UMA INTERESSANTE Descoberta de Fritz Müller
A 31 de agosto de 1884, o sábio Fritz Müller, em companhia de seu irmão, o Dr. Wilhelm Müller, também cientista, fez uma viagem à Armação da Piedade, próxima a Florianópolis (entre Biguaçu e Porto Belo) para examinar os sambaquis daquela região.
O Dr. Wilhelm Müller estava apenas de visita ao irmão, pois, tinha residência na Alemanha. Interessado, entretanto, no estudo das ciências naturais, aproveitou a oportunidade para fazer algumas pesquisas em santa Catarina. Partindo de Blumenau naquele dia 31 de agosto, a pé, passaram por Gaspar, Alferes, Tijucas, chegando ao saco da Armação a 4 de setembro. Ficaram ali acampados até o dia 25 do mesmo mês, voltando a Blumenau por outra estrada, em seis dias de caminhada.
Em Armação da Piedade, não estudaram os dois irmãos apenas só sambaquis. Vários outros assuntos científicos ocuparam os dias que eles ali passaram. Fizeram descobertas interessantes, examinaram e analisaram uma infinidade de animais que vivem nas praias e nas grandes áreas que a preamar deixa descobertas e onde se pode, facilmente, apanhar crustáceos, moluscos e outros que vivem em águas mais profundas, mais afastados da costa.
De todos os animais que analisaram, entretanto, nenhum foi tão interessante como o Balanoglossus, de que encontraram vários exemplares. Tratava-se de uma espécie rara e nova de vermes, distinta pelo exagerado tamanho dos anteriormente descobertos e citados por Della Chiaje, Kowalewski, Willemoes-Suhm e A. Agassiz. O descrito, por exemplo, por este último sábio, não tinha mais que um decímetro de comprimento, enquanto que o encontrado por Fritz Müller media mais de metro e meio de comprimento. Vamos ver como o próprio Fritz Müller conta os fatos e observadores que fez:
“Esses vermes (os Balanoglossus) gigantescos vivem em canais muito tortuosos, cerca de 0,5 cm, em baixo do fundo do mar; descobrem-se facilmente quando nas marés expelem os excrementos, os quais tem quase a forma dos do homem, atingindo sua grossura, às vezes, cerca de 2 centímetros.
O Balanoglossus é tão mole e quebradiço, que é quase impossível tirá-lo inteiro da sua habitação subterrânea; já é felicidade obtê-lo em 2 ou 3 pedaços.
Na primeira semana da nossa estada, tiramos vários e belos exemplares de Balanoglossus que procuramos conservar em aguardente freqüentemente renovada; porém este método tornou-se insuficiente para a conservação de animal tão mole. Só em 18 de setembro recebemos do desterro álcool e vidros apropriados e felizmente ainda conseguimos tirar alguns exemplares durante as marés baixas dos dias 19, 22 e 23 de setembro. Conservados em álcool de elevado grau, que ainda foi renovado, antes de encaixotá-los, é de esperar que cheguem aqui e possam ser mandados para o Rio de Janeiro bem acondicionados. Apesar de só agora termos deparado com o Balanoglossus, já desde 1860 eu conheço larvas (Tornarias) que indubitavelmente, pertencem ao mesmo gênero, não obstante naquele tempo passarem geralmente por larvas de estrelas do mar. Resta indagar se são da mesma espécie.
De 15 de janeiro até 13 de fevereiro de 1885, fiz mais uma viagem à Armação da Piedade, em companhia do meu irmão, Dr. Guilherme Müller. Foi nosso final principal investigar o modo de viver, a anatomia e, se possível fosse a embriologia do gigantesco Balanoglossus que em julho do ano próximo passado, ali descobríramos. Nos meses de fevereiro e março, tinha eu encontrado, há mais de vinte anos, no mar que banha, a praia de Fora, da capital da Província; larvas de alguns Balanoglossus (Tornaria) que naquele tempo ainda passavam por larvas de alguma estrela do mar. Era, pois de presumir que pelo fim de janeiro e nas primeiras semanas de fevereiro aparecessem os ovos e os primeiros estados larvais, e, se assim fosse, devim ser superabulantes em uma localidade onde tão freqüentemente se encontram os animais adultos, visto como os ovos produzidos por uma única fêmea devem contar-se por muitas centenas de milhares.
Entretanto, para o Balanoglossus da Armação da Piedade, provavelmente diferente da espécie ainda incógnita do Desterro, ainda não tinha chegado o tempo da propagação, apesar de já estar iminente, porque já os dois sexos, indistinguíveis em setembro, facilmente se distinguiam pela cor da região genital, amarela nos machos, arroxeada nas fêmeas.
Os ovos já pareciam quase maduros e alguns espermatozoides começavam os seus movimentos característicos o que nos animou a empreender alguns ensaios de fecundação artificial, ensaios esses que não produziram efeito.
Quanto à anatomia, podemos confirmar em quase todos os pontos essenciais quanto a esse respeito disse o Dr. J.W. Spengel em uma breve notícia publicada em novembro p. passado. Assim também, em a nossa espécie a glande, ou proboscíde não tem nem orifício terminal nem fenda ventral, como pensavam Kowalewski, A. Agassiz e outros, e sim um orifício dorsal situado na base da glande, como nos Balanoglossus Minutus e claviger examinador por Spengel.
O Balanoglossuus vive em canais quase horizontais, às vezes muito tortuosos, geralmente de 0,3 a 0,5m. debaixo da superfície da terra, e que de quando em quando se prolongam em direção quase que perpendicular até a superfície. Ali o animal deitando fora a sua extremidade anal, evacua os seus excrementos compostos unicamente de areia. São esses excrementos que, nas marés baixas indicam a presença do animal.
Raras vezes o mesmo animal mostrar-se em dois dias consecutivos; no mesmo lugar onde em certo dia há mais de vinte montões de excrementos, no dia imediato só aparecem 3 ou 4.
O animal cava o seu canal, comendo a areia que lhe está à frente de modo que a locomoção e a nutrição se faz ao mesmo tempo.
Colocando um ou dois palmos de parte oral de um Balanoglossus era uma gamela em cima de areia menos grossa, coberta de água do mar, em pouco tempo, depois de ter dado algumas voltas, como para procurar um lugar mais conveniente, começa a enterrar-se; primeiro a glande entra devagarinho na areia por meio dos seus movimentos peristálticos; feito isso o animal começa a engolir a areia e mal passam um ou dois minutos, começa a sair do intestino cortado, em movimento contínuo de 0,3 a 0,5 mm, por segundo e em forma de cilindro, a areia engolida.
O “Balanoglossus” exala um cheiro muito forte, lembrando o do iodo e, com efeito, um químico meu amigo achou ser muito rico em iodo o álcool em que se tinha conservando um desses animais. Á noite mostra uma fosforescência muito viva, que não creio lhe possa servir de utilidade alguma nos seus esconderijos subterrâneos.
Já de há muito se sabe que é luminoso o Chaeptoterus que também vive debaixo da terra em tubos coriáceos dos quais nunca pode sair. Esses fatos de certo não são favoráveis à opinião daqueles que consideram a fosforescência de muitos animais do mar como servindo-lhes de proteção contra os seus inimigos que por aquela luminosidade seriam avisados de serem incomestíveis os ditos animais fosforescentes.
Segundo me informou o Dr. Spengel, também perto do Rio de Janeiro foi achado um Balanlglossus pelo Sr. Eduardo van Beneden e sendo provável que a espécie gigantesca da Armação da Piedade não se limite aquela única localidade, não será fora de propósito descrever o método que depois de muitas tentativas achamos mais cômodo e seguro para se tirar incólumes dos seus esconderijos esses animais extremamente moles e frágeis.
A distancia de cerca de um metro cava-se uma vala circular bastante funda (de 2 para 3 palmos) ao redor do montão de excremento do Balanoglossus; mais cedo ou mais tarde encontrar-se-á nesse trabalho o canal do bicho que logo se conhece pela água que dele está correndo; se nessa ocasião não aparecer o animal, cumpre seguir o canal até encontrá-lo; denunciando-se a sua proximidade por uma mucosidade abundantíssima e muito pegajosa por ele segregada. Encontrado, afinal, uma das extremidades tira-se muito devagar e com o maior cuidado, visto que se rompe com grande facilidade, mormente quando tendo-se virado no canal, apresenta a extremidade posterior. Topando-se o canal logo ás primeiras enxadadas pode-se tirar o bicho em 5 ou 10minutos; em outros casos, não dá senão alguns fragmentos o trabalho aturado de uma hora inteira. São necessários dois homens para esse trabalho; um seguindo o canal, ou segurando o animal, outro tirando da vala a água, que se as vezes rapidamente aflui, removendo a terra em cima do canal, etc. Conservamos alguns exemplares de Balanoglossus segundo o método usado na Estação Zoológica de Nápoles, colocando o animal vivo por algum tempo em ácido pícrico-sulfúrico antes de o deitar em álcool. Hei de remeter um ao Museu, desde que ache um portador seguro.”
Como se vê, uma interessante descoberta. Muitos dos nomes leitores que têm gosto pelo estudo das ciências naturais fariam bem em ir até Armação da Piedade para tentar a captura de um “Balanoglossus” que figurasse no Museu “Fritz Müller” de Blumenau. Por lá certamente ainda haverá muitos desses bichos “moles e quebradiços”, de difícil captura.
Para saber mais acesse:
Revista Blumenau em Cadernos – Tomo IX * - Abril de 1968 - * - Nº 4 Fundado por José Ferreira da Silva.
Arquivo de: Sávio Abi-Zaid/Dalva e Adalberto Day
Na minha praia do Camacho - município de Jaguaruna, se encontra o maior Sambaqui do mundo. Muitas vezes, levo turistas ao local. Também há sambaqui no Farol Santa Marta, já em Laguna.
ResponderExcluirPara mim, os sambaquis constiotuem um mistério da natureza.
Agradecido.
Ab.
J A S
Bom dia Adalberto,
ResponderExcluirEstou feliz com a retomada dos artigos, por parte do amigo. É um bom sinal de que a saúde esta bem.
Será que o museu está em condições de receber qualquer coisa. As últimas noticias que tive sobre o estado de museu eram tristes.
Abraços,
Paulo R. Bornhofen
Prezado amigo Adalberto,
ResponderExcluirO Sr. não imagina como fico grato com tamanha qualidade de leitura e conteúdo ao ler este precioso artigo, agora imortalizado pela internet.
O que o Sr. escreve é, simplesmente, genial!
São histórias verídicas e pouco conhecidas, como esta, que enriquecem a cultura e educação de um país.
Abraços,
Adrian Marchi
Adalberto,
ResponderExcluirveja este link da NASA e Harvard sobre o assunto:
http://adsabs.harvard.edu/abs/1951Natur.167R.730S
Abraços,
Adrian
Parabéns Adalberto, por resgatar este texto que é dos mais belos e impressionantes de FM, apresentado pelo nosso querido José Ferreira da Silva; o assunto Balanoglossus mereceu estudos de vários cientistas, foi objeto também do Simpósio sobre FM acontecido durante a Reunião da SBPC (Sociedade Brasileira parra o Progresso da Ciência) em Blumenau em 1966 e consta dos anais - com certeza tem um exemplar no arquivo histórico, se não, posso fotocopiar-te.
ResponderExcluirBaitabraço,
Bacca
RPPN Reserva Bugerkopf
Boa tarde
ResponderExcluirinteressante esta descoberta de Fritz Müller.
a matéria sobre o assunto foi muito apropriada.
Este é o cientista, vai, procura, descobre, observa e tira conclusões e assim enriquece a cultura.
abraço
Olá caro Adalberto!
ResponderExcluirAs vezes, por razões que não sabemos explicar, em algumas fases de nossas vidas, algumas doces lembranças tomam conta de nossos pensamentos. O que era saudades, se transforma num aperto orgulhoso, doce e saudoso no peito e na garganta. Aquele velho "safado" de tênis bamba ou all star, com calça jeans e camisa Polo, que todos os queridos septuagésimos da Rua XV implicavam, brincavam e o "xingavam", é meu querido avô materno, o Sadinha.
Me chamo Rodrigo Porto, e já faz alguns dias, que comecei a pesquisar a história dele. Para minha surpresa, tenho encontrado muitas fatos e relatos do meu "vô sada", quer dizer, na verdade ele era o "vô pinico", e eu o "rodrigo capacete".
Fiquei muito feliz em ver as vezes ele fora citado em seu blog, e tamanho carinho e admiração que ele tinha nos meios futebolístico, radialista e boêmio.
Caro senhor Adalberto, minhas mais sinceras congratulações pelo vosso blog!
Confesso que não imaginava, que o blumenauense pudesse contar com um sítio tão rico em detalhes e saudades.
Tenho muito interesse em saber um pouco mais da história dele, e gostaria muito de manter contato com o senhor, para quem sabe, um dia ouvir mais uma das tantas histórias daquele mono tão querido.
forte abraço!
Beto amigo. Muitíssima interessante essa narrativa cientifica. Veja-se quanto é sabia e misteriosa nossa natureza. Imagine-se o que ainda teremos a descobrir por esse mundo a fora que Deus criou. Quanto ainda temos que aprender com a sabia natureza.
ResponderExcluirE.A.SAntos
Estimado Adalberto, agradeço pela postagem, pois faz muito tempo que li, pela primeira vez, este interessante texto que menciona, além do trabalho científico, o Dr. Wilhelm Müller, irmão do Dr. Fritz Müller pouco conhecido dos blumenauenses. Lembro que vivem em nosso meio descendentes de outro irmão dele, o Prof. August Müller, que no passado contribuiu com a alfabetização de muitas crianças em nossa cidade. Grande abraço!
ResponderExcluirSegunda, 20 Agosto 2012 14:49 postado por wilberto boos
ResponderExcluir....Muito interessante, obrigado.
Esse homem, esse Fritz, acho que merece uma releitura do atual Museu.
Acho que ainda há muito o que mostrar e falar dele.
Parabéns pelas transcrições...
saudações cicloviárias
Boos
Excelente reportagem histórica. Sou 4a.geracao do naturalista.
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