Cotidiano de
nosso Brasil e cidade de Blumenau em 1856.
Texto
enviado por Juarez F. de Souza de seus antepassados da Alemanha e Blumenau.
August
Alexander BUERGER
Cópia de carta enviada a um amigo, e publicada no Goerlitzer Tageblatt:
Colônia Blumenau, 19 de janeiro de 1857.
Caro Amigo!
Em primeiro lugar, votos de um feliz ano novo para todos vocês, e que esta
carta os encontre gozando de saúde, como acontece com todos nós. Chegamos aqui
felizmente bem, apesar de uma longa viagem, mas, infelizmente, tivemos que
registrar a perda de um de nossos filhos - o pequeno Heinrich - com idade de
quase 4 meses, que Deus chamou a si no dia 23 de agosto do ano passado quando estávamos
ancorados em frente à Ilha de Madeira.
No dia 18 de julho embarcamos no porto de Hamburgo no navio FORTUNA do capitão
Burgdorf. A tripulação era composta, além do capitão e timoneiro, de 4 marujos
e um cozinheiro. Ao todo éramos 53 passageiros, entre eles eu, minha esposa e 5
filhos. A maioria dos passageiros era da Pomerânia e de Mecklenburg.
Até o dia 20 de julho ficamos ancorados diante de Altona devido ao mau tempo,
até que a barcaça PILOT nos rebocasse aprox. 3 milhas Rio Elba abaixo, onde, novamente,
ficamos por um dia, e no dia 22 chegamos a Stade. No dia seguinte, às 10 horas
passamos Cuxhaven, e logo nos vimos separados de toda terra em mar aberto. Às 3
horas vimos, ao longe, a Ilha Helgoland, onde, nas proximidades, fomos surpreendidos
por uma tempestade e forte chuva, o que nos fez desviar bastante da rota.
Somente às 8 horas da noite conseguimos passar ao largo da ilha. A vista da
mesma era muito bonita, o mar estava calmo outra vez, só alguns relâmpagos e o
farol clareavam o firmamento, destacando as casas numa beleza indescritível.
Aqui começaram a se manifestar os primeiros sintomas de enjoo nos passageiros,
mas do qual eu e minha família fomos poupados. Durante o decorrer da viagem os
outros passageiros também não sofreram muito.
Nossa alimentação era farta e boa. Pela manhã recebíamos regularmente café, à
noite chá e para almoço tínhamos carne de boi 4 dias da semana e nos outros
carne de porco om verduras, batatas, ervilhas, feijão, lentilhas, cevadinha,
arroz e chucrute. Só variava aos sábados, quando cada passageiro recebia 2
arenques e mingau de arroz, o que logo se tornou o prato preferido de todos.
Sábados também era feita a distribuição de alimentos para a semana seguinte,
entre outros, recebíamos 5 pães, 14 "Loth" (+/- 30 g) de manteiga, 8
"Loth" de açúcar, vinagre, sal, etc.
Nosso capitão era grande amigo das crianças, divertia-as à noite com muitas
brincadeiras, e às vezes fazíamos música, pois alguns dos passageiros tinham
talento musical. Às vezes, com as frequentes calmarias prolongadas, também
pescávamos e pegávamos os chamados "peixes voadores", que tem
espinhos nas nadadeiras, que eles usam como arma para defender-se.
Na manhã bem cedo do dia 2 de agosto chegamos ao canal, de onde avistamos a
costa da Inglaterra com seus rochedos de calcário e seus faróis. Chegamos a ver
um grande número de navios. Só no dia 4 de agosto perdemos a Inglaterra
completamente de vista.
Um tubarão, um verdadeiro monstro com cerca de 90 pés - do tamanho do navio -
chamou nossa atenção quando se mostrou bem próximo ao navio.
Com ventos nem sempre favoráveis, chegamos dia 23 de agosto à tarde próximo à
Ilha de Madeira, no Oceano Atlântico. Neste dia faleceu, como já mencionei
antes, nosso filho mais novo, que no dia seguinte sepultamos no mar.
Do dia 25 de agosto até 3 de setembro tivemos tempo agradável e um vento muito
favorável. Neste dia encontramos inúmeros peixes voadores, cujo número em
certos dias passava de mil, e alguns voavam até o convés.
Como agora nos aproximávamos da linha (Equador), foram colocados "sacos de
vento" (Windbeutel) na 3ª classe para ventilar com os ventos que soprava
do mar. Nesta altura encontramos muitos navios. Aproveitávamos para recolher a
água das chuvas, que caíam com frequência. No dia 19 tivemos um tempo bonito e
claro, mas fez tanto frio que os passageiros tiveram que agasalhar-se com suas
roupas de inverno. À noite desse mesmo dia cruzamos o Equador. Este ato solene
foi comemorado no dia 20 pela tripulação com um batizado, como é de costume. O
timoneiro representou Netuno, e o marujo mais velho o seu barbeiro. Como o
restante dos marinheiros e a maioria do passageiros ainda não tinham cruzado a
linha, foram batizados com água salgada. Após a cerimônia, o comandante
ofereceu algumas garras e vinho e a noite nos trouxe alegria, com música e
cantos.
Alguns dias depois encontramos um navio sueco e outro americano, sendo que o
último era um veleiro excelente, pois logo nos deixou longe. No dia 30 víamos
duas baleias a pouca distância de nós. Durante a viagem vimos pequenos peixes e
botos, sendo que os últimos em grande quantidade. Também vimos outro tubarão,
mas não tão grande quanto o primeiro, que nos acompanhou por algum tempo.
Após alguns dias de calmaria, em 4 de setembro (pag.13) soprou uma forte brisa,
de modo que velejamos a 8-9 milhas por "Wache" (=velada, sentinela).
Uma "Wache" corresponde a 4 horas, isto é, o tempo depois do qual os
marujos em serviço são substituídos. É a medida de tempo pela qual se calcula
tudo a bordo. O vento favorável desta vez durou bastante e foi interrompido
somente por uma trovoada e tempestade de pouca duração.
No dia 13, às 9 da manhã, avistei uma débil faixa azul no horizonte, e, um
pouco mais tarde, um segundo ponto no horizonte, o qual, com a ajuda do meu
pequeno óculo de alcance, identifiquei nitidamente como montanhas. Estávamos
todos ocupados em levar água potável ao convés, quando meu grito alegre
"terra, terra" ecoou, e, naturalmente, todos largaram os afazeres e
olharam para a direção que eu estava apontando. O capitão e o timoneiro
escalaram os mastros com seus telescópios, mas concluíram não se trata de
terra, e mandaram que continuássemos com o nosso trabalho. Entretanto, no
decorrer da viagem, estes pequenos pontos se tornavam cada vez mais nítidos, e
não restava dúvida que eu tivera razão, e as montanhas brasileiras se erguiam
na nossa frente. Prevendo que logo teríamos água potável de melhor qualidade,
naturalmente paramos de carregar água para o tombadilho, e à tarde, por volta
das 4 horas, tivemos realmente a alegria de passar por estas montanhas. Ainda
menciono que vimos vários albatrozes, grandes pássaros marinhos e uma enorme tartaruga
de aprox. 5 a 6 pés de comprimento, que passou rente ao nosso barco.
Adentramos uma milha na Baía de Santa Catarina, e aí lançamos âncora. Era uma
noite maravilhosa, e a lua cheia iluminava os morros que se elevavam em ambos
os lados, bem como as bonitas casinhas na praia. Na água brilhavam milhares de
moluscos. Ao amanhecer esperávamos ansiosamente a chegada do piloto que
conduziria nossa embarcação ao porto. Mas não apareceu ninguém. Finalmente, o
timoneiro pegou um bote e foi com três marinheiros à terra firme para contratar
um. Ancoraram perto do primeiro forte, e lá ficaram sabendo que os pilotos,
achando que o comandante não precisava de ajuda, pois não tinha içado a
bandeira sinalizando que solicitava um, tinham ido pescar. Assim, em vez do piloto,
nossos marujos trouxeram flores de uma beleza sem igual e enormes cactos, cujas
inflorescências eram maiores que a altura de um homem. À tarde, enfim,
resolvemos entrar no porto de Santa Catarina sem piloto, porém, no meio do
caminho ainda fomos surpreendidos por uma forte trovoada e uma chuva que deixou
tudo encharcado.
Logo depois que amarramos no porto, uma canoa trouxe as autoridades da
inspeção. Os passageiros, sem distinção, tinham que fazer fila no convés, foram
examinados e contados. Em seguida o capitão Burgdorf foi com eles à cidade, e
logo depois veio o tarefeiro que ali ficou enquanto o navio se encontrava no
porto. Nosso capitão voltou à tardinha, e os marinheiros chegaram carregados de
boa carne de boi, cabeças enormes de repolho, melões, cebolas, bananas,
laranjas etc. que saboreamos com grande prazer.
À noite caiu uma violenta tempestade, e só podíamos agradecer a Deus por nos
encontrarmos no porto. O capitão não conseguiu subir a bordo à noite, e nos
vimos obrigados a lançar a segunda âncora para segurar o nosso navio. Quando,
no dia 16, os marujos foram à cidade fazer compras de alimentos frescos, não
puderam regressar a bordo do FORTUNA devido à tempestade, e tiveram que
regressar. Ao anoitecer, quando a tempestade parecia ter amainado, tentaram
aproximar-se novamente do navio junto com o capitão, mas a tempestade se tornou
mais violenta, levando o bote com a tripulação para longe do FORTUNA. O capitão
deu ordens para que desamarrassem o bote grande do navio para ir em socorro
deles. Depois disso feito com a maior rapidez possível, amarrou-se um cabo
grande a ele e o bote foi solto para ir ao encontro deles. Felizmente a
tripulação ainda alcançou o bote a tempo, pois o risco do bote, onde se
encontrava o capitão e a tripulação, afundar aumentava a cada momento.
No dia seguinte o encarregado da alfândega veio a bordo e, depois de termos
todos nossos pertences revistados, pudemos desembarcar. Em terra fiquei sabendo
que o serralheiro Pinger, de Görlitz, havia se estabelecido em Santa Catarina.
Ernst Meyer e eu o procuramos em sua nova moradia, e durante nossa breve
estadia o ajudamos na instalação de uma oficina sua. Nosso patrício encontra
muito trabalho e é bem pago. Pinger e a esposa dele nos mostraram a cidade, e
ficamos admirados com os belos jardins enfeitados com rosas e outras flores, e
também com cactos.
Pinger preparou-nos uma grande surpresa ao nos levar a um jardim, onde
encontramos um terceiro Görlitzer - o cervejeiro Tobias - que, em companhia de
um cervejeiro de Landshut, na Silésia, instalaram aqui uma cervejaria, muito
procurada.
Ao desembarcar, as mulheres e filhos dos passageiros ficaram entretidos em
admirar a diversidade de raças aqui representadas - do mais alvo branco, ao
mais belo negro cor de ébano, e todos bem vestidos.
Ponte sobre Foz Ribeirão Garcia - acervo de Carl Heinz Rothbarth
Depois de uma permanência de 3 dias em Santa Catarina, um navio de guerra nos
levou até a Barra do Itajaí, um percurso que demorou 18 horas. Geralmente
sobe-se logo todo o Itajaí até Blumenau, mas o nosso navio não havia carregado
carvão suficiente, de modo que pegamos um barco costeiro que nos levou em 4
dias (27 de setembro à noite) para Blumenau - o fim de nossa viagem e nova
pátria.
A embarcação era muito pequena, e não foi possível cozinhar, por isto fez-se
necessário que todo meio-dia e à noite fôssemos à terra firme para preparar
nossa comida e procurar um abrigo para passar a noite com um dos moradores.
Fomos recebidos pelos brasileiros com muita hospitalidade, e só lamentamos não
entender sua língua para agradecer-lhes. Os negros, que na maioria das vezes só
são escravos ainda no papel, traziam bananas e flores enviados pelos seus
donos. Eles gostavam principalmente das crianças, e procuravam saber seus
nomes, sendo que o da minha filha Marie, lhes era o mais compreensível,
provavelmente, por causa da Virgem Maria, que, como católicos, conheciam bem.
Em Santa Catarina vi negros muito elegantes, com relógios de ouro, com negras
com os mais belos vestidos de seda. A maioria goza de plena liberdade pessoal,
precisando comparecer perante seus donos somente todas as noites para entregar
uma certa importância em dinheiro a eles, uma porcentagem do que haviam ganho
dos brasileiros, que são pouco dados ao trabalho.
Não tivemos que pagar mais nada pela alimentação nos barcos de Santa Catarina
até aqui. Meyer ficou por lá mesmo. Nossa bagagem toda chegou bem aqui junto
conosco, e ficaram no início em
Blumenau, no centro da cidade, enquanto eu me
dirigi em 29 de setembro para a colônia, a fim de informar-me sobre as
condições ali. Reconheci logo a vantagem de me estabelecer ali, e comprei
terras.
A terra ali era melhor que aquela em volta da cidade, a localização
mais bonita, melhor protegida de enchentes, e também bem mais barata. Um grupo
de 4 compramos juntos 118 "Morgen" (+/- 300.000 m2), dos quais um
certo Busch, de Dassau perto de Stettin, ficou com 100 (+/- 255.000 m2),
Krause, também de lá, ficou com 6 (aprox. 15.000 m2), e Lindner e eu também com
6 "Morgen" cada. Pagamos 3 milréis pelo "Morgen", - o mil-réis
23 Sgr - o que corresponde a 2 1/2 "Thaler" da Prússia.
A imagem de Blumenau de 1864 mostra a STADTPLATZ que significa CENTRO URBANO. Literalmente ¨LUGAR ( PLATZ ) da CIDADE ( STADT). Acervo Carl Heinz Rothbarth
Dos seis "Morgen" adquiridos, derrubei três de mata, o que foi um
trabalho exaustivo para mim, mas espero que compense. Na pátria eu provavelmente
nunca teria possuído 6 "Morgen" de terra. Tributos só preciso pagar
uma vez, e nunca mais, e estes não passam de aprox. 2 1/2 "Thaler",
mais ou menos o preço de um papel de carta, no qual estou escrevendo. Por falar
nisso, o papel aqui é muito caro, e às vezes difícil de conseguir por este
dinheiro.
A madeira cortada, deixo secar, depois acendo uma fogueira, e o que não queima,
apodrece. Logo após à queimada, o terreno é limpo, escolhe-se o lugar onde
ficará a casa, e inicia-se com o plantio para podermos tirar nosso sustento.
Para a construção da casa, entretanto, necessito de ajuda, pois não consigo construí-la
sozinho. Como já auxiliei um vizinho de Nordhausen na construção da dele, ele
me ajudará e poderei pernoitar na casa dele, em vez de ter que ir todas as
noites para uma dessas casas de abrigo, que ficam a uma hora de distância da
cidade. Por enquanto existem duas destas casas de abrigo. São construções
compridas de um só pavimento, que deverão ser aumentadas em breve. As casas
aqui se assemelham às casas de veraneio alemãs, e são construídas de palmeiras,
mas eu pretendo construir uma mais sólida. O restante dos meus 3
"Morgen" deixarei intocados, até que a primeira parte apresente
renda.
Na colônia se encontram muitas pessoas simpáticas e prestativas, o que na
verdade é necessário pois muitas vezes um depende do outro. Foi assim que
ajudei meu vizinho Busch a derrubar a mata, e ele me ajudará quando eu
precisar. A meu ver, aqui há muito o que fazer, e eu também já ganhei meu
primeiro dinheiro. Quando vou trabalhar, ganho sempre com 4 patacas (que
correspondem a 1 Thaler e 2 Silbergroschen) e comida (três vezes ao dia). Só
lamento que não trouxe mais ferramentas, pois são difíceis de conseguir aqui e
muito caras.
Os brasileiros fazem um luxo incrível. A roupa custa 1 Conto ou mil-réis, os
enfeites das selas são de prata, bem como os dos chicotes que custam 80 Thaler.
Esporas com rodas do tamanho de moedas de 2 Thaler. Tudo isto é muito comum. Os
freios dos cavalos raramente são de couro, mas são feitos de correntes de
prata, e as peças necessariamente de couro, como as rédeas, são recobertas de
prata de modo que não se vê o couro.
No que diz a Blumenau, esta foi fundada há anos pelo Dr. Blumenau e consiste do
centro (Stadtplatz) da cidade, e da colônia que já alcança uma área de 1 hora
de distância, e onde os proprietários moram lado a lado. Blumenau está
localizada num belo vale às margens do rio Garcia, e os primeiros colonos
chegaram há cerca de quatro anos, tendo recebido adiantamento (*Nota: se ele
menciona isto, significa que ele deve ter pago as suas despesas de viagem e da
sua família, portanto deveria ter tido mais posses na Alemanha, e pela carta,
mais instrução também). Agora já possuem engenhos de mandioca e açúcar que
valem 3---400 mil-réis cada. A colônia é pobre em dinheiro já que a produção de
alimentos ainda não cobre o consumo, pois chegam muitos colonos novos que
precisam primeiro cultivar sua terra, antes de poderem plantar. Feijão e carne
ainda são insuficientes, mas esta situação vai melhorar, já que a farinha e o
açúcar estão sendo enviados a outros lugares para serem vendidos.
Não faltam frutas como laranjas, melancias, pêssegos, abacaxis e mamão, e preparam-se
muitas coisas com as mesmas. A mim e a meus filhos agrada muito estar aqui e
não temos saudades de Görlitz. Mas minha esposa ainda não se acostumou - tudo é
tão diferente da Alemanha! Mas a simpatia dela pela nova pátria vai aumentar,
logo que tiver sua própria casa e puder lidar nela e aproveitar as próprias
frutas colhidas. Aconteceu os mesmo com as mulheres dos outros colonos.
A imagem de Blumenau de 1869 mostra a STADTPLATZ .Acervo AHJFS
O primeiro ano da minha estada aqui deverá ser bastante duro, mas espero
conseguir ter meu próprio cavalo e minha vaca no devido tempo, que facilitam
muito a vida de um colono. Não se perde muito tempo com a alimentação do gado.
Basta soltá-lo no pasto. Mas comprar um cavalo é caro. Custa mais ou menos
30-40 mil-réis e uma vaca 60-70 mil-réis, mas vale a pena. Aqui encontramos as
mesmas raças de animais que na Alemanha, inclusive cães e gatos.
A cidade de Blumenau possui uma farmácia que está nas mãos do Dr. Blumenau.
Além disso tem dois comerciantes, um dono de hospedaria, um ferreiro, um
serralheiro, um tanoeiro, dois marceneiros, dois construtores de máquinas, dois
carpinteiros, um agrimensor, alguns alfaiates e sapateiros e um seleiro. Estes
últimos moram muito distantes um do outro (*Nota: fato do que Alexander se
aproveitou para se instalar como seleiro e sapateiro). Ainda existem aqui um
moinho e serraria e ainda uma olaria onde quase nunca se consegue tijolos
apesar da grande procura.
Há pouco tempo chegaram mais quatro navios de imigrantes e aguarda-se mais
outro dentro de poucos dias. Animem-se e venham com entusiasmo. Aqui há lugar
para milhares - milhões - de pessoas! Mas aconselhamos a todos que queiram
seguir nosso exemplo: devem ser jovens e fortes. Se pessoas de mais idade não
tiverem parentes aqui que lhe deem apoio, vai ser difícil.
No último navio vieram, novamente, Görlitzer: uma viúva Görner e os dois irmãos
Zündler, dos quais o mais novo me surpreendeu quase matando-se de trabalhar
para derrubar a última árvore grande no meu pedaço de terra.
Além dos três acima citados, não tem mais ninguém de Görlitz aqui. Ainda não
tive notícias dos Dick, Grahl, Konrad e Steinbach, nem dos Höhne, cujas coisas
eu trouxe para eles e que por enquanto vou manter aqui comigo, pois ainda
espero descobrir onde estão.
Nossa alimentação consiste basicamente de feijão preto e carne seca (Karnesek),
de manhã tomamos café e à noite chá. O café e o açúcar são puros ao contrário
do lá de casa, onde estávamos acostumados a tomar chicória, que eles chamavam
café. Quando caço alguma coisa, a carne com arroz, milho e ervilhas representam
uma variação benvinda. A espingarda é fiel companheiro do colono - quase como a
bengala do alemão - es se mostra muito útil para abater animais selvagens e
aves. Só me arrependo de não ter trazido mais pólvora e chumbinho. Os pássaros
têm uma plumagem muito linda e "Schakatins" (jacutingas?), uma
espécie de peru selvagem, e pombos selvagens são muito visados para caça. Os
animais silvestres mais frequentes, geralmente caçados e pegos em armadilhas,
são as lebres, veados, gazelas, porcos do mato e antas, estas últimas às vezes
atingem o tamanho de um boi. Agora que temos verão, ao contrário de vocês, não
há muita caça, mas espero conseguir o bastante no próximo inverno para não
precisar comprar.
Menciono aqui os ofícios que têm mais futuro aqui: operários que trabalham com
madeira, como carpinteiros, marceneiros e tanoeiros, que ganham muito bem.
Também os operários que trabalham na forja, como ferreiros e serralheiros. Não
existe nenhum ceramista, que faz muita falta. Um bom mestre oleiro também faria
fortuna aqui, mas ele teria que trazer alguns operários competentes. Lenha não
custa nada e no Itajaí encontramos o melhor barro para tijolos. O milheiro de
tijolos é entregue a 40 mil-réis. O homem que Dr. Blumenau colocou na olaria
existente, infelizmente, não entende nada do negócio (um pedreiro alemão). Ele
queria contratar Lindner quando soube que este era oleiro e ofereceu um bom
salário, mas Lindner recusou a oferta. Alguém que montasse uma serraria aqui
teria todo o apoio do Dr. Blumenau. Logo atrás dos terrenos do Lindner
encontram-se cerca de 400 "Morgen" da melhor madeira e também excelente
força hidráulica. Além disso, o empreendedor teria o direito de colher árvores
do vizinho em troca de uma em cada 12 tábuas como pagamento. Gostaria que todos
os mestres marceneiros do "Görlitzer Möbelmagazin der verinigten
Tischlermeister" (Loja de Móveis dos Mestres Marceneiros Reunidos de
Görlitz) nos visitassem e levassem como lembrança um carregamento de madeiras
das mais belas e resistentes do meu terreno , das quais dizem que existem perto
de 300 espécies diferentes.
A falta de sapateiros em Santa Catarina deve ser grande. No nosso desembarque
perguntaram-nos se não havia nenhum sapateiro entre nós que quisesse ficar como
chefe de oficina e mandar vir aprendizes da Alemanha. Foi-lhes oferecido
dinheiro adiantado, com a condição que ficasse lá. Como fiquei sabendo, um
aprendiz lá ganha 2 mil-réis pela confecção de um para de sapatos leves
femininos.
A todos que tiverem vontade de seguir meu exemplo e emigrar para cá, aconselho
trazer um terno quente, nem que seja pouco elegante e fora de moda, para usar
no navio. Além disso, mandem fazer as vasilhas a serem usados na viagem de
folha de flandres da mais resistente. Serão necessários um caneco com
capacidade de aprox. 250 ml, vasilha e chaleira para cozinhar, uma garrafa para
água potável, um açucareiro, uma manteigueira e - um penico com tampa. Além do
mais: faca, garfo e colher e alguns vidros resistentes para vinagre etc.
Aqueles que tiverem meios, que adquiram em Hamburgo algumas garrafas de bom
vinho. Antes da viagem também é indicado abastecer-se com frutas bem secas,
como ameixas, maçãs e peras, além de pão no valor de 15
"Silbergroschen", cortado em fatias grossas e torrado novamente. Os
homens deveriam trazer ainda uma boa espingarda de cano duplo com bastante
munição.
A todos que têm como objetivo imigrar para a nossa colônia, posso indicar os
Senhores Wilhelm Hühn em Hamburg e Fröbel em Rudolfstadt de boa consciência.
A todos os amigos aí na pátria muitas lembranças, também da minha família.
Assinado: Alexander Bürger
Seleiro e colono.
More About August Alexander BUERGER:
Immigration: Sep 1857, Navio Fortuna de Hamburg até Itajaí.
Children of August Alexander Buerger and Ernestine Friederike Louise KOCH are:
Texto enviado por Juarez F. de
Souza. Sra. Elisabeth Christina RENGER que encontrou a cópia da carta
(em alemão) no Arquivo Histórico José Ferreira da Silva de Blumenau e ela mesmo
quem traduziu.
Esta carta foi publicada no jornal Goerlitzer Tageblatt como
forma de incentivar os Alemães a imigrarem para o Brasil.
Gostei muito do texto, Sr. Adalberto.
ResponderExcluirMaria Helena Ochi Flexor
Adalberto
ResponderExcluirMuito legal esta carta.
Claus Jensen
Como sempre gosto muito de suas postagens. Revivo uma época que não vivi...
ResponderExcluirPrezado Amigo Adalberto,
ResponderExcluirPor ser somente um "blumenauense por opção", ao ler sua primorosa postagem tenho a sensação que tal relato se constitui na mais detalha descrição dos tempos da fundação da colônia de Blumenau, pelo menos das que tive oportunidade de ler.
Com as devidas "vênias", um pequeno exemplo de uma colonização positiva e construtiva, bem diferente daquelas que os descobridores da Terra Brasilis nos brindaram.
Sei Blog é imprescindível e fundamental para que se entenda porque Blumenau é Blumenau!
Meu caro Adalberto,
ResponderExcluirAo lermos um texto deste nível, é inevitável a viagem ao tempo de construções, e inovações.
Eu me vejo durante uma viagem desta, e analiso a maneira de viver da época, pois é muito raro reclamações deste bravo povo que outrora construíram nossa terra.
Racionamento da alimentação e ate mesmo parada para as preparar em terra firme.
Hoje reclamamos se o restaurante não esta bem servido de garçons experientes , rápidos e eficazes , "Como somos moles"...
Caro Adalberto,
ResponderExcluirFlavio Monteiro de Mattos é meu grande amigo e compadre há há 39 anos. Sempre me encaminhou "links" do Blog, pois meu avô paterno, Heinrich Hans Wilheim Schmidt, nascido em 13 de junho de 1890 em Rostock, emigrou para o Brasil em 1911. Desembarcou no porto de São Francisco do Sul, no Estado de Santa catarina, e fixou-se inicialmente em Joinville. Casou-se no Rio em 15/12/1923 com minha avó, de origem irlandesa, Elizabeth Holliday. Trabalhou até aposentar-se nos escritórios da Malharia Arp aqui no Rio. Meu pai, Hans Heinrich Schmidt, nascido em 1922 está vivo e bem de saúde, aos 91 anos de idade. Ele costumava ir de carro (até o final dos anos 70) até Joinville e Blumenau para visitar a região. Foi um dos primeiros compradores dos compressores Shultz quando surgiram (ele é dentista, como eu)hoje largamente conhecidos em todo o país. Copiei e colei a carta de August Buerger que você postou. Tenho certeza que ele vai gostar imensamente do texto,já que seu pai fez uma viagem semelhante em 1911.
Meu avô, faleceu em Petrópolis, aonde residia desde os anos 40, em 1976 (com 86 anos) Tinha a coleção completa dos discos em 78 rpm de Wagner, já que estudava canto em Rostock quando seu pai faleceu repentinamente quando tinha 16 anos (1906). Largou as aulas de canto e fez um curso de químico para ajudar no sustento da família, até que viu um anúncio de uma drograria em Joinville para um químico. Foi respondendo a este emprego que ele emigrou em 1911. Se você não se incomodar, envie seu e-mail para ed79807@gmail.com que respondo anexando a certidão de nascimento do meu avô em Rostock (original, em alemão) e a de casamento no Rio em 1923.
Excelente a postagem. Parabéns! Mostra bem, e em detalhes, o espírito dos imigrantes alemães para Santa Catarina.
Um forte abraço,
Edgar Schmidt
Boa tarde Adalberto,
ResponderExcluirpostagem maravilhosa, relata em detalhes o que foi o cotidiano de tantos imigrantes que vieram para um mundo desconhecido e jamais pensaram em voltar. Vieram, viram e venceram.
Só hoje vi a publicação, gosto muito dessa carta. Confesso que a primeira vez que li, me emocionei bastante, principalmente por ele ser um antepassado direto meu.
ResponderExcluirAgradeço a publicação!
Meu nome é Luciano Kienolt e August Alexander Bürger é o meu tataravô. Meu avô Oswald Bürger e minha mãe Erica Bürger (casada Kienolt).
ResponderExcluirFiquei muito emocionado lendo a carta e gostaria de mais informações a respeito assim com, se possível, contactar o Sr. Juarez Fernando de Souza para falarmos a respeito da nossa família. Moro em Blumenau - SC e pode pesquisar via facebook o meu nome.
Agradeço imensamente a publicação dessa carta rica em detalhes. Foi uma viagem no tempo e sentimentos a flor da pele.
Muito obrigado.