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segunda-feira, 27 de setembro de 2010

- ¨ A historieta do TORNA - PÓ ¨

Apresentamos hoje mais uma crônica belíssima, com o renomado Niels Deeke - Memorialista em Blumenau

- UM COLOSSAL E CICLÓPICO ENGENHO QUE, EM 1952, ESCAVOU O SOLO DE BLUMENAU.

A historieta do ¨ TORNA-PÓ ¨ - um trator gigantesco, adquirido em 1952, por Hercílio Deeke para a Prefeitura de Blumenau e que então deslumbrou-nos pela versatilidade das funções desempenhadas.
Transcorria o ano de 1952, quando foi adquirido, pela P.M.B., um enorme trator - com duas lâminas desbastadoras, uma dianteira e outra central, dotado de escarificadores ( Cat Scraper), cilindros compressores - liso e denteado - e, ainda no intermédio da imensa estrutura, possuía a caçamba transportadora para cerca de seis metros cúbicos de terra. Movimentava-se sobre descomunais pneus que superavam a estatura de pessoa com 02 metros. O peso do monstrengo era tanto ( Aprox. 40 toneladas) que para trazê-lo, apesar de desmontado em duas partes, do porto de Itajaí à Blumenau, foi necessário escorar diversas pontes da antiga estrada estadual ligando as duas cidades e, mesmo assim, a “Ponte das Canas”, ainda construída em madeira e que situava-se no limite entre Gaspar e Ilhota, foi irremediavelmente avariada e logo substituída, quando as despesas correram por conta da Prefeitura de Blumenau. Naquela época Ilhota ainda era distrito de Itajaí e então o Prefeito de Itajaí – Sr. Paulo Bauer precisou deslocar-se diversas vezes até os locais das avarias para acertar em conjunto com Hercílio Deeke os consertos necessários, pois o Estado eximiu-se de custear os reparos, cuja responsabilidade certamente cabia à Prefeitura de Blumenau. Sua marca era “LE TOURNEAU”, fabricado pela Caterpillar, e modelos simplificados são utilizados atualmente na construção das grandes rodovias –os chamados tratores transportadores com emblema “Euclid”. (Euclid Road Machinery Co.). O modelo importado pela P.M,B. (zero km) era denominado “ Tourneau-Pull ”, fabricado pela Caterpillar, também grafado ¨Tournapull¨ (Pull = de arrasto), denominação que continha expressão mista franco-anglicana e a qual os operários da PMB, transliterando a pronúncia do exótico termo, chamavam de “ TORNA-PÓ ”, em razão de não conseguirem articular aqueles vocábulos exóticos.
Observe-se que naquela época todo e qualquer serviço de Oficina, manutenção, consertos e reparos, dos veículos e máquinas da P.M.B. eram executados pelos mecânicos funcionários da prefeitura e no próprio recinto desta, em oficina adrede localizada nos fundos do Paço Municipal.
Foto de um ¨ Torneau-Pull¨, idêntico ao que, em 1952, foi adquirido pela Prefeitura de Blumenau.

Posta em ação, rapidamente a potente máquina ¨Torna-Pó¨, demoliu o restante do antigo Morro dos Padres – secção leste - que era constituído de sedimento metamórfico, muito mais consistente que o barro, entretanto quebradiço e assemelhado à chamota – malgrado serem necessárias pequenas explosões em certos aglomerados de rocha mais sólida, de cor vermelho-roxa. É da mesma formação a rocha arenito-metamórfica encontrada no morro da Boa Vista - Morro da Banana, e defronte deste, na margem esquerda do Itajaí Açu, na antiga e verdadeira Fortaleza, conquanto a taipa, dita paredão da Fortaleza, junto ao rio Itajaí Açu, já não mais exista, e cujo material igualmente foi removido pela referida máquina - enfim trata-se da nossa conhecida pedra arenito de cor roxa, tendo o material da remoção do Morro dos Padres, servido para aterrar a grande depressão do terreno atrás do Teatro Carlos Gomes, onde atualmente encontra-se edificado o prédio que abriga a agência da Caixa Econômica Federal. Contudo todo o aterro foi insuficiente para elevar os níveis do grotão à alturas maiores, permanecendo, o solo, em níveis com cerca de quatro metros abaixo da rua 07 de Setembro, scilicet o subsolo da “Casa Royal”, que ainda atualmente é bastante profundo, apesar do volume de o aterro que recebeu. Os terrenos que serviram para abrigar o “Parque de Diversões” construído especialmente para os festejos do “Centenário de Blumenau”, foram, então, definitivamente aterrados, bem como parte da depressão da lavoura dos padres, no exato lugar onde hoje encontra-se edificado o Shopping NeuMarkt e ainda procedido o alargamento das ruas adjacentes. O trator, cerca de dois anos após a conclusão da remoção do morro até o ponto em que atualmente se encontra escavado e de ter alargado ruas na “Fortaleza” e Itoupava Norte, com destaque ao aterro e construção da galeria na foz do ribeirão da Toca da Onça na atual rua das Missões, bem como do leito desta, e do “Morro da Maternidade”, foi vendido em razão da absoluta impraticabilidade de seu emprego na continuidade dos serviços locais, cujas peças de reposição, por não haverem disponíveis no país, precisavam ser buscadas, pessoalmente por funcionário da PMB, no Uruguai, além de, no município, só haver um único tratorista capaz de manobrá-lo, e nos lembramos de sua pessoa que residia no alto da rua Floriano Peixoto, junto ao Colégio Pedro II. A máquina consta nos relatórios administrativos de Hercílio Deeke, ano 1952 pag. 18 como “Tournapoulll” modelo D. Roadmaster , adquirido em 1952 por Cr$ 521.000,00 e sem dúvida, naquele época, foi um “gigante na abertura das estradas de Blumenau”, além de ter sido, então, o maior dos complexos buldôzeres utilizados na abertura das estradas em Santa Catarina, razão porque é estranhável que administrações municipais bem mais recentes, numa época de tamanha tecnologia, não tenham se interessado na aquisição de tais rasgadores de estradas para resolver, de vez, a questão da ligação Velha Grande-Garcia, através do ribeirão Cego e da tão almejada ligação Terceira Vargem-Schmidt-Rússia com Botuverá , Guabiruba e Brusque, além da ligação Encano-Garcia, via ribeirão Caeté, no sopé do Spitzkopf. Dessarte até 1949, quando foi, a título precário, escavado o Morro dos Padres possibilitando o trafego pesado, os moradores da rua 15 de Novembro e seus confrontantes penaram pela convivência, principalmente desde o fim da Grande Guerra, com as nuvens de poeira, o barulho e o perigo que para as crianças representavam aqueles enormes e compridos transportes, ditos reboques, trazendo, da serra, madeira para exportação em Itajaí. A maioria, dos caminhões, trazia encravada na dianteira, a marcas GMC - diversos modelos, inclusive com o famoso motor marítimo; além dos potentes Mack, modelos Diamond e outros. Destes últimos da marca Mack, havia diversas unidades bem cuidadas que pertenciam à Cia. Fábrica de Papel Itajaí, e que em virtude de trazerem fixada no capô a insígnia de um Buldogue, dizia-se que precisariam parar à cada poste que pela estrada aparecesse, pois o cachorro que portavam como emblema assim exigia para satisfazer suas necessidades de desbeber.

O Super Trator da PMB - o monstrengo para a época - Le Tourneau Pull  Caterpillar, - operando, por volta de 1952/53, na Rua Itajaí. O trator possuía outros equipamentos acopláveis que não constam da foto, como os escarifadores de solo e rolos compressores de compactação. (foto enviada por Wieland Luckfeld.
 
O tratorista do ¨Torna-Pó¨,cujo nome nos escapa à memória, era muito relacionado ao funcionário da Prefeitura Sr. Alcides Corrêa da Costa, originário do nordeste do país ( tinha um sotaque algo carregado e que exercia cargo de fiscalização de obras da PMB- utilizando em 1952 uma motocicleta marca “Puch” - Fiscal da DOP - cargo classe “M”- aposentado pelo decreto de 21 de setembro de 1964- por ter completado 25 anos de serviço na PMB- e por participado nas operações da 2a. Grande Guerra na Força Expedicionária Brasileira) . Junto com o Sr. Alcides, e com toda sua família- esposa, filhos e filhas, parentes deste e o referido tratorista do “Torna-Pó”, enfim umas doze pessoas, segui – eu Niels Deeke - no ano de 1952, em caminhão coberto de lona, transportando uma bateira e redes de pesca para acampar nos matos da última lagoa da Praia Brava, em Itajaí. Não era propriamente uma lagoa, mas o estuário na foz do riacho Araribá que fazia divisa entre o antigo município de Camboriú e o de Itajaí. Lá ficamos desde a noite de uma sexta-feira até domingo a tarde, pescando com redes de espera as tainhotas escondidas nos profundos solapões da margem do riacho. Era preciso espantá-las daqueles socavões e nos arriscávamos nadando e batendo a água depois de armadas as redes desde o fundo do rio, até o alto sobre a água - na atmosfera - aonde as erguíamos com varas de bambu, pois as tainhas eram apanhadas “no ar” , caiam nas redes frouxas ao vento, quando saltavam do rio acossadas e foi mesmo possível acertá-las em pleno vôo a tiro, quando à guiza de perdigões ou narcejas, foram, abatidas, no pulo, em pleno ar, ao alcançarem cerca de 1,5 metros de altura. Foi certamente um espetáculo digno de ser apreciado, acertá-las com uma chumbeira - calibre 16 cano duplo - entretanto, já no sábado comemos tanta tainha frita preparada pelas mulheres, condição que acabou por provocar-nos indolência e preguiça. Soubéssemos, então, que justo naquele ponto no qual atiçávamos as tainhas, havia, pelo menos um, enorme jacaré que, após passados poucos anos, assistimos, pessoalmente, matar, não nos atreveríamos em adentrar aqueles solapões para espantar as tainhas. Reporto este episódio porque, enquanto refestelados nas redes de dormir, imaginávamos como seria produtiva a pesca acaso conseguíssemos esgotar toda a água da lagoa, rasgando um sulco de vazão para o mar fronteiro, e nisso o tratorista do ¨ Torna-Pó ¨, colega naquela pescaria, brincando dizia : ¨ é tudo muito fácil, é só Niels conseguir autorização do pai para trazermos o ¨Torná-Pó ¨ que em menos de duas horas faço o canal e vocês poderão apanhá-las no seco e então comer tainhas o ano inteiro ¨. Ora, pois sim !
Foto: Caterpillar Motor Scraper, modelo idêntico ao que, nos anos 1952/53, rasgou as estradas em Blumenau
O trator “LeTorneaupoull - Roadmaster”, - Torna-Pó - foi vendido, em 1953, pela PMB, à empresa “ETUC” ( após Entuco), empresa de engenharia e empreiteira da qual era engº o Sr. Wilson Gonçalves, do Rio de Janeiro, pelos mesmos Cr$ 521.000,00 gastos na sua aquisição. (Y)
Y VENDA DA MÁQUINA TOURNEAUPOUL - ROADMASTER Vide Relatório Neg. Adm. Pref. Hercílio Deeke ano 1953 p. 21 .

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Niels Deeke Memorialista em Blumenau SC - arquivo Niels Deeke/Adalberto Day

4 comentários:

  1. Caro Adalberto, nossos sinceros agradecimentos ao Dr. Niels Deeke por sua generosidade em nos brindar com mais uma amostra fidedigna de seu vasto acervo particular. Oxalá possam os descendentes do valoroso manobrista do "Torna-pó" tomar conhecimento deste precioso material e enriquecê-lo fornecendo o seu nome ao blog. Esta matéria nos leva à reflexão. Quem nunca se perguntou como e quando surgiu aquele paredão do Morro dos Padres? Esta matéria lançou uma importante luz sobre o assunto e seria muito interessante se ela pudesse ser ampliada com um relato sobre a abertura da Rua Sete de Setembro. Da mesma forma, seria muito bom conhecer os primórdios do surgimento da Beira-Rio, obra executada pelo prefeito Carlos Curt Zadrozny, mas que, como pode ter acontecido em outras administrações, talvez tenha tido algum tipo de planejamento anterior. Talvez o Dr. Niels Deeke possa nos honrar com sua contribuição a respeito destes assuntos. Um grande abraço!

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  2. Ótima a narrativa do Niels Deeke sobre essa máquina ! Oxalá venham máquinas maiores para executarem as obras que Blumenau precisa urgente, como é o caso da ligação Velha-Garcia. Vão ser necessárias grandes máquinas perfuratrizes para cavar os túneis que a obra necessita.
    Abraços e obrigado por compartilhar esse texto !

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  3. O dr. Niels Deeke sempre generoso em nos brindar com esses resgates tirados do seu infindavel baú particular de preciosidades históricas, principalmente esse, o "Torna-pó", que veio com muita tainha e até um jacaré. E também aquela homérica da insignia de um Buldogue que os potentes Marck(s) traziam no capô suscitando a piada que não podiam deixar passar um poste sem parar o caminhão para... desbeber. Bem, depois dessa só nos resta seguirmos o caminho contrário, levantamos o copo então: EIN PROSIT.

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  4. misume Parabéns por mais esta contribuição. O Niels nos transporta para o tempo de suas narrativas.
    Miriam S. Mesquita

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