MINHA VIDA
PROFISSIONAL
ADALBERTO
DAY
CIENTISTA
SOCIAL, PESQUISADOR E PROFESSOR.
Faço um breve relato da minha infância e
parte da vida profissional.
Aprendi desde criança com meus pais e
avós a ter bons hábitos, trabalhos caseiros, bons costumes. Uma verdadeira lição
de vida! Muitos ao lerem esta crônica sentir-se-ão inseridos no contexto.
Hoje olho para trás e vejo que os problemas eram na verdade, os degraus para me levar à vitória. Então concluo que minhas sequelas, são os troféus de minha vitória.
Garcia Artex Souza Cruz
Revista Manchete de Outubro de 1966 - Colaboração Guenter Georg
1968-1992
Fui criado e educado aprendendo a obedecer,
respeitar, e servir.
Este
era o ambiente familiar em toda comunidade que era cooperativa, prestativa, e
em sua maioria trabalhava nas Indústrias do bairro Garcia, a Empresa
Industrial Garcia, rua Amazonas 4906, Artex, e Souza Cruz. Meus bisavós vieram
da Alemanha, tanto do lado paterno (Day) como materno (Deschamps), e
estabeleceram-se inicialmente em Brusque
e Gaspar respectivamente. Porém as origens dos meus antepassados são Ingleses (com pezinho na Irlanda) e Franceses.
Um
jovem ao ingressar em uma empresa deveria ter todas as qualidades citadas, de
preferência deveriam ser “alienados nos processos políticos, religiosos, e da
realidade do mundo”. Criava-se a mentalidade de servos e quem fosse despedido
ou recebesse carta branca
(nome dado a quem fosse demitido), era considerado pela comunidade mau caráter,
elemento "vagabundo", pessoa por vezes não grata. Saber que um cidadão perdeu seu
emprego era coisa de “outro mundo”.
Imbuído
deste espírito ou princípios “básicos
de qualificação”?, ingressei em 05/07/1968 na Empresa Industrial
Garcia, no setor de expedição, faturamento, vendas e a partir de 1971 em
recursos humanos. Foram anos de plena ditadura militar, inclusive os ex
presidentes Castello Branco, Ernesto Geisel, Figueiredo, Ministro
Delfim Netto, visitaram o bairro Garcia/Progresso.
Para muitos uma fase de crescimento
tecnológico e de nação perante o mundo. Para outros uma fase negra da história do
Brasil. Cabe a cada cidadão analisar sem ranços políticos. Minha concepção
ditadura existiu antes e pós-militares, a tal ditadura “Branca”. Muitos
não sabem usar a democracia achando ser anarquia e assim o caos social se
estabelece.
Assistencialismo
Tínhamos
assistência médica e odontológica, creche, cursos de alfabetização e um
excelente centro de treinamento, a melhor praça esportiva até o final da década
de 60 (Séc. XX) do estado de Santa Catarina, o Amazonas Esporte Clube.
Nesta praça
esportiva eram realizados vários tipos de modalidades esportivas, atletismo,
basquete, vôlei, ciclismo, futebol e outros. Também eram realizadas anualmente
festas, como comemoração do dia do trabalhador com diversas atrações e
sorteio de bicicletas e outros prêmios tanto para funcionários como também seus
filhos, festa junina, e festa natalina sempre com presentes a todos empregados
e filhos.
Boa parte dos
colaboradores moravam em casas produzidas pelos próprios funcionários da
marcenaria, com toda infraestrutura, coleta de lixo feito pela Empresa
Industrial Garcia e saneamento básico, pagando um aluguel simbólico (centavos). Depois
estas casas (a partir de 1966) foram vendidas a preços razoáveis aos empregados que então
começaram uma nova fase de reformas pinturas e até os primeiros comércios
começam a aparecer, como a loja Prosdócimo em 1967 na casa do Sr. Edelui
Massaneiro, e Calçados Hass em 1971 na residência do Sr. José de
Oliveira. Também existia a cooperativa dos empregados, onde os funcionários
podiam comprar, e ser descontado em seu próprio holerite (envelope de
pagamento).
Os empregados recebiam 2 kg de retalhos por “Zero Faltas” assiduidade ao trabalho. Nas calamidades as duas empresas Artex e Garcia sempre foram muito prestativas aos seus
colaboradores, exemplo foram a enchentes de 1983/84 e várias enxurradas no Grande Garcia.
O tempo passa ... última volta do
ponteiro
O
tempo passava e percebia que os fatos mencionados não eram bem assim, o
próprio sistema organizacional divergia de ideias melhores para o bom
desenvolvimento interno nas empresas. Constatei que nem sempre aqueles que
conseguiam uma posição melhor profissionalmente eram os mais capazes, os mais
qualificados ou inteligentes, mas sim em muitos casos os pelegos e alienados da
vida cotidiana e que viviam prejudicando os colegas e atropelando seu semelhante que se destacava,
como também algumas famílias de nomes conhecidas da região que tinham seus "privilégios".
Eram realizados avaliações de cargos, muitas vezes por pessoas despreparadas e anualmente,
quando deveria ser diariamente. Nessas avaliações nem sempre prevalecia
a verdade, pois o avaliador com receio de perder o seu cargo, fazia uma
avaliação duvidosa.
Nos testes de
promoções vários concorriam, mas nem sempre o melhor era promovido, já existia
o "candidato preferencial", apenas dava-se oportunidade aos demais para
que o mesmo “participasse”, e
pensasse que era inferior ao “vencedor ”.
Como trabalhava
em Recursos Humanos, tinha acesso a esse
tipo de informações, não sendo surpresa para muitos funcionários que
desconfiavam e comentavam essa prática enganosa.
Procurava
sempre colaborar com meus “superiores”
e colegas de trabalho, na expectativa de conseguir melhores posições
profissionais. Principalmente a partir da incorporação da Empresa Industrial
Garcia a Artex em fevereiro de 1974, exercia uma posição intermediária
entre a chefia e colegas de trabalho, era o “coringa” que ensinava e substituía
todos inclusive a chefia, e como trabalho principal Orientador Ocupacional.
Em algum momento fui considerado líder negativo,
por ter pensamentos sociais diferentes do empregador, e que não “vestia a
camisa” (se não vestia é por que não me davam para vesti-la) claro que isso
não é verdade, pois em 25 anos de empresa, muito colaborei e fui correto com
meus superiores. Os anos iam se passando e cada vez mais me decepcionando, mas
com esperanças.
Fusão Artex/Garcia em 1974
Fusão:
o começo do fim
Acompanhei a fusão das duas empresas
Artex e Garcia.
Na Empresa
Industrial Garcia, o Sr. Ernesto Stodieck Jr. Que trabalhou de 1940 até
1967, teve uma liderança e conseguiu um grande impulso para o desenvolvimento
não só da empresa como também da comunidade (anteriormente João Medeiros Jr. foi um grande diretor da EIG. fundador da PRC 4 Rádio Clube de Blumenau e Radioamadorismo em Santa Catarina). Stodieck colaborou na construção da Igreja Nossa Senhora da
Glória e do Grupo Escolar São José (atual Celso Ramos) na Rua da Glória, como
também a construção em maior escala a partir de 1941 de novas casas populares
(ultrapassando a 240 unidades), tal como foi Gustav Roeder, e o os
pioneiros desta grande organização Johann Henrich Gresvmuhl, Johann
Gauche e August Sandner. O Suíço Otto Huber, foi um dos grandes colaboradores da EIG, Foi dele a modernidade em edifícios com três pavimentos que trouxe da Europa e pôde implantar na empresa e cobrir com telhados as instalações. Sim de telhados tradicionais, já que desde a fundação em 1868 até 1926, para economizar energia elétrica, os telhados da empresa eram de vidros resistentes.
Na
Artex com a fusão boa parte dos empregados da Empresa Industrial Garcia,
passaram por “humilhações”
com poucas perspectivas de sucesso profissional, muitos foram demitidos ou
solicitaram desligamento. Fizeram questão de aterrar para sempre o magnifico
estádio do Amazonas (a partir de Abril de 1974), e acabar com o clube em
janeiro de 1975.
Além dos pioneiros Otto Huber
que trabalhou por mais de 30 anos na Empresa
Industrial Garcia, Theóphilo B. Zadrozny (nascido na Polônia e
não Brusque como muitos pensam) e Max
Rudolf Wuesch que também trabalhou na E.I
Garcia por 20 anos, a família Zadrozny (Arno, Carlos Curt, Júlio, Norberto Ingo) souberam erguer a maior
industria têxtil da América latina.
Arno Zadrozny estava sendo preparado para substituir seu pai Theóphilo no comando da organização, porém faleceu prematuramente no dia 26 de dezembro de 1965 aos 45 anos. Com isso seu irmão Carlos Curt Zadrozny foi o preparado para assumir.
Mas quando chamaram diretores técnicos para
administrar a empresa, e com a implantação do sistema rodízio a partir
de 1984, a empresa começou sua fase de declínio no cenário nacional e mundial. Na
época o sistema rodízio foi implantado para aumentar a produção e a criação de
novos empregos, era visto como uma boa alternativa para o momento difícil que
passava o setor econômico nacional. Deveria ser temporário, mas não foi. Ao
contrário que os diretores da empresa pensavam, nunca fui contra o sistema,
mas avaliava a situação como caótica para a organização. Muitos empregados se
revoltaram, igreja e comunidade em geral. Boa parte dos empregados insatisfeitos solicitaram
demissão da empresa. No mês de dezembro de 1986, 110 empregados
qualificados solicitaram demissão e em janeiro de 1987 mais 107 fizeram
o mesmo. Um número recorde em nossa cidade de Blumenau e Santa Catarina. Imagine
uma empresa perder 217 funcionários
em sua maioria altamente qualificados, o “baque” que isso proporcionou. Vários
desses cidadãos que solicitaram a demissão ou se estabeleceram por conta
própria com enorme sucesso, ou ingressaram em outras empresas, que os receberam
de braços abertos pela experiência profissional. Infelizmente neste período a
Artex teve dificuldades de contratar bons profissionais que não queriam
trabalhar na organização.
“O
empregado que não faltasse o mês todo recebia uma compensação financeira e até alimentícia,
15% a mais em seu contra cheque, se faltasse um dia sem justificativa 5% e se
as faltas ultrapassem dois dias, não recebia nenhum beneficio”.
Outros que
permaneceram foram cumpridores de seus deveres, mas sempre no aguardo de uma
solução conciliatória entre as partes. No entanto boa parcela dos colaboradores
agiu com desprezo para com a empresa, não produzindo com boa qualidade,
danificando materiais, faltas em excesso, causando sérios prejuízos à
corporação. Em 1986 (cinquentenário da empresa) foi construído uma piscina semiolímpica e um
grande complexo esportivo, para lazer dos empregados, mas nada desses
benefícios foram suficientes para amenizar o descontentamento de quem trabalhava
nesse sistema. Mesmo assim os problemas de qualidade e assiduidade continuaram. Na intenção de “forçar” o empregado a aceitar, o
assistencialismo foi enorme, em datas comemorativas exemplo dia das mães das mulheres,
eram oferecidas nas igrejas (Nossa Senhora da Glória, Santa Isabel e Santo Antônio) rosas a
cada mãe ou mulher. Mas não era isso que cada família queria, para elas o dia “Sagrado de domingo” deveria ser
mantido. E assim também pelo Natal, Páscoa e outros.
Associação Artex
Toda esta
situação fez com que a Artex, declinasse ainda mais no cenário nacional
e mundial, na sua posição de maior empresa da América Latina no ramo Têxtil.
A Greve
“Em 12 de
março de 1989, deflagrou-se uma grande greve dos trabalhadores têxteis,
culminando com uma passeata do centro até a empresa Artex, quando então,
os trabalhadores não só da Artex, mas de todas as indústrias,
solicitaram o término do sistema rodízio, como também melhores salários.”.
Esta greve
perdurou até dia 19 de março, quando houve um esfriamento (Continuou
mais dois dias) justamente em um dia que houve um jogo importante entre Blumenau
e Figueirense, os grevistas em boa parte foram assistir o jogo.
Trabalhadores em plena rua Amazonas em massa dirigindo-se para frente dos portões da Artex - Foto: CHARLES SCHWANKE
É bom salientar
que nesta época, o Presidente do Sindicato Têxtil Osmar Zimmermann, tinha recém
assumido a presidência em fevereiro de 1989, e diante de tamanha multidão mais
de 10 mil em frente ao sindicato, não restou alternativa a não ser dar apoio à
greve em assembleia realizada na oportunidade. Também na época os salários eram
melhores que nos anos 90 e no inicio dos anos 2000, o motivo principal foi
salários baixos em algumas empresas, e devido ao sistema rodízio. Os empregados
retornaram ao trabalho e receberam menos de reposição salarial que o oferecido
ou previsto pelos empresários.
Plebiscito
Com a greve, a Artex, permitiu que o sindicato
realizasse um plebiscito para saber da continuidade ou não do sistema rodízio.
Este plebiscito teve como resultado, o fim do sistema, já que a maioria dos
empregados votou contrario a continuidade.
Na realidade sou sabedor que a empresa iria
acabar com o sistema rodizio e o plebiscito foi o estopim, amenizando o
impacto dos comentários as demissões necessárias com a desativação do sistema.
Consequência
Mais de 450
empregados perderam o emprego, durante os meses de março e abril de 1989, (no final de 1988, com a desativação da Fiação FIGA e FIBLU, mais de 800 empregados foram desligados da corporação) trazendo
grande prejuízo não só à empresa, mas deles próprios e de toda a comunidade. Em
14 de outubro de 1990 houve uma grande enxurrada em todo o Garcia, que
também atingiu violentamente o parque fabril da Artex, causando enormes
prejuízos onde balançou com a estrutura econômica da empresa.
Em setembro
de 1994 a família Zadrozny perde o controle acionário da empresa, que é vendida para o grupo GP Investimentos
(Garantia Partners- sócios do Banco Garantia), lavrado em ata em 28 de
abril de 1995, desaparecendo o nome Fabrica de Artefatos Têxteis S/A .ARTEX
– para então somente ARTEX S/A . Em 01 de junho de 2000, a empresa é
novamente vendida desta vez ao Grupo Coteminas - e doravante a empresa
passou a possuir uma nova razão social passando a denominar-se Toália S/A -
Indústria Têxtil . - Filial da Empresa Toália de João Pessoa –
Paraíba, mas ainda com participação do grupo Garantia. A ex empresa Artex S/A
muda de razão social para atender interesses próprios e de seus acionistas, com
o nome de Kualá S/A em junho de 2000. E finalmente em 09 novembro de 2001, o
grupo Garantia, sai do controle acionário, e a empresa adota o nome de COTEMINAS
– Companhia de Tecidos Norte de Minas. E finalmente em 06 de janeiro de 2006, COTEMINAS
S/A.
Este é um
pequeno relato de alguém que colaborou, tinha raízes, pois morava próximo a
empresa (60 metros), atualmente como cientista social e pesquisador da
história, preservo a história do bairro e das duas empresas, por carinho,
gratidão e necessidade de um resgate histórico do grande Garcia, pois a empresa
desativou todo acervo magnífico que possuía. Posso dizer que sinto orgulho de
ter trabalhado nestas duas empresas que foram uma grande “Escola da Vida”
e me projetar como cidadão.
Por
divergências de opiniões e pensamentos, preferi negociar meu
desligamento em 03/12/1992, sem mágoas a organização (por mais que aqui possa transparecer - lembrando sempre que sou pesquisador e cientista social) por isso preservo um
acervo particular de um resgate histórico que começou, por volta de 1960,
podendo dizer com orgulho que essas duas empresas, foram à alavanca para o
progresso não só do bairro como também de Blumenau.
1993 - dias atuais
Então fui
lecionar, encontrei pessoas que me apoiaram, direção, comunidade, alunos, fui muito bem recebido, apesar do descaso das autoridades com o ensino. Adorei
ser professor de História, Filosofia, Geografia, Sociologia no
ensino médio e fundamental, um cargo digno. Sinto muito orgulho
de ainda ser chamado de “Professor”.
Trabalhei com
palestras de Motivação Profissional e elaborando planilhas e apostilas para
vários palestrantes ... Bons tempos.
Hoje
aposentado profiro palestras (a partir de 2012 com problemas sérios de saúde, comecei a diminuir minhas atividades) sobre história de Blumenau e em especial do Grande
Garcia, em Universidades, entidades de ensino em geral, 23 BI, turismo,
empresas. A própria empresa que me demitiu, me contratou para palestras,
mostras e outros, mostrando o reconhecimento do trabalho que desenvolvia.
Trabalho com pesquisas, dou entrevistas em rádios, TVs, participo de trabalhos desde graduação até doutorado/mestrado, escrevo para diversos livros e revistas, como também jornais. Já participei de vários vídeos, seriados e outros.
Blumenau,
Janeiro de 1993
– com inserções em 2001 , 2003 e alguns adendos em 2014 , 2015 e 2019.
Atenciosamente
Adalberto Day/Cientista social e
pesquisador da história.
Arquivo de Dalva e Adalberto Day