Por Gervásio Tessaleno
Luz/professor escritor.
Esporte e Lazer
Era
um craque em dois campos: o do futebol e o da crônica esportiva. Aurélio Sada, o
Sadinha, que nos deixou dias atrás, jogou pelo Palmeiras e escrevia no diário A
Nação.
Mesmo
os não-fanático pelo esporte bretão, liam, com prazer, sua coluna. Levou o
humorismo ao terreno árido do comentário pebolístico. Lembrava, pela fina
ironia, Stanislaw Ponte Preta, de quem era fã.
Seus
trocadilhos (era mestre!) deixam saudades. Conversávamos numa esquina quando
surgiu Alcides Machado, o alfaiate elegante. Para provocá-lo, disparei:
-
Alcides faz ternos a machado.
Contestou:
-
Absolutamente. Não vês o nome da alfaiataria dele? Capri. É que ele faz
caprichosamente as confecções.
Observador
atento, passou-me estes episódios:
-
Antigo comentarista de uma rádio blumenauense, depois dedicado à política,
registrou o nascimento de outra filha de um amigo, mui estimado, terminando por dizer: “ Ao fulano de tal, nossos
cumprimentos pelo nascimento de sua terceira rebenta”.
Essa
ficou famosa aqui na praça. Há muitos anos, jogavam duas equipes da 2 Divisão
da Liga Blumenauense de Futebol naquela beleza de praça de esporte que era da
extinta Empresa Industrial Garcia (foto). Em dado momento da partida, a bola saiu do
campo, quando o narrador da mais antiga emissora da cidade falou: “ A bola se
perde pelo lado das gerais. Aliás, os dois lados aqui são laterais, porque o
estádio não tem arquibancada”.
Durante
certo tempo, andei à cata de súmulas de jogos arquivadas na LBF para ver o que
declaravam os juízes representantes da entidade no preenchimento das mesas.
Numa dessas súmulas, no espaço destinado às declarações do árbitro, que dirigia
uma pelada sem qualquer incidente, estava escrito: “Não houve nada de normal".
- Este jogo teve até bola quadrada, como diria
o meu amigo Mano Jango (João Vieira).
Palmeiras Esporte Clube -Da (E) para a (D) em
pé: Adalberto-Augusto-Osni-Nelsinho-Antoninho e Ludin. Agachados
Jonas-Nadinho-Teixeirinha-Sadinha e Marzinho.
“ Matando saudades”
Aurélio Sada
Esporte & Lazer
Extraída
da edição de 10 de janeiro de 1950 do jornal A Nação, merece constar de
“Blumenau em Cadernos”, pelo aspecto interessante do relato, a seguinte matéria
de autoria de Heitor Ferraz sobre um dos muitos clássicos do futebol do passado
de que participou com a camisa do Brasil, lá por 1930, quando tinha cerca de
uma década a rivalidade entre os clubes mais populares da cidade: “ Ano de 1930,
jogo do Blumenauense x Brasil. O campo está cheio, não sei se é na Sociedade de
Ginástica ou na Rua das Palmeiras, tem tanta gente que eu não posso ver. Os
segundos quadros terminaram de jogar, e agora Vêm eles, os bichões dos
primeiros.
É agora. Lá
vêm Weege I, Weege II, Emílio, Heitor, Natal, Marquardt, Mário, André, Aristeu,
Probst, Patesko. Brasil! Brasil!
Lá vêm Koenig,
Schadrack, Kilwagem, Wehmuth, Menny e Werner;Mayer, Meisner, Guido, Pedrinho,
Kapp. Blumenauense! Blumenauense! Uma nuvem
apaga o campo, de repente.
Bate-bola. O
juiz chama e os vinte e dois se alinham. Aristeu dá o pontapé que põe tudo em
movimento. Meny pula em cima da bola. Começa a disparada, arremessos, recuos,
esbarrões.
André chuta
alto, Mário recolhe e atira, mas Koening salta e abraça. Blumenauense, Blumenauense,
Blumenauense! Meisner serve
Kapp e este procura a área, mas Weege alivia. Natal atrapalha, Patesko raspa,
Pedrinho entra, manda rasteiro e Weege engole a bola.
Blumenauense 1
x Brasil 0.
A bola vai ao
centro, Blumenauense, Blumenauense!
O barulho é
tão grande que ninguém escuta. O jogo continua quente.
Palmas, com as
mãos e os sapatos, brados, guinchos, assovios, delírios. Os corações estão
todos off-side. Intervalo.
O segundo
tempo muda o jogo, mas os gestos e as palavras são os mesmos, e o resultado é
outro. Brasil, Brasil, Brasil!
O resultado
foi de 2 x 1.Os nomes dos clubes e dos jogadores esparramam-se ao ar, como confétis
sincronizados. O onze vencedor sai arfando, capengando, suando e sorrindo. Um
apanha a bola esquecida no chão e leva-a debaixo do braço. Ninguém se importa
com a bola. “Entretanto, se não fosse à bola, não haveria futebol”.
- Friedenreich em Blumenau
(1941) Aurélio Sada/Ex craque do
Palmeiras e foi um dos colaboradores da revista.
A
edição de Cidade de Blumenau de 24 de maio de 1941, quando tinha Antônio M.
Bertoli e João Vieira a dirigir a seção de esportes, trouxe em uma de suas
(poucas) páginas, escrito de Luiz Reis intitulado Conversando com “El Tigre”,
numa ocasião em que o paulista Arthur Friedenreich, de todos o maior atacante
do futebol brasileiro do passado, visitava Blumenau, além de outras cidades
do Estado, desfazendo aqui, ele próprio,
a persistente “verdade” de que era filho de Santa Catarina.
Nome
de larga projeção no futebol mundial, como um de seus mais habilidosos e
terríveis goleadores de todos os tempos, entre outros detalhes, citou Fried um
fato verdadeiramente impressionante, ocorrido no único jogo perdido pelo
extinto Paulistano, ao efetuar longo giro pelos gramados da Europa, onde perdeu
só uma vez (0 x 1), na França: somente na primeira fase foram marcados 35
escanteios contra o time local da Sete, número jamais registrado em futebol. E
nada de bola entrar, para pelo menos igualar a contagem e manter a
invencibilidade paulista no Velho Mundo.
Pelé e Friedenreich
Se
Friedenreich, convidado pelo presidente da Liga Blumenauense de Desportos,
apitou mesmo a partida entre Brasil e Amazonas, valendo para o turno do 1º
campeonato organizado pela entidade dirigida por Alfredo Campos, nada se soube
pela imprensa, recebendo o antigo e famoso dianteiro inúmeras demonstrações de
apreço e admiração durante sua permanência na cidade, onde esteve para tomar
conhecimento de outros detalhes de suas raízes familiares.
Há
pouco menos de 64 anos daquele momento históricos para Blumenau esportiva, vale
transcrever a matéria redigida pelo saudoso Luiz Reis sobre revelações feitas
por Fried, quando o Café Pinguim era o ponto de convergência de torcedores
apaixonados pelo futebol, dados a fococas ou coisas sérias.
35
ESCANTEIOS
“Com
grande contentamento, fomos encontrar Arthur Friedenreich no Café Pingüim,
tarde de 4 feira, cercado de uma roda de desportista locais que, por vez, trocavam uma extensa rodada de “duplos”
deliciosos da Antárctica Paulista (não é reclame). Depois de um pequeno
reconhecimento de terreno, avançamos e tomamos parte ativa na “blitzkrieg”
Antarctica, ao mesmo tempo que assestávamos as nossas baterias auditivas em
direção ao rei do futebol,que, com sua jovialidade e simpatia, era, naturalmente,
o centro de atração daquele círculo.
Fried,
amavelmente, respondia perguntas incessantes que de todos os lados lhe
endereçavam, já a serviço profissional, em Blumenau, a qual a primeira vez
visita. Falou de família, de seus parentes aqui, os quais tinha vontade de
conhecer pessoalmente, e os catarinenses ficaram um tanto desconsolados em
saber que contrariamente ao que se propala, “El Tigre” não é barriga-verde, mas
sim paulista. Seu avô, porém, foi um dos fundadores da comunidade blumenauense
e seu pai é nosso conterrâneo. Depois, chegou a vez dele falar alguma coisa da
sua extraordinária e inigualável carreira futebolística.
Modestamente,
Friedenreich falou como ocorreu o lance que deu a vitória aos brasileiros, no
célebre campeonato sul-americano de 1921. Atribuiu ao não menos famoso Neco o
mérito desse grandioso feito, explicando: Neco, de posse do couro, no campo
uruguaio, driblou dois adversários e atirou em gol. A bola bateu na trave,
voltou ao gramado e Varela, o grande beque uruguaio, cabeceou, mas Fried
investe e impedindo a ação daquele zagueiro, coloca a pelota no canto esquerdo
da meta dos nossos terríveis competidores, conquistando assim o único tento
daquele memorável match. Fried diz que, depois de Scarone, Neco foi o melhor
atacante que conheceu.
Jornada
gloriosa do Paulistano, na Europa. Vitórias consecutivas. A única derrota,
frente ao Sete, o grande craque acentua que não costuma apresentar desculpas
para os insucessos dos jogos em que atuou, mas, a uma pergunta curiosa,
responde que como é freqüente em futebol, a célebre vitória do clube francês
foi, a seu ver, uma dessas fatalidades da sorte. Adversário inferior, mas
entusiasta. Campo diminuto e coberto de neve, que abundantemente caía na
ocasião. Logo de início, os franceses atacam e a pelota, interceptada por
Barthô, “espirra” no pé deste e vai aninhar-se na rede, desarmando Nestor.
Depois desse feito, os europeus colocam-se inteiramente na defesa, anulando
todos os ataques dos brasileiros.
Trinta
e cinco escanteios, só no primeiro tempo (coisa nunca vista em futebol) foram
consignados contra o Sete, nesse jogo. Mas o Paulistano caiu vencido pela
contagem mínima.
Falou-se
na decadência do nosso Futebol. Arthur Friedenreich, como pudemos observar, não
se sente bem em tocar neste assunto. Revela que foi um dos fundadores da liga
de profissionais em São Paulo, mas visava uma outra finalidade que não a do
simples mercantilismo.
A
preciosa palestra ainda continua, cheia de evocações dos áureos tempos em que
Fried e seus comandados faziam todas as nações do mundo curvarem-se ante o
Brasil, nos campos de futebol, tornando a nossa terra melhor conhecida lá fora.
Por
último, deu a todos nós uma boa notícia: a pedido, apitará a próxima partida do
campeonato, Amazonas x Brasil, no primeiro domingo de junho.
Com
esse feliz remate, terminou a nossa tão desejada conversa com o soberano, ainda
não destronado, do futebol mundial.”
Gols,
pênaltis perdidos e o fim.
Há
quem diga que Arthur Friedenreich tem reconhecido e registrado, na Fifa, o
exagerado número de 1329 gols em 1239 jogos, números apurados, não se sabe por
quem, a um tempo em que os jogadores atuavam bem menos que a atividade de Pelé,
mas é preciso assinalar que Fried cumpriu carreira bem mais longa que o Rei.
Aqui
no Brasil, já houve quem somasse partidas (oficiais) e tentos anotados pelo
inesquecível artilheiro em 561 e 554, respectivamente, no período de 1909 a
1935, portanto, numa carreira em torno de 26 anos.
Por
outro lado, a tão explorada lenda de que Friedenreich nunca desperdiçara um dos
diversos pênaltis que chutou, carece de verdade. Vários deles não chegaram a
ser convertidos pelo craque que ficou na história.
O
dianteiro do pé esquerdo tão temido por goleiros do país e fora dele, nasceu em
São Paulo no dia 18 de julho de 1892, morrendo lá mesmo a 6 de setembro de
1969, não sem passar pelos dissabores de uma velhice em que viu apagar-se,
pouco a pouco, seu extraordinário nível de popularidade, tornando-se esquecido
por gerações que foram se sucedendo e dele apenas ouviram falar.
Na
lei natural das coisas, deu em acusar problemas de saúde de todo inevitáveis,
transformado-se em vítima – mais uma – do ostracismo a que são atirados, sejam
quais forem, os predestinados ao sucesso e à fama de suas habilidades pessoais.
Arthur
Friedenreich não foi exceção no acaso da vida, desaparecendo em meio à presença
e abraços confortantes de amigos e admiradores (poucos) que deixou, curvando-se
à ação do tempo, inimigo infalível e implacável do papel que nos é ditado para
curtirmos nossas passagens pela vida afora.
Revista Blumenau em Cadernos -
Fundação Cultural de Blumenau/TOMO XLVI Julho/agosto 2005 número 7/8
Arquivo de Adalberto Day
Arquivo - 08/09/1969 ESPORTE JT -
FUTEBOL FRIEDENREICH ARTHUR
Pelé e Friedenreich - Produção
Foto PB
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