quarta-feira, 26 de junho de 2013

- Augusto Sievert

Casal Ema e Augusto
Um veterano Depõe: Augusto Sievert

Um depoimento emocionante de alguém que em abril de 1960, ainda pode contribuir com nossa história, pois conheceu personagens importantes de nossas origens, como o fundador da colônia Blumenau, Dr. Blumenau, Dr. Fritz Müller e Hermann Wendeburg. Augusto Sievert, então na época com 94 anos nos deixou um fantástico relato, que repassamos em parte aos nossos leitores.

[...] E, graças ao auxilio que nos prestou Sr. Willy Sievert, sempre pronto a atender a tudo quanto se relacione com a historia do nosso município, ao seu progresso material e cultural, conseguimos obter de seu pai, informações preciosíssimas. Um depoimento valioso que, pela autenticidade, facilmente comprovável, das afirmações, pode, sem receio, ser aproveitado pelos estudiosos do nosso passado.
Respondendo às perguntas que lhe formulando, prestando-se, paciente e prazerosamente, ao sacrifício, que a nossa sempre crescente curiosidade o submeteu, por várias horas, o sr. Augusto Sievert assim contou-nos a sua vida:
“Nasci a 23 de março de 1866 em Kolberg, na Pomerânia , Alemanha, filho de um capataz de pastores de ovelhas numa fazenda da região.
Com meus pais, e quando já contava 9 anos de idade, cheguei em junho de  de 1875 a Blumenau. Embarcáramos num navio inglês, via Autuerpia, demorando, a travessia do Atlântico, cinco longas semanas em virtude, de fortes temporais e avarias nas máquinas. Éramos, ao todo, uns seiscentos passageiros, todos emigrantes.
[...] Era um belo dia de sol, quando nos aproximamos da sede da colônia Blumenau. Ao chegarmos ao começo da atual rua 15 de novembro, na esquina com a Alvim Schrader, e vendo algumas casas, perguntamos na de um casal idoso, sr. Hartmann, se a povoação ainda ficava muito longe. Ao nos responder, o sr. Hatmann, que já nos achávamos dentro dela, ficamos todos surpreendidos e decepcionados, pois esperávamos encontrar uma cidade, mais ou menos grande e importante, e vínhamos encontrar uma meia dúzia de casas, agrupadas á margem do Garcia. Quando, na Alemanha, se referiam a Blumenau, davam á entender que este já era um grande centro de população.
[...] A lembrança dessas palavras e do  alvoroço que me enchia o espirito em chegar , quando antes, á “grande cidade”, quase que me desanimaram à vista do pequeno povoado.
Mas a natureza deslumbrante, a beleza do rio e do lugar em que o dr. Blumenau assentara a sede da sua colônia, as matas e morros sempre verdes, como o Alpinberg e o da igreja protestante, me deslumbraram e, em breve, se desfez, na minha mente, a ideia  que eu vinha fazendo, para dar lugar a um grande entusiasmo pela realidade que me empolgou.
Somente à noite, chegou a lancha com as mulheres e crianças. Jantamos todos em casa do sr. Hartmann. Como eu, minha mãe partilhava desse entusiasmos e não podia conter palavras de alegria ante a perspectiva da enorme extensão de terra, que se poderia aproveitar para cultura, em comparação com o pequenino eito que lavravam na Alemanha, assim mesmo propriedade de senhores feudais. Meu pai é que não se mostrava muito eufórico ante a perspectiva de dar duro, preferindo, talvez servir de feitor, como o era na sua terra natal. Depois de uma permanência de quatro dias no barracão dos imigrantes, localizado, mais ou menos. Onde está hoje a sede do Clube “América”, partimos com destino aos lotes que nos foram destinados. Até o local do atual campo de aviação fomos de carroça. Mas, a estrada era tão ruim que, por vezes, foi preciso usar juntas de bois para arrancar o carro da lama.
[...] Acabei por ficar só em casa, com meus pais. Meus irmãos mais velhos, ou se casaram e foram residir noutras partes da colônia, ou foram trabalhar noutro ramo, com outros patrões. A minha principal distração, naquelas profundezas, era ir até à mata virgem, que se estendia ao fundo do nosso lote, para observar os bandos de centenas de monos, de pelo russo e de cavanhaque comprido, que faziam grande ruído, pulando de galho em galho. Certo dia, brincando com rapaz de um colono vizinho, os vizinhos eram, então muito distantes uns dos outros, vimos uns cinquenta metros além do local em que nos encontrávamos, um bugre baixote e corpulento, que andava pela roça que se estendia pela encosta do morro. Corremos a avistar nossos pais que, incrédulos a principio, resolveram, afinal, diante da nossa insistência, reunir-se com outros colonos, em número de umas 10 pessoas, armados de espingarda e dar uma busca pelo mato. Não encontraram mais do que muitas pegadas dos índios, tendo, entretanto, chegado ao local, em que os mesmos estiveram acampados, pois viram ainda restos do fogo, que haviam feito. Desde então, não me aproximei mais do mato virgem, embora nunca mais se tivesse falado em outros aparecimentos de Bugres por ali.
Augusto Sievert e sua esposa, Ema, nata Benhardt, em uma fotografia (bem no início da postagem ) de poucos anos atrás. Augusto Sievert, neste artigo, conta a sua vida cheia de lances interessantes, entremeando a narração com a citação de fatos de grande valor histórico. Dona Ema faleceu no ano passado (1959), depois de 87 anos de vida, grande parte da qual dedicada ao esposo e filhos, dando, sempre, exemplos de dona de casa modelar, pelo seu amor ao lar e sua dedicação a família.
[...] Minha mãe, infelizmente faleceu no ano seguinte (1876) ao da nossa chegada. Contava aproximadamente, 50 anos. Tinha ido, comigo à cidade fazer compras; voltou carregada de gêneros, inclusive de batatas para sementes. Eu levava parte da carga, mas, ao atravessar um mato mais espesso, enchi-me de medo, de sorte que minha mãe ainda tomou sobre si os volumes que eu trazia. É possível que o esforço tivesse sido demasiado, pois, ao chegar em casa, sentia grandes dores e não conseguia dormir. Depois de duas semanas de sofrimentos, transportaram-na para Blumenau, em cujo hospital faleceu um mês depois. A direção da colônia encarregou-se das despesas do enterro. Atravessei, então, uma época tristíssima. Fiquei só, com meu pai e, diante deste, disfarçava o meu grande pesar. Mas, mal ele se afastava, eu punha-me a chorar amargamente. Contava, então, 10 anos de idade. A vida sem mamãe, tornara-se insuportável, vazia e só senti algum alivio quando um dos meus irmãos mais velhos, casando-se, foi morar conosco.
[...] Por esse tempo, festejou-se o 25º aniversário (1877) da fundação de Blumenau e lembro-me que, já então, se discutia sobre a verdadeira data dessa fundação que uns queriam fosse a da chegada dos primeiros imigrantes, em 2 de setembro de 1850, e outros a de 28 de agosto de 1852, da distribuição dos primeiros onze lotes de terras. Não vi o Dr. Blumenau entre as pessoas que compareceram às festas.
[...] A minha vida, pois, voltou a ser trabalhar na roça, ordenhar e tratar as vacas e, ainda por cima, cuidar dos sobrinhos pequenos.
Quando chegou a época de ser confirmado, voltei para casa de meu tio Gaulke, em Blumenau, para frequentar a doutrina. Isso foi pela época da grande enchente de 1880. {...} Como se dizia, em alguma casa da vila. Meu irmão me informou que o sábio Fritz Müller precisava de um. Não perdi tempo em lá ir, embora muita gente me tivesse avisado de que, na casa de Fritz Müller, não aguentava empregado nem empregada, porque ali eram econômicos demais, no tocante a alimentação. Aliás, foi exatamente por esse motivo que os meus primeiros tempos , como empregado da família do sábio, não foram lá muito agradáveis, embora eu já estivesse acostumado ao trabalho árduo, penoso, grosseiro mesmo.
[...] Com o passar dos dias e apesar dos pesares, fui gostando do emprego. Especialmente porque o Dr. Fritz Müller tinha, em casa , os seus dois netos, Hans e Fritz, filhos de uma das suas filhas, que era separada do marido porque este dera-se a bebida. Fritz tinha dois anos e meio e Hans Lorenz quatro anos de idade. Afeiçoaram-se a mim de tal forma, que não faziam questão de que a mãe e os avós fossem passear, aos domingos, e os deixassem comigo em casa.
[...] Fritz Müller era homem muito comedido e eu nunca lhe ouvi levantar demais a voz para ninguém; não me lembro de o ter visto metido em discussões. Não ligava para os afazeres domésticos, vivendo, apenas, para os seus estudos, para as suas plantas. Destas, ele rodeara a casa, havendo-as de centenas de variedades. Andava, quase sempre, descalço e em mangas de camisa. Em virtude da minha condição de empregado do sábio, entrei várias vezes em contato com o dr. Blumenau, aquém ou levava livros e plantas da parte de Fritz, trazendo, a este, outros objetos em troca. Pelo menos naquele tempo, o Dr. Blumenau era bem mais magro do que se pode imaginar, observando-lhe a estátua, que foi levantada na praça do seu nome. Por aquele tempo, a senhora do Dr. Blumenau já havia regressado à Alemanha.
 O fundador da colônia era de temperamento áspero, severo e quase sempre estava de mau humor, gritando com todos. Os colonos, apesar de respeita-lo e de estima-lo mesmo, não queria muito contato com ele, procurando, sempre que possível, entender-se a respeito dos negócios com Hermann Wendeburg, que era o guarda livros e pessoa muito boa e delicada. Certo dia, vieram três colonos contando que tinham visto nas suas colônias alguns bugres e que ele mandassem o sr. Deeke, chefe da guarda de batedores de mato, para persegui-los . Eu estava presente nesta ocasião e lembro-me bem quando o Dr. Blumenau, com aspereza na voz, disse aos colonos: “Besser aufpassen, besser aufpassen, aber nicht schiessen” e sem mais conversa, virou-lhe as costas e foi para dentro. Interveio, então o sr. Wendeburg, e, animando os colonos, disse-lhes que poderiam ir para casa; ele conversaria com o sr. Deeke para dar uma batida nos arredores  do lugar do aparecimento dos bugres.Tive mais de um encontro com o dr. Blumenau e nunca vi sorridente; sempre de feições carregadas me perguntava: “Então, rapaz, que é que queres de novo?” Dado o recado, respondia-me no mesmo tom seco: “es ist schon gut”, sem mais conversa. No tempo em que eu frequentava a escola, como já contei, deu-se a inauguração da igreja  protestante, solenidade a que assisti. Eu estava bem perto do Dr. Blumenau, dos senhores Wendeburg e Krohberger e me lembro de ainda de partes do discurso pronunciado pelo Dr. Blumenau, antes de entregar as chaves do templo ao pastor Hess. Elogiou os esforços do sr. Wendeburg na administração das obras, a dedicação de Krohberger na fiscalização dos trabalhos de construção, fazendo especial referencia ás belas janelas de cimento. Fiquei apenas um ano e quatro meses a serviço de Fritz Müller. Quando pus os meus patrões ao corrente da resolução, que eu havia tomado, de deixar o emprego, fizeram tudo para reter-me, chegando até mesmo a ameaçar-me com a intervenção da polícia. Conheci bem os homens daquele tempo. Friedenreich era o médico, mas o povo dizia que ele só tinha estudado veterinária. Morava na casa em que, mais tarde, residiu Elesbão Pinto da Luz e depois o Sr. August Zittlow. Emílio Odebrecht e Teodoro Kleine eram os engenheiros da colônia. Odebrecht andava, quase sempre, longe de casa, a serviço no interior da colônia, e o povo já comentavam que ele só vinha em casa, de ano em ano, preparar um novo filho e só voltava quando o filho já estivesse nascido.
Também dei-me bem com o pastor Hess. Com 10 anos, já frequentava eu a pequena Igreja, instalada numa casa de madeira. Conheci as suas duas filhas. O filho já tinha ido para o Rio de Janeiro onde, segundo soube mais tarde, lá faleceu.  
Revista Blumenau em cadernos - Tomo III – N.] 4 Abril de 1960
Arquivo: Arquivo/Sávio Abi-Zaid/Adalberto Day
Para saber mais acesse:

6 comentários:

  1. Você sempre nos presenteia com fatos importantes da nossa Blumenau.
    Obrigado
    Rubens Heusi

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  2. Muito agradável e interessante. Obrigado por tão belo registro. Adilson Tadeu Machado

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  3. Sempre me surpreendo com seus textos aprendo muito sobre nossa Cidade,os tais monos de pelo russo certamente eram os Macacos bugio que se não me engano ainda habitam a região das itoupava, pois eu já os vi por lá tempos atrás.Adalberto,então a antiga construtora Odebrecht tem origem dos tais engenheiros citados no texto?Muito linda esta historia parabéns.

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  4. Está no Blumenau em Cadernos. Linda a história. E nós reclamamos por tão pouco na maioria das vezes, não é?
    Dabnei Suani

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  5. Belo e emocionante depoimento, para mim, José Geraldo Reis Pfau, é o irmão de meu trisavô Wilhelm Siewerdt..obrigada vou procurar no Blumenau em Cadernos o texto na íntegra.
    Marlene Hüskes

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  6. É em momentos como esse é que acho que vale a pena, eu ter momentaneamente abandonado a pesquisa de meu livro novo, para me concentrar aqui. Sempre tem informação consistente e nova para mim.
    Viste este post, Vilson Voigt? e Edson Klemann. Outro August, com foto e tudo, e os dados que tem neste texto, nome da mãe, batem.A mãe dele (August) é minha tetravó Henriette . F. * Gaulke. Ele fala no texto, nos tios Gaulke.
    Marlene Hüskes

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