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sexta-feira, 31 de julho de 2009

- Altos da Rua XV

“Outra belíssima crônica da escritora. Historiadora e colunista, Urda Alice Klueger, falando sobre um tema ‘A nossa querida Rua XV de novembro em Blumenau”.
Sou de lá: nos altos da Rua XV fui gerada; lá nasci na clínica de um médico que desperta as maiores saudades na família, Dr. Ernani Senra; lá vivi o primeiro ano de vida. Meus pais acabaram deixando o local quando eu fiz um ano, justamente porque tinham uma menininha que queria espaço para brincar, e foram morar numa casa na Garcia, onde acabei me criando. Mas voltei. Aos 21 anos estava, de novo, nos altos da Rua XV, no nº 1398, lugar que então se conhecia como Prédio Garcia, e que não sei como se chama hoje, mas sobre o qual ainda pretendo escrever um livro.
Voltei para os altos da Rua XV naquele tempo encantado em que amávamos os Beathles e os Rolling Stones (eu nunca deixei de amá-los!), em que se contestavam todos os antigos valores; em que Blumenau passara a fazer parte das rotas hippies, e fazíamos cândidos amigos que tocavam violão e discutiam poesia, enquanto milhares de pessoas estavam morrendo na Guerra do Vietnã. Algumas pessoas de Blumenau embarcaram no trem que passava e se foram pelas rotas hippies – eu fiquei lá nos altos da Rua XV, a ver o que acontecia mais perto. E por lá acontecia muita coisa.
Lembram do Cine Blumenau?
Eu morava bem na frente, e o grande charme daquele tempo era ir-se ao cinema, e lá vi coisas como “Inferno na Torre”, e “O Exorcista”, e “O vento levou”, e tudo o mais que Hollywood resolveu nos mandar naquela época. Ia-se ao cinema e depois se ia ao Bar do Michel, na frente, para um chope ou um cuba-libre, pois o meu tempo de ir a confeitarias já tinha passado, e também as confeitarias não ficavam naquele trecho.
Rapazes sozinhos iam ao outro bar, o Cinebar, bem do ladinho do cinema, onde, às vezes, também, nosso amigo Lelo levava sua namorada Margaret para tomar sorvete.
E tínhamos carnaval em Blumenau, naquele tempo, por mais que haja alguém que não acredite! Era só uma Escola de Samba, e que durou poucos anos, mas lembro como todos os meus vizinhos sentavam-se ao meu redor, na calçada, para ver a legítima Escola de Samba que se criara no bairro da Fortaleza, e que vinha à Rua XV mostrar todo o seu ritmo e as suas passistas.
Aconteceram coisas grandiosas, por ali, enquanto lá vivi. Uma delas foi à partida de um casal de amigos, numa madrugada, com destino a João pessoa, na Paraíba.
Explico melhor: tínhamos um jovem vizinho paraibano, que acabara de comprar uma moto cinqüentinha, isto é, de cinqüenta cilindradas. Todo o mundo vai rir agora, dizendo que tal coisa é impossível, mas naquele tempo não era. Nosso amigo Da Mata (até hoje ele vive em Blumenau e todo o mundo o conhece do IBGE) botou na cabeça que iria passar o Natal com a sua família, em João Pessoa, levando sua esplêndida aquisição – aquela moto era a última novidade do mercado. Só que queria mais alguém a bordo, receava estar sozinho pelos milhares de quilômetros. Uma amiga nossa, a Ivone, aceitou o desafio, e lá se foi de co-piloto. Numa manhã, cinco da madruga, todo o nosso prédio estava acordado, a calçada da Rua XV cheia de gente, para ver a partida dos dois. E eu garanto que eles foram e voltaram na cinqüentinha, e deixaram a todos nós pasmos, quando contaram todas as suas aventuras por 8.000 km de Brasil. Coisas assim aconteciam no alto da Rua XV. Também, em 1977, comprei meu primeiro carro, um fusquinha que, ao primeiro frio, não pegava, de manhã, de jeito nenhum, mas isto, então, não era problema. Quando eu saía pela porta do prédio, nas manhãs, diversas pessoas, automaticamente, saíam dos seus locais de trabalho, também, para empurrarem o meu fusquinha: o homem da banca, o alfaiate, o rapaz da papelaria, etc. A gente, então, não precisava pedir ajuda. E nem ter estacionamento: na Rua XV cabiam os carros de todo o mundo. Agora já não é mais assim, tenho certeza. Nem mesmo nos altos da Rua XV.
Agora, como é? Os altos da Rua XV já não têm mais cinema, já não tem mais bares da moda, já não tem mais prédios onde todos os moradores se levantam numa madrugada para a despedida de alguém que embarca para alguma grande aventura, e acho que até as aventuras mudaram muito. Há outras coisas por lá: confeitarias, lojas de calçados, até uma lojinha que parece a casinha de João e Maria, toda feita de balas e doces. A personalidade da Rua mudou, mas não sumiu. A Rua ficou muito bonita depois das últimas reformas, sim, e gosto de passar por lá. Só que algum eixo mudou de local: já não é por lá que se fazem os Carnavais, seja de Escola de Samba, seja de vitória do Corínthias, como era antes. As pessoas já nem conhecem mais a palavra “fiambreria”, depois que a Fiambreria Globo fechou, creio que a última de Blumenau. Os novos tempos vieram e os novos jovens já nem sabem mais muito bem quem foram os Beathles e os Rolling Stones. Mas os novos jovens conhecem ”Gabriel, o Pensador”, e outros do mesmo quilate, e a vida continua. Decerto que, algum dia, algum deles, no futuro, estará falando, sob sua ótica, dos altos da Rua XV, como eu o fiz agora.
Blumenau, 25 de Setembro de 2002.
Urda Alice Klueger/Escritora
Arquivo de Adalberto Day

3 comentários:

  1. Adalberto
    Todos gostamos muito da Rua XV. De extrema felicidade o texto da escritora e destaco a bela aventura que cita. Como também magnífico o comparativo da lojinha de balas e docinhos de hoje, com cara de casa de João e Maria - dos clássicos da nossa infancia.

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  2. Meu avô, Leopoldo Wachholz e minha avó Paula Wachholz eram os proprietários da Fiambreria Globo, no alto da XV de novembro. Eles eram os pais do meu pai, Claus Roger Wachholz e eu adorava ir lá (moravamos em Curitiba, pois meu pai Claus, já falecido em 1995, trabalhava na Paraná Equipamentos - Caterpillar). Muito dinamite (versão antiga do Tic Tac) eu comi, e adorava ir nos fundos da Fiambreria pois tinha cheiro de café moido. Boas lembranças, da minha infância e da minha família. Saudades eternas...

    Richard Xavier Wachholz - rixa25@hotmail.com

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  3. Eu trabalhei no Mini Mercado Fiambreria Globo entre fevereiro de 1972 a setembro de 1973.
    Foi de fato uma experiência incrível e enriquecedora.
    Ainda me lembro com afeto do Sr. Leopoldo da dona Paula e do filho Fred.

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