Casal Ema e Augusto
Um veterano Depõe:
Um depoimento emocionante de alguém que em abril de 1960, ainda pode
contribuir com nossa história, pois conheceu personagens importantes de nossas
origens, como o fundador da colônia Blumenau, Dr. Blumenau, Dr. Fritz Müller e
Hermann Wendeburg. Augusto Sievert, então na época com 94 anos nos deixou um
fantástico relato, que repassamos em parte aos nossos leitores.
[...] E, graças ao auxilio que nos prestou Sr. Willy
Sievert, sempre pronto a atender a tudo quanto se relacione com a historia do
nosso município, ao seu progresso material e cultural, conseguimos obter de seu
pai, informações preciosíssimas. Um depoimento valioso que, pela autenticidade,
facilmente comprovável, das afirmações, pode, sem receio, ser aproveitado pelos
estudiosos do nosso passado.
Respondendo às perguntas que lhe formulando, prestando-se,
paciente e prazerosamente, ao sacrifício, que a nossa sempre crescente
curiosidade o submeteu, por várias horas, o sr. Augusto Sievert assim
contou-nos a sua vida:
“Nasci a 23 de março de 1866 em Kolberg, na Pomerânia ,
Alemanha, filho de um capataz de pastores de ovelhas numa fazenda da região.
Com meus pais, e quando já contava 9 anos de idade, cheguei
em junho de de 1875 a Blumenau.
Embarcáramos num navio inglês, via Autuerpia, demorando, a travessia do
Atlântico, cinco longas semanas em virtude, de fortes temporais e avarias nas
máquinas. Éramos, ao todo, uns seiscentos passageiros, todos emigrantes.
[...] Era um belo dia de sol, quando nos aproximamos da sede
da colônia Blumenau. Ao chegarmos ao começo da atual rua 15 de novembro, na
esquina com a Alvim Schrader, e vendo algumas casas, perguntamos na de um casal
idoso, sr. Hartmann, se a povoação ainda ficava muito longe. Ao nos responder,
o sr. Hatmann, que já nos achávamos dentro dela, ficamos todos surpreendidos e
decepcionados, pois esperávamos encontrar uma cidade, mais ou menos grande e
importante, e vínhamos encontrar uma meia dúzia de casas, agrupadas á margem do
Garcia. Quando, na Alemanha, se referiam a Blumenau, davam á entender que este
já era um grande centro de população.
[...] A lembrança dessas palavras e do alvoroço que me enchia o espirito em chegar ,
quando antes, á “grande cidade”, quase que me desanimaram à vista do pequeno
povoado.
Mas a natureza deslumbrante, a beleza do rio e do lugar em
que o dr. Blumenau assentara a sede da sua colônia, as matas e morros sempre
verdes, como o Alpinberg e o da igreja protestante, me deslumbraram e, em
breve, se desfez, na minha mente, a ideia que eu vinha fazendo, para dar lugar a um
grande entusiasmo pela realidade que me empolgou.
Somente à noite, chegou a lancha com as mulheres e crianças.
Jantamos todos em casa do sr. Hartmann. Como eu, minha mãe partilhava desse
entusiasmos e não podia conter palavras de alegria ante a perspectiva da enorme
extensão de terra, que se poderia aproveitar para cultura, em comparação com o
pequenino eito que lavravam na Alemanha, assim mesmo propriedade de senhores
feudais. Meu pai é que não se mostrava muito eufórico ante a perspectiva de dar
duro, preferindo, talvez servir de feitor, como o era na sua terra natal.
Depois de uma permanência de quatro dias no barracão dos imigrantes,
localizado, mais ou menos. Onde está hoje a sede do Clube “América”, partimos
com destino aos lotes que nos foram destinados. Até o local do atual campo de
aviação fomos de carroça. Mas, a estrada era tão ruim que, por vezes, foi
preciso usar juntas de bois para arrancar o carro da lama.
[...] Acabei por ficar só em casa, com meus pais. Meus
irmãos mais velhos, ou se casaram e foram residir noutras partes da colônia, ou
foram trabalhar noutro ramo, com outros patrões. A minha principal distração,
naquelas profundezas, era ir até à mata virgem, que se estendia ao fundo do
nosso lote, para observar os bandos de centenas de monos, de pelo russo e de
cavanhaque comprido, que faziam grande ruído, pulando de galho em galho. Certo
dia, brincando com rapaz de um colono vizinho, os vizinhos eram, então muito
distantes uns dos outros, vimos uns cinquenta metros além do local em que nos
encontrávamos, um bugre baixote e corpulento, que andava pela roça que se
estendia pela encosta do morro. Corremos a avistar nossos pais que, incrédulos a
principio, resolveram, afinal, diante da nossa insistência, reunir-se com
outros colonos, em número de umas 10 pessoas, armados de espingarda e dar uma
busca pelo mato. Não encontraram mais do que muitas pegadas dos índios, tendo,
entretanto, chegado ao local, em que os mesmos estiveram acampados, pois viram
ainda restos do fogo, que haviam feito. Desde então, não me aproximei mais do
mato virgem, embora nunca mais se tivesse falado em outros aparecimentos de Bugres
por ali.
Augusto Sievert e sua esposa, Ema, nata Benhardt, em uma
fotografia (bem no início da postagem ) de poucos anos atrás. Augusto Sievert, neste artigo, conta a sua
vida cheia de lances interessantes, entremeando a narração com a citação de
fatos de grande valor histórico. Dona Ema faleceu no ano passado (1959), depois
de 87 anos de vida, grande parte da qual dedicada ao esposo e filhos, dando,
sempre, exemplos de dona de casa modelar, pelo seu amor ao lar e sua dedicação
a família.
[...] Minha mãe, infelizmente faleceu no ano seguinte (1876)
ao da nossa chegada. Contava aproximadamente, 50 anos. Tinha ido, comigo à
cidade fazer compras; voltou carregada de gêneros, inclusive de batatas para
sementes. Eu levava parte da carga, mas, ao atravessar um mato mais espesso,
enchi-me de medo, de sorte que minha mãe ainda tomou sobre si os volumes que eu
trazia. É possível que o esforço tivesse sido demasiado, pois, ao chegar em
casa, sentia grandes dores e não conseguia dormir. Depois de duas semanas de
sofrimentos, transportaram-na para Blumenau, em cujo hospital faleceu um mês
depois. A direção da colônia encarregou-se das despesas do enterro. Atravessei,
então, uma época tristíssima. Fiquei só, com meu pai e, diante deste,
disfarçava o meu grande pesar. Mas, mal ele se afastava, eu punha-me a chorar
amargamente. Contava, então, 10 anos de idade. A vida sem mamãe, tornara-se
insuportável, vazia e só senti algum alivio quando um dos meus irmãos mais
velhos, casando-se, foi morar conosco.
[...] Por esse tempo, festejou-se o 25º aniversário (1877)
da fundação de Blumenau e lembro-me que, já então, se discutia sobre a
verdadeira data dessa fundação que uns queriam fosse a da chegada dos primeiros
imigrantes, em 2 de setembro de 1850, e outros a de 28 de agosto de 1852, da
distribuição dos primeiros onze lotes de terras. Não vi o Dr. Blumenau entre as
pessoas que compareceram às festas.
[...] A minha vida, pois, voltou a ser trabalhar na roça,
ordenhar e tratar as vacas e, ainda por cima, cuidar dos sobrinhos pequenos.
Quando chegou a época de ser confirmado, voltei para casa de
meu tio Gaulke, em Blumenau, para frequentar a doutrina. Isso foi pela época da
grande enchente de 1880. {...} Como se dizia, em alguma casa da vila. Meu irmão
me informou que o sábio Fritz Müller precisava de um. Não perdi tempo em lá ir,
embora muita gente me tivesse avisado de que, na casa de Fritz Müller, não
aguentava empregado nem empregada, porque ali eram econômicos demais, no
tocante a alimentação. Aliás, foi exatamente por esse motivo que os meus
primeiros tempos , como empregado da família do sábio, não foram lá muito
agradáveis, embora eu já estivesse acostumado ao trabalho árduo, penoso,
grosseiro mesmo.
[...] Com o passar dos dias e apesar dos pesares, fui
gostando do emprego. Especialmente porque o Dr. Fritz Müller tinha, em casa ,
os seus dois netos, Hans e Fritz, filhos de uma das suas filhas, que era
separada do marido porque este dera-se a bebida. Fritz tinha dois anos e meio e
Hans Lorenz quatro anos de idade. Afeiçoaram-se a mim de tal forma, que não
faziam questão de que a mãe e os avós fossem passear, aos domingos, e os
deixassem comigo em casa.
[...] Fritz Müller era homem muito comedido e eu nunca lhe
ouvi levantar demais a voz para ninguém; não me lembro de o ter visto metido em
discussões. Não ligava para os afazeres domésticos, vivendo, apenas, para os seus
estudos, para as suas plantas. Destas, ele rodeara a casa, havendo-as de
centenas de variedades. Andava, quase sempre, descalço e em mangas de camisa.
Em virtude da minha condição de empregado do sábio, entrei várias vezes em
contato com o dr. Blumenau, aquém ou levava livros e plantas da parte de Fritz,
trazendo, a este, outros objetos em troca. Pelo menos naquele tempo, o Dr.
Blumenau era bem mais magro do que se pode imaginar, observando-lhe a estátua,
que foi levantada na praça do seu nome. Por aquele tempo, a senhora do Dr.
Blumenau já havia regressado à Alemanha.
O fundador da colônia era de
temperamento áspero, severo e quase sempre estava de mau humor, gritando com
todos. Os colonos, apesar de respeita-lo e de estima-lo mesmo, não queria muito
contato com ele, procurando, sempre que possível, entender-se a respeito dos
negócios com Hermann Wendeburg, que era o guarda livros e pessoa muito boa e
delicada. Certo dia, vieram três colonos contando que tinham visto nas suas
colônias alguns bugres e que ele mandassem o sr. Deeke, chefe da guarda de
batedores de mato, para persegui-los . Eu estava presente nesta ocasião e
lembro-me bem quando o Dr. Blumenau, com aspereza na voz, disse aos colonos:
“Besser aufpassen, besser aufpassen, aber nicht schiessen” e sem mais conversa,
virou-lhe as costas e foi para dentro. Interveio, então o sr. Wendeburg, e,
animando os colonos, disse-lhes que poderiam ir para casa; ele conversaria com
o sr. Deeke para dar uma batida nos arredores
do lugar do aparecimento dos bugres.Tive mais de um encontro com o dr.
Blumenau e nunca vi sorridente; sempre de feições carregadas me perguntava:
“Então, rapaz, que é que queres de novo?” Dado o recado, respondia-me no mesmo
tom seco: “es ist schon gut”, sem mais conversa. No tempo em que eu frequentava
a escola, como já contei, deu-se a inauguração da igreja protestante, solenidade a que assisti. Eu
estava bem perto do Dr. Blumenau, dos senhores Wendeburg e Krohberger e me lembro
de ainda de partes do discurso pronunciado pelo Dr. Blumenau, antes de entregar
as chaves do templo ao pastor Hess. Elogiou os esforços do sr. Wendeburg na
administração das obras, a dedicação de Krohberger na fiscalização dos
trabalhos de construção, fazendo especial referencia ás belas janelas de
cimento. Fiquei apenas um ano e quatro meses a serviço de Fritz Müller. Quando pus
os meus patrões ao corrente da resolução, que eu havia tomado, de deixar o
emprego, fizeram tudo para reter-me, chegando até mesmo a ameaçar-me com a
intervenção da polícia. Conheci bem os homens daquele tempo. Friedenreich era o
médico, mas o povo dizia que ele só tinha estudado veterinária. Morava na casa
em que, mais tarde, residiu Elesbão Pinto da Luz e depois o Sr. August Zittlow.
Emílio Odebrecht e Teodoro Kleine eram os engenheiros da colônia. Odebrecht
andava, quase sempre, longe de casa, a serviço no interior da colônia, e o povo
já comentavam que ele só vinha em casa, de ano em ano, preparar um novo filho e
só voltava quando o filho já estivesse nascido.
Também dei-me bem com o pastor Hess. Com 10 anos, já
frequentava eu a pequena Igreja, instalada numa casa de madeira. Conheci as
suas duas filhas. O filho já tinha ido para o Rio de Janeiro onde, segundo
soube mais tarde, lá faleceu.
Arquivo: Arquivo/Sávio Abi-Zaid/Adalberto Day
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