FAMOSC -(PROEB - Pavilhão A.) Vila Germânica
Os bastidores de um Atleta
O que me faz escrever e relatar é a analogia da Vila Germânica de hoje com a antiga FAMOSC, PROEB, exatamente no Pavilhão A.
Recentemente, durante o evento da Feira da Amizade, estive percorrendo a atual estrutura da Vila Germânica. Imponente, majestosa, grandiosa, obra digna de uma cidade como a nossa querida Blumenau. Mas, em minha mente, parecia que eu estava em 1979, precisamente em Outubro, quando a PROEB, no Pavilhão A, foi palco da modalidade de futebol de salão durante a realização dos JOGOS ABERTOS DE SANTA CATARINA. Todos os jogos com casa cheia, gente pendurada nas estruturas da PROEB para poder assistir o Futebol de Salão. Parecia que ainda ecoava os gritos de É BLUMENAU, É BLUMENAU, É BLUMENAU, grito de guerra do torcedor da época. Meus ouvidos me traiam e eu escutava: TICANCA, TICANCA, TICANCA, como naqueles dias.
- Seleção Blumenauense de Futebol de Salão Vice-Campeã dos JASC 1979- Em pé, da esquerda para a direita - Luizinho, Marinho, Valdir, Valdecir, Milão e Valentino; Agachados, da esquerda para a direita - Silvinho, Ticanca, Paulista, Kelinha e Júlio César.
Com absoluta certeza, foi a semana mais marcante de minha vida e é fácil de entender as razões.
Todos conhecemos que os saudosos dirigentes da CME da época, Ramiro Riedeger, João Buerger, Daniel Rodrigues, Lourival Beckauser e tantos outros, tinham como estratégia para manter a hegemonia de Blumenau no esporte amador dos JASC, investimentos em modalidades individuais trazendo poucos e competentes atletas de fora da cidade, implicando em despesas modestas. Nas modalidades coletivas, apoiavam o Basquete, Vôlei e o Handebol, trazendo um ou outro atleta de fora da cidade pois eram modalidades que davam medalhas e nós do Futebol de Salão, verdadeiros e todos "pratas da casa", éramos sempre os patinhos feios da delegação blumenauense. Outra razão explicativa estava no fato de o Futebol de Salão não ser uma modalidade olímpica assim como ainda não é o atual futsal cujas regras são muito diferentes do futebol de salão da época. Faz-se necessário esclarecer que na década de 70, jogador de futebol, mesmo amador, não era bem visto pela sociedade, consideravam-no malandro, não tinha o mesmo glamour e prestígio que os multi-milionários atuais conseguiram junto a opinião pública. Também porque a modalidade de futebol de salão era e como também é atualmente o futsal, imprevisível em termos de podium, pois imperava um grande equilíbrio de forças e enorme rivalidade entre as cidades protagonistas. Enquanto o vôlei, o basquete, mesmo o handebol tanto nos naipes masculino e feminino, já sabíamos antecipadamente a formação do podium tamanha a diferença técnica entre os competidores, no futebol de salão, qualquer um dos municípios catarinenses possuía uma equipe competitiva de futebol de salão. Era a modalidade mais difundida e praticada em nosso estado depois do futebol de campo. As regras da época também não ajudavam as equipes mais técnicas e por isso mesmo, o futebol de salão era a modalidade que levava mais público aos ginásios e era uma rivalidade incomum mesmo porque é esporte de contato e bastante competitivo. Em 1979, quando nossa cidade foi sede dos JASC, eu tinha somente 20 anos. Depois de uma péssima estréia contra Jaraguá do Sul no sábado a noite, perdemos. Voltamos a quadra no domingo a tarde e vencemos Canoinhas por 5x0 (marquei duas vezes). Com um desentendimento entre comissão técnica e alguns jogadores mais experientes que foram sacados do time principal, ganhei a braçadeira de capitão e cai na graça do torcedor que se identificou com minha garra, força, juventude e determinação, além da grande maioria me conhecer desde garoto. Acostumado a enfrentar por onde passávamos as vaias e a ira dos torcedores de outros municípios quando o JASC era em qualquer outra cidade que não fosse Blumenau, afinal mesmo sem tradição de conquistas na modalidade, as vaias eram contra BLUMENAU e todos torciam pelo nosso fracasso. Na verdade minha pele se transformava na própria camisa de Blumenau que sempre vesti com muito empenho e orgulho. Ampla cobertura jornalística com rádios, jornais e a própria TV RBS transmitindo jogos ao vivo.
Na segunda feira a noite precisávamos vencer Campos Novos para decidir com Timbó em jogo extra e passar ao hexagonal final. Depois de trabalhar das 07:45 as 17:00 horas na Artex, por volta de 17:30 horas meu querido e saudoso Pai, levou-me para a concentração da equipe de futebol de Salão (na sede da CME). Na mesma viagem, aproveitamos para levar minha esposa Madalena para a maternidade Elizabeth Khöler, pois começava sentir as primeiras contrações após uma gravidez de nove meses do nosso primeiro filho. Deixei a Madalena na maternidade, fui para a concentração e fomos para o jogo. Vencemos por 3x0 (fiz um gol) e nos credenciamos para a decisão em jogo extra contra a vizinha e rival Timbó. Após o jogo, as entrevistas, os tapinhas nas costas do torcedor, me desloquei ainda uniformizado e completamente molhado de suor até a maternidade para saber notícias de Madalena. O relógio já marcava 0:00 horas e fui informado pela parteira que nasceria durante aquela madrugada mas ainda não estava na hora. Como naquela época não podia acompanhar a esposa, não me sobrou alternativa exceto ir para casa, tomar um banho e repousar, pois no dia seguinte, terça feira, logo as 09:00 horas o compromisso era contra Timbó. Obviamente que me debati a noite toda, com pensamento na Madalena. Como ela estava? Será que nascera o bebê? Será que era um menino (torcia muito para que fosse). Por volta de 06:00 horas da manhã de terça feira, horário em que a maternidade passava a dar informações, fiquei sabendo que nascera o bebê mas por telefone não poderiam informar o sexo. Apenas me confortaram que ambos, mãe e bebê passavam bem. Logo as 07:30 fui para a concentração e depois de um empate no tempo normal, vencemos Timbó na prorrogação e nos classificamos para o hexagonal. Após o jogo retornei a maternidade, era um menino, já havia decidido o nome de Adilson Siegel Júnior e na parte da tarde aproveitando o direito legal concedido aos pais, podia faltar um dia ao trabalho e fiz o registro de nascimento do garotão. No mesmo dia a noite, ainda com a Madalena e o Júnior na maternidade, retornávamos a quadra já pelo hexagonal final. Lages o rival da vez. Empatamos e consideramos um bom resultado, pela força da equipe lageana e também pelo desgaste físico de 5 jogos em 4 dias e no meu caso especificamente, a ansiedade de papai de primeira viagem e noites mau dormidas com preocupações normais dos dias que antecedem o parto do primeiro filho. Na quarta feira, depois de cumprir jornada de trabalho de 8 horas durante o dia, a noite, o jogo era contra Joinville, equipe muito credenciada ao título pela experiência de seus atletas e pela tradição de vencedores dos JASC nesta modalidade. O torcedor foi a loucura e nos empurrou de tal forma para cima deles que aos 10 minutos do primeiro tempo, depois que fiz o terceiro gol, os torcedores empolgados, de tanto comemorar arrebentaram a rede de proteção atrás do goleiro (Batata) de Joinville. Afinal Joinville sempre era o arqui-rival na disputa do título geral de campeão dos JASC contra Blumenau. Com 3 x 0 a nosso favor, o torcedor fazendo um barulho ensurdecedor, a rede atrás do gol arrebentada, alegaram falta de segurança, os experientes e veteranos jogadores joinvilenses acataram a decisão de seus dirigentes e sob uma vaia monumental abandonaram a quadra e por conseguinte a própria competição. Com a Madalena e o Júnior já em nossa casa, minha adorável Mãe, além de acender suas velinhas sempre que um de seus três filhos estava em campo ou em quadra, naquela noite fez companhia para a Madalena e o Júnior que berrou praticamente a noite toda e ela astutamente, sabendo da importância de uma noite de sono para um atleta recuperar suas energias, deixou-me dormir num quarto sozinho sem praticamente ouvir o choro do bebê. Na verdade, não dormia, literalmente desmaiava, tamanho o cansaço provocado pelo desgaste natural dos jogos, a ansiedade, o trabalho e papai de primeira viagem. Na quinta feira, as 07:45, plim, mais uma batida no cartão ponto e entrava na Artex para mais um dia de trabalho. Depois de cumprir mais uma jornada de trabalho e praticamente falar com os colegas que queriam saber de tudo, naquela noite, era vez de enfrentarmos a força da equipe da Capital do Estado, outra forte candidata a medalha de ouro na modalidade. Novo empate sem gols. Mais uma noite desmaiado e quando o relógio despertava, o corpo estava ainda totalmente dolorido, estávamos na sexta feira, precisava primeiro cumprir mais 8 horas de expediente na Artex e depois pensar em vencer Campos Novos outra vez, agora valendo pelo hexagonal e valendo vaga na final da competição. Aplicamos 3 x 0 de novo (marquei um) e com a força do torcedor blumenauense, com a superação de nossas forças, estávamos credenciados a decidir o título e seria contra Joaçaba que vencera Florianópolis.
Enfim chegara o sábado, e para minha infelicidade, estávamos em período de recuperação de horas para paralisação em dezembro. Fazia-se muito isso na indústria têxtil na época. Nós da área administrativa trabalhávamos sábados por 8 horas para compensar algum dia de descanso entre o natal e o ano novo. Para piorar ainda mais as coisas, tive uma noite mau dormida por cólicas do Júnior e apesar de ser sábado, tinha que dar expediente no trabalho e o fiz até as 11:45 horas. Fui para casa, sem almoçar e dormi até as 15 horas. A decisão era por volta de 17:00 horas e naquele foi determinado pela comissão técnica que não faríamos concentração e nos encontraríamos direto no local do jogo. Joaçaba era superior ao nosso time. Eram formados por alguns jogadores cariocas (Sidney e Eli), os experientes (Pitol e Edinho), maduros, matreiros e apesar de todo nosso esforço, apesar de todo carinho e incentivo que recebemos do torcedor blumenauense, merecida a vitória sorriu para o time do meio oeste catarinense e com muito orgulho, colocamos no peito, uma pataca, uma medalha de prata enorme que guardo com muito carinho e orgulho. Certamente assim como a minha história, cada atleta, cada blumenauense, seja qual for a modalidade, com absoluta certeza deve ter uma marcante passagem de JASC que o tempo teima em não apagar e mantém viva e intensa esta chama, assim como a chama da pira olímpica da maior competição poli - esportiva do estado barriga verde. Hoje talvez um pouco menos valorizada em razão da avalanche de importação de atletas que se quer viram ou passaram pela cidade que representam e não era o nosso caso, pois além de nascidos aqui, crescemos, trabalhamos, amamos, geramos frutos e continuamos aqui na majestosa e loira Blumenau. Com este relato, quero abraçar a todos os atletas que fizeram e fazem de Blumenau a maior vencedora e ostentadora de uma longa hegemonia em termos de JASC, muito pouco quebrada ao longo destes anos todos.
- Nas fotos dá para perceber a presença contagiante do torcedor formando no Pavilhão A da Proeb, uma verdadeira arena onde nós, com muito orgulho, ouvíamos nossos nomes cantados em verso e prosa.
Sempre que estiver na Vila Germânica, por maior que seja o seu encanto e beleza, dignos de registro, eu, Adilson Siegel, o Ticanca, enquanto viver estarei sempre no pavilhão A da PROEB em outubro de 1979, que jamais sairá de minha da memória.
É e continua sendo assim os bastidores do amadorismo, hoje não mais tão amador. Onde a pessoa no mesmo dia se transforma em operário, pai, esposo, filho e atleta. Foram 9 jogos em 8 dias consecutivos. Foi exaustivo, cansativo, desgastante, mas nada se compara a satisfação, o prazer, o orgulho de representar dignamente a nossa cidade de Blumenau, até mesmo de poder reviver agora que em texto num blog de tamanha repercussão registrando histórias do nosso povo, da nossa gente, da nossa incomparável BLUMENAU.
Abraços,Adilson Siegel
Fotos: Arquivo Adalberto Day/PMB/Adilson Siegel