LAURO BACCA
Publicado no jornal de Santa Catarina dia 18/12/2010
Paraíso ocupado é paraíso perdido. Se for ocupado descontroladamente, pior ainda. Isto pode estar acontecendo com a Nova Rússia, em Blumenau, um capricho especial da natureza, em forma de alvéolo geomorfológico cheio de verde e águas puras, cercado de montanhas do Parque Nacional da Serra do Itajaí, plenas de exuberante Floresta Atlântica. Multidões procuram as águas cristalinas do lugar para revigorantes banhos de rios e cachoeiras, nos fins de semana quentes, principalmente no verão.
Os paraísos naturais são uma espécie de paisagem suicida, dentro do atual modelo de desenvolvimento. Sua beleza atrai (e os trai!), podendo ser a causa indireta da morte. Quando se abre os olhos, tarde demais, acabou o paraíso. A beleza está maculada, o sossego comprometido, a magia desfeita e a pureza conspurcada.
Para alguém construir na Nova Rússia, basta um pedreiro e os materiais de construção. Há anos, um cidadão relativamente abastado feriu o paraíso com sua “bela” casa sobre as pedras da margem do rio. Alegou que não iria poluir e por isso foi tolerado. Mais tarde, sob Termo de Ajustamento de Conduta na Justiça, pagou multa em suaves prestações. E o que se resolveu? Nada. A casa irregular continua lá e o meio ambiente não está compensado por isso. Pior, abriu grave precedente e outras casas têm surgido por ali, também em áreas de preservação permanente, sem que aparentemente nada tenha sido feito.
A compra e venda de terrenos de tamanhos abaixo do módulo mínimo do INCRA para o lugar, que é de 20 mil m2, também ocorre livremente na Nova Rússia. Tudo na base dos contratos de compra e venda pessoais ou feitos por imobiliárias inescrupulosas. Ocorre assim o adensamento populacional irregular do lugar e nada tem acontecido para se ordená-lo.
Muitas vezes, banhistas desqualificados ligam seus potentes aparelhos de som em alto volume, às vezes um ao lado do outro. A orquestra infernal então ascende, sufocando os sons da orquestra natural. Ao leito do rio destinam-se as pilhas elétricas esgotadas, assim como o lixo restante, que aumenta a cada ano que passa. Isso tudo sem contar com os abusos no trânsito, gerando bloqueio de rua e engarrafamento, lá na Nova Rússia. Apesar de alguns esforços, muito esgoto ainda entra no rio e novos esgotos surgem com as novas casas. O paraíso está sendo ocupado e a paisagem estuprada.
Com tudo isso, começa-se a comprometer a melhor qualidade de água que uma cidade poderia desejar, captada na ETA 3 logo abaixo. Quando chove, o ribeirão Garcia entra relativamente limpo na Nova Rússia, mas sai barrento. Um possível sinal de hemorragia da paisagem. Sinal de alerta. O paraíso ainda pode ser salvo, mas, para que todos possam desfrutá-lo para sempre, poucos poderão ocupá-lo sempre!
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- O peso das árvores
Coluna de Lauro Bacca, do jornal de Santa Catarina dia 12/fevereiro/2011
Por Lauro Bacca
Já subi o Spitzkopf 76 vezes e já desci aquele que é o mais conhecido e belo de todos os morros da região pelas faces Norte, Sul, Leste e Oeste, percorrendo aquelas encostas em várias direções. Fi-lo pelo puro prazer da aventura de uma caminhada, com efeito colateral fantástico que é o aprendizado junto à natureza. Justo por se tratar de florestas primárias ou primárias pouco alteradas, as árvores ali são em grande número, tamanho e densidade, somando mais toneladas sobre aqueles solos do que na maioria dos outros lugares. Apesar disso, são raríssimos os deslizamentos naqueles terrenos íngremes, principalmente onde não houve o rasgar de estradas e onde a floresta está intocada há mais de 80 anos.
Em 7 de agosto de 1980 estávamos no topo do Spitzkopf mais uma vez. Olhando para Leste, na direção da Nova Rússia, foram avistados 24 pequenos deslizamentos de terra. Nas encostas protegidas à nossa frente, não se avistava um deslizamento sequer. Qual o motivo de tamanho contraste? Na região dos 24 deslizamentos havia uma plantação de pinus. Não que o pinus seja tão vilão assim como alguns pensam. Mas, para plantá-lo, foi eliminada a floresta nativa e rasgou-se com trator estradas de acesso, estreitas e particulares. E, como reza nossa nefasta tradição de descaso ambiental, com todo o barro (solo, subsolo, rochas) empurrado sem qualquer critério para o lado de baixo.
Rompido o equilíbrio estabelecido há milênios pela natureza, rompidas a trama e a ancoragem proporcionada pela densa teia multiforme de raízes da floresta nativa, para tudo correr morro abaixo é só uma questão de tempo. Ou de oportunidade, como as proporcionadas pelas chuvas mais pesadas.
Dia 7 de dezembro de 2008 (outro dia 7!), percorremos em cinco companheiros, a pé, 18 quilômetros de trilhas no Parque das Nascentes, lugar que já conhecíamos bem há muitos anos. Às observações feitas no trajeto, foi somado o que se avistou do alto do Morro do Sapo, de onde se tem uma vista em 360 graus de toda a região das cabeceiras do Ribeirão Garcia. Observamos, de fato, deslizamentos de encostas, mas nenhum de grande porte, acontecidos quando da tragédia. Uma autoridade que fizesse um sobrevoo de helicóptero no local diria que “o que caiu foi mata virgem”. O que nós constatamos, porém, foi que, com uma única exceção e duas dúvidas, todos os demais deslizamentos estavam diretamente associados à ação humana – antigas explorações e estradas madeireiras rasgadas naquelas encostas até o início dos anos de 1980, atualmente camufladas e escondidas debaixo da floresta em recuperação. O impacto causado na época permaneceu latente por quase 30 anos, até se revelar em novembro de 2008.
Lauro Eduardo Bacca/ ecólogo e ambientalista
Prezado prof. Bacca, desculpas, mas é uma pergunta de quem observa a região de longe, como ficam esses “matos” pertencentes aos industriais, que agora trocaram suas caldeias de lenha para carvão? Abraços. Cao
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