RELEMBRANDO A ERA DAS GRANDES SALAS DE CINEMA - MOMENTOS
INESQUECÍVEIS
Por Carlos Braga Mueller/escritor e jornalista em Blumenau
Nunca é demais recordar o importante papel das duas principais
salas de cinema, Cines Busch e Blumenau, para a diversão dos
blumenauenses durante oito décadas..
Depois de usar o Salão Holetz durante mais de 35 anos para suas
exibições cinematográficas, o Cine Busch resolveu construir um prédio próprio,
o que aconteceu em 1940, quando foi inaugurado o então novo Cine Busch (bem ao
lado do Salão Holetz). Suas linhas "art dèco" chamam a atenção até
hoje, embora o cinema já tenha sido desativado e o prédio reformado,
guardando a característica quase original da fachada.
Onze anos depois - 1951 - era registrada a inauguração do
Cine Blumenau, que veio para concorrer com o Busch, e assim durou até que
alguns anos depois os dois foram incorporados por uma empresa da capital, os
Estabelecimentos José Daux, que mantinham o monopólio de quase todos os cinemas
de Florianópolis.
Durante 4 décadas o Cine Busch reinou absoluto em Blumenau, como o
único cinema do centro da cidade.
Existiram, a partir da década de 40, os cinemas de bairro: o
Cine Garcia, na Rua Amazonas, e o Cine Mogk na Itoupava Norte.Mais tarde viriam
o Atlas na Vila Nova.
Mas na área central o Busch era o único.
Até que em 1951, por iniciativa de Antônio Cândido de Figueiredo,
foi inaugurado o Cine Blumenau.
Quase 1.300 lugares, distribuídos na platéia e balcão, davam
ao novo cinema a dimensão que tinham que ter os cinemas da época: grandes e com
telas gigantes !
Depois de pronto o prédio, especialmente construído para abrigar o
cinema, foi marcada a data da inauguração: 28 de julho de 1951, uma
sexta-feira.
Filme de estréia: uma super produção romântica de capa e
espada:"As Aventuras de Don Juan" (The Adventures of Don
Juan), com Errol Flynn no papel do herói, e mais Viveca Lindfors, Robert
Douglas, Alan Hale, Ann Rutherford e outros, com direção de Vincent
Shermann.
A comunidade blumenauense atendeu em massa o convite para
prestigiar a primeira sessão do Cine Blumenau, conforme ficou registrado em
foto histórica, cujo original faz parte do Arquivo de Blumenau.
Os ternos, gravatas, vestidos da moda, deixaram os armários
e todos se vestiram a rigor para assistir As Aventuras de Don Juan.
Antônio Cândido de Figueiredo, o proprietário, e seu filho
Caetano, recepcionavam as autoridades, convidados especiais e
amigos na ampla sala de espera.
Quando todos estavam em seus lugares, cinema lotado, o gongo soou
e as luzes apagaram. Apenas permaneceram acesas as luzes-guia, amarelas e
vermelhas.
Na grande tela, logo após a exibição de um jornal cinematográfico
e trailers, foi projetada a logomarca da Warner Bros, anunciando o filme
em cartaz.
Até então, o Cine Busch tinha a exclusividade de exibir os filmes
de todas as companhias cinematográficas; com a chegada de um novo cinema cada
empresa ficou com determinadas companhias. Coube ao Cine Blumenau exibir os
filmes da Warner Brothers em nossa cidade.
AS EMOÇÕES VIVIDAS COM O PRIMEIRO FILME
Após uma decepção amorosa na Inglaterra, Don Juan (Errol Flynn) é
chamado de volta à Espanha para ser o instrutor de esgrima da academia real.
Ao chegar, Juan encontra a bela Rainha Margareth (Viveca Lindfors)
e o rei Phillip III, este manipulado pelo perverso Duque Le Lorca.
Le Lorca planeja utilizar quase todas as reservas do país para
aumentar as tropas militares, mas a rainha abre os olhos de Phillip e o convence de que o povo precisa mais dos recursos do que o exército.
Para continuar com seu plano, Le Lorca precisa dar um fim em
Margareth e então planeja um atentado contra ela.
Fazendo o que sabe de melhor, conquistar as mulheres, Don Juan
toma conhecimento dos planos de Le Lorca e junto com seus leais aprendizes de
esgrima ergue sua espada e trava uma batalha contra os traidores a fim de
salvar a amada rainha das garras da morte.
O filme tinha 110 minutos de duração, quase duas horas, que
passaram sem que os espectadores ficassem entediados, porque todos
divertiram-se muito com as peripécias de Errol Flynn, então um dos maiores
astros de Hollywwod.
Na saída, os cumprimentos que a família Figueiredo recebeu
comprovaram a satisfação dos blumenauenses, que agora tinham mais um cinema na
cidade, e este era maior e mais moderno que o Busch.
FATOS CURIOSOS
A TELA DO CINEMASCOPE EXIGIU REFORMAS
Quando em 1955 foi anunciada em Blumenau a novidade do
Cinemascope, com "som estereofônico", todo mundo ficou curioso.
O Cinemascope deixava de lado as telas quadradas e abria o
panorama para ambos os lados, constituindo-se em uma tela retangular ... e
enorme.
A tela comum do Cine Blumenau, onde a novidade seria instalada, já
era grande. E iria ficar maior ainda.
O palco do cinema era ornado com duas belas colunas gregas, uma em
cada lado.
Para proporcionar a tela cinemascope as colunas foram retiradas.
E assim, Blumenau teve acesso às projeções de filmes através
das "lentes anamórficas", que abriam a imagem para os lados e
deixavam todos encantados com uma bela visão de atores e cenários mais amplos.
A estréia do Cinemascope em nossa cidade deu-se com bastante
propaganda pelo rádio e jornais.
No dia 5 de agosto de 1955 foi exibido o primeiro filme pela nova
técnica: Caminhos Sem Volta, um emocionante drama sobre corridas de
carros, o que seria hoje a Fórmula 1.
OS BICICLETÁRIOS
Naqueles tempos era grande o número de pessoas que andavam de
bicicleta em Blumenau.
Além de usarem este veículo para ir ao trabalho, era na bicicleta,
também, que iam ao cinema.
Por isso, o Cine Blumenau não se descuidou e montou, na lateral do
prédio, um grande "bicicletário". Eram dezenas de encaixes para a
roda dianteira da bicicleta. Ali o veículo ficava guardado em segurança até o
final da sessão, sob os olhos vigilantes de um jovem, o Bubi, que se
tornou figura muito conhecida na época.
Já o Cine Busch tinha no porão um local para se guardar as
bicicletas.
CORRIDA PARA NÃO PERDER O ÔNIBUS
Um problema sério enfrentado por aqueles que iam ao cinema antigamente
era quando o filme ultrapassava o tempo normal, geralmente de uma hora e meia.
Se a sessão passasse das 10 da noite, e você não tivesse carro,
moto ou bicicleta, perdia o último ônibus para os bairros.
Era muito comum ao final da sessão, mesmo antes da palavra FIM
aparecer na tela, o público levantar-se e ir saindo do cinema, para não
perder o ônibus.
Alguns até sacrificavam o final do filme e saíam correndo ...
pescoços voltados para trás ..os que moravam nas Itoupava e na Velha
atravessavam a Rua 15 de Novembro para acessar o ponto de ônibus que ficava
um pouco antes da Casa Willy Sievert . Para quem ia ao Garcia, era
mais fácil: o ponto ficava em frente ao cinema. A Rua 15 tinha duas mãos de
direção, subia e descia...
A ENCHENTE ACABOU COM O CINE BLUMENAU
Na enchente de 1983, contrariando todas as expectativas de nível
do Rio Itajaí-Açu (mais de 15 metros acima do normal), o cinema foi invadido
pelas águas. Poltronas encharcadas, piso solto, situação de desespero da
comunidade foram motivos suficientes para os donos do prédio acharem outro
destino para ele: seria ocupado durante alguns anos pelas Lojas
Americanas e atualmente abriga uma loja do Magazine Luiza (2013).
Arquivo de Adalberto Day/ e fotos reprodução.