre a mesa, para que pudéssemos observar o
seu desabrochar, pois elas só abrem á noite, enchendo o compartimento de forte
odor de baunilha.
Era com
grande prazer que nós nos sentávamos á varanda, de onde se descortinava uma
magnifica vista do jardim e diante da qual floresciam as roseiras, constantemente visitas pelos
colibris, esvoaçando de flor em flor. Á vezes. Éramos visitados, pelos sapos,
que passavam daqui para ali pela varanda...
O jardim era
separado, por uma cerca, do pomar que descia até o ribeirão Garcia, um afluente
do Itajaí. As margens do ribeirão havia majestosas touças de bambus, esbeltos,
que balouçavam ao sabor dos ventos. No pomar cresciam várias espécies de
laranjas que enchiam o ambiente do forte e agradável perfume de suas flores e
cujos frutos colhíamos com grande facilidade e prazer. Também havia variedades
de pessegueiros, pelos quais trepavam os ramos de maracujá; pitangas vermelhas,
carambolas, muito sumarentas, grumixamas, ameixa do Pará, ameixas, mamões com
belos frutos amarelos, bananas de várias espécies, assim como magníficos
ananases que sempre tínhamos a disposição, belos e suculentos muito diferentes
dos que a gente consegue aqui na Alemanha.
Se me
alonguei muito nesta descrição foi porque ainda sinto em mim, bem profunda, a
recordação de nossa casa, que foi o paraíso da nossa infância, do qual passamos
os mais lindos anos de nossa vida.
Quis fazer um
retrato fiel da nossa casa, em Blumenau e do seu jardim onde meu pai encontrava
sempre a sua maior satisfação.
--------------------------------
Nota da redação:
O Artigo acima foi escrito na Alemanha pela filha mais velha
do fundador de Blumenau, Cristina, que tendo se conservada solteira, foi guarda
da volumosa documentação de seu pai, e que infelizmente se perdeu na segunda
guerra mundial.
Revista Blumenau em Cadernos – Tomo XII – junho de
1971 – nº 6
Arquivo de Sávio Abi-Zaid/Adalberto Day
9 comentários:
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Meu caro Adalberto,como sempre um ótimo texto,linda historia para nos que somos Blumenauenses ficamos muito orgulhosos com tudo isso,muito bom parabens...
ResponderExcluirA importância do registro é que constrói nossa história.
ResponderExcluirParabéns pelo trabalho.
Antunes Severo
Caro Adalberto, é uma pena que, salvo melhor julgamento, não existam outras fotografias desta casa do Dr. Blumenau. Seria muito bom vê-la por inteiro, inserida no belo jardim do Dr. Blumenau. Isso permitiria a construção de uma réplica, conforme recentemente cogitado. É muito bom conhecer o relato da filha do Dr. Blumenau, que aqui nasceu e passou boa parte da infância. Que bom que teve a oportunidade de voltar para rever a terra natal. Grande abraço!
ResponderExcluirOi Beto amigo.
ResponderExcluirQue bela história essa da filha do Dr. Blumenau. Deslumbra e ao mesmo tempo, entristece o leitor, quando ela informa que foi tudo destruído pela enchente de 1880. Que descrição mais detalhada daquele belo jardim que era o paraíso dela e seus irmãos na casa paterna. Uma historia muito impressionante e marcante quando ela descreve em pormenores as inúmeras flores que ali existiam, bem como a grande quantidade de frutas. Eu faço uma ideia como deveria ser o solo naquela época, virgem e suando nutrientes naturais e ainda intactos. O cultivo deveria ser uma coisa linda, fácil e profícua, dada a fertilidade natural. Contudo, era lamentável que muitas vezes uma grande área cultivada era totalmente destruída por uma enchente, que, naquela época deveria ser mais frequente. Linda história Beto. Obrigado mais uma vez pelo belo presente que ela representou. Um grande abraço, e votos de constantes melhoras
E.A.Santos
Adalberto,
ResponderExcluirMuito oportuna a reprodução desta crônica escrita pela Cristina Blumenau, filha do fundador, na qual ela praticamente nos conta em pormenores como era a casa, com seus cômodos, e os jardins, inclusive as espécies ali plantadas, todas implacavelmente destruídas pela enchente de 1880, que também levou a residência do Dr. Blumenau.
Faço uma humilde sugestão, de que no local onde a casa se situava, hoje ocupado por estacionamento, se construa uma réplica da casa, agregando-se valor ao "Centro Histórico" e ao mesmo tempo criando mais um ponto de visitação para blumenauenses e turistas.
Um projeto cultural bem elaborado pode ser encaminhado ao Ministério da Cultura, quem sabe pela Fundação Cultural, para angariar-se fundos através da lei Rouanet.
Parabenizo a criatividade do teu blog, que complementou a crônica publicada no Tomo XII de Blumenau em Cadernos, incluindo fotos e reproduzindo notícia jornalística da visita que as filhas de Hermann Blumenau fizeram à nossa cidade.
Abs
Carlos Braga Mueller
Parabéns Professor Adalberto pelo carinho e dedicação em prol da História da nossa cidade!
ResponderExcluirabçs
Ana Lúcia Brandl de Medeiros
OTIMA postagem !
ResponderExcluirparabéns por esse Blog.
Interessante a história. Impressiona o empenho e a dedicação da filha. Artigos como este são dignos de valorização.
ResponderExcluirA BARCA-SONHO
ResponderExcluirAh Velho Itajaí, hoje lhe navego em sonhos,
Na barca tristeza do Dr. Blumenau procurando,
Confuso, entre brumas e memórias desbotadas,
De Ouro Preto de outrora,
Das noitadas alegres na casa da Dona Santita,
Embebidas em sonhos e poesias, escutando o longo dedilhar de violões
Seresteiros do João Bosco e do Vinícius,
A procura
Da nota exata, do acorde perfeito, de um arranjo original,
Enquanto nós estudantes sonhávamos com o amor,
Serestando bossa-nova e sambas-canções.
Mas perdido
Em meus devaneios de guri,
Revivendo a boemia da Escola de Minas,
E da Republica Pureza, não vi o tempo voar e agora,
Em meu ultimo comando, embarco no Blumenau II,
Levando a Zezé, o Vinícius, o Bosco, a Evelyn,
O Beto, e Newton Esculacho - agora reaparecido,
E mais os amores que tive,
Que vivi e que perdi
Por todo este mundo afora, em portos, boates e zonas,
Navegando perdulário pelos Sete Mares para finalmente,
Nesta viajem de ilusão pelo Itajaí, cansado arribei,
A barca-sonho e temeroso de procurar a luz justifico-me,
Mostrando-lhe as minhas varias cicatrizes por flertar com a Chama,
E qual mariposa perdida ao sol, agora busco aconchego
Nas noites frias do Vale do Itajaí.
Abandono à barca-sonho,
Abdico meu ultimo timão depois
De navegar os Setes Mares, andar cinco continentes a
Enfrentar tempestades de paixões angustiantes,
E hoje, sem compasso e leme
Flutuo em versos, pelas ruas nuas, no nevoeiro,
Do Blu e Blues, como brisa solitária acariciando rostos vazios,
A solidão me oprime e me aperta o peito
E eu aperto o passo, em busca da luz negra,
Do aconchego e do calor humano
Na penumbra amiga, do santuário da Casa da Sete.
Sam de Mattos, Spartanburg,
Otubro de 2007