Hoje
abro meu coração com muito orgulho para apresentar uma dessas centenas de
comentários que recebo e compartilhar com todos os cidadãos de Blumenau e
região. Em especial ao Wieland Lickfeld
, Carlos Braga Mueller, Professora Sueli Petry, Urda A. Klueger, Theodor
Darius, Claus Jensen, Djalma Fontanella da Silva filho que assim como milhares de blumenauenses amam esta cidade – “Blumenau cidade que eu amo”.
Blumenau 1964
–
filho pródigo
Querido
Prof. Day
Já
há algum tempo conheço o seu blog, o qual acompanho, e assisti a algumas das
suas entrevistas, que são verdadeiras aulas. Admiro o belo trabalho que o Sr.
realiza pela preservação da memória de Blumenau.
Tenho uma história um tanto particular e um caso de amor muito especial com esta cidade; para explicar melhor gostaria
de apresentar uma breve biografia minha. Atrevo-me a apelar, então, para a sua
boa vontade e paciência, para que a leia na íntegra, logo abaixo.
Meu
nome é Luiz Henrique da Silva e
Sebastião; sou jornalista de
profissão, pesquisador e bacharelando em Filosofia pelo Mosteiro de São Bento
de São Paulo. O nome no meu e-mail – talvez o Sr. o estranhe – é porque
trabalho para a Arquidiocese de São Paulo (Igreja Católica) desde o ano 2007,
como jornalista e editor, redator, revisor e diagramador de uma série de obras
e também em veículos de comunicação, inclusive no órgão oficial da própria
Arquidiocese, o jornal “O São Paulo”. Além disso, presto serviço para editoras
nestas mesmas áreas. Sou, resumindo, um profissional de comunicação já há quase
três décadas, o que me realiza como profissional e também pessoalmente.
Blumenau rua Ângelo Dia 1970
Acontece
que sou natural de certo município muito especial do Estado de Santa Catarina, chamado Blumenau. Mas (e o ‘mas’ é
triste) eu vim para São Paulo ainda
criança pequena, com meus três ou quatro anos de idade, trazido por meus pais,
que precisaram migrar para esta gigantesca e desumana selva de concreto por
questões financeiras: uma situação de urgência. Havia a ideia de retornar um
dia, todavia meus pais acabaram permanecendo por aqui toda a vida, até hoje (45
anos depois, 2016). Meu pai Altino da
Silva faleceu recentemente, ao final do ano 2012, aos 87 de idade, vítima
de um aneurisma abdominal, e ainda no leito de morte dizia que, se ficasse bom,
gostaria de voltar a ver Blumenau pelo menos mais uma vez. Porém em nossa vida
tivemos fases difíceis, e esse retorno, por muitos anos, não foi possível.
Depois, foi sempre adiado, por um motivo ou outro, e, assim, meu querido
velhinho morreu sem realizar o sonho antigo.
Bem,
o que interessa dizer é que eu mesmo, ainda que tenha sido trazido para cá sem
ser consultado, fui desde sempre educado como um legítimo blumenauense. De fato, cresci ouvindo inúmeras histórias de uma
cidade como que encantada, maravilhosa, onde tudo eram mais bonito e diferente
do lugar onde eu agora vivia: dizia minha mãe Marlene Vieira da Silva, que nesse lugar de sonhos as ruas eram
sempre limpas e ladeadas por canteiros de flores; os habitantes eram belos,
gentis e civilizados, bem mais que aqui na megalópole; havia um rio bonito e
limpo, que refletia o céu e a luz do sol, cortando toda esta beleza, e montes
verdes encantadores que a cercavam... Uma cidade ensolarada, de habitações
parecidas com casas de bonecas (só que de verdade), com flores nos parapeitos e
pinheiros nos quintais, onde pessoas boas, decentes e honestas viviam em paz
suas vidas simples e felizes...
Claro
que a saudade dos meus velhos fazia com que exagerassem nas descrições e nas
histórias da sua terra natal, mas o Sr. pode imaginar o efeito que elas tinham
na minha cabecinha de criança e o quanto estimulavam a minha imaginação.
Assim
eu cresci. Já adolescente, toda vez que algum filme ou comercial da TV mostrava
uma bela cidade ou paisagem, minha mãe sempre exclamava: “Parece Blumenau!”, ou então: “Blumenau é mais bonito!”... Mas aqui em São Paulo era tudo tão
diferente... Tão mais triste, árido, cinza, sem vida.
Em
toda época de Natal, minha mãe me
contava longamente, ano após ano, como era encantado o Natal em Blumenau; falava do modo como a cidade era toda
enfeitada, com carinho e grande capricho; como as crianças penduravam suas
meias na janela e os homens se vestiam de São Nicolau e saíam pelas ruas
distribuindo guloseimas... Meu próprio pai, vestido assim e com um saco de
balas e doces, entrou em casa de minha mãe, ainda criança (ele era bem mais
velho do que ela) e pô-la no colo a perguntar se tinha sido uma boa menina
naquele ano. E embora em São Paulo não tivesse nada disso, ela tentava manter
essas tradições todas, fazendo-me pendurar a meia na janela (que ela
furtivamente, à noite, na véspera de São Nicolau, enchia de doces, para o meu
deleite na manhã seguinte), cozinhando aquelas bolachinhas com cobertura
colorida e formatos natalinos, decorando galhos no quintal com algodão para
imitar neve... Já na época de Páscoa eram as famosas “casquinhas” de ovos,
pintadas artesanalmente, que eram carinhosamente guardadas, dos ovos que
comíamos o ano inteiro. Tudo à moda blumenauense.
Sim,
apesar de eu ter sido criado em São
Paulo, a quarta ou quinta maior metrópole do planeta, fui sempre educado
como catarinense, mais
especificamente como cidadão blumenauense, à base de cucas, pão caseiro, ovo
quente todas as manhãs (gema mole, como a ‘oma’ fazia), repolho azedo no
almoço, feijão preto, sagu de sobremesa. E eu falei, até os meus 8 ou 9 anos de
idade, naquele sotaque delicioso, meio cantado (‘Vás lá? Então porque viesse
aqui?’), o qual, afinal, me esforcei muito para perder na escola, porque
meus coleguinhas riam de mim. Com muito custo troquei o “tu” pelo “você”.
Segundo
minha mãe, da sua parte tenho avó alemã e avô português, açoriano, embora ela
lamentavelmente não tenha guardado dados históricos familiares mais precisos.
Já meu pai era um bom brasileiro; minha mãe dizia que ele tinha sangue “bugre”, embora ele não gostasse de
falar sobre isso. Foi jogador de futebol profissional e treinador do Palmeiras Esporte Clube. Quantas e
quantas narrativas das suas muitas aventuras e peripécias eu ouvi, muitas delas
envolvendo aparições fantasmagóricas noturnas nas pontes da Blumenau de
antigamente...
Blumenau 2008
Enfim,
peço perdão por tanta divagação. Todo esse preâmbulo foi só para dizer o quanto
amei Blumenau a minha vida inteira, ao menos em minha imaginação, ainda que não
me lembrasse de praticamente nada dos seus traços, mesmo que mal tenha
conhecido suas ruas e seus encantos, dos quais apenas cresci ouvindo falar – e
falar sempre tão apaixonadamente.
O
tempo se passou. Vindo de família humilde, eu nunca tive nada fácil, não recebi
grandes oportunidades nesta vida; precisei, como se diz, “correr atrás” das
coisas. Quando eu era ainda muito jovem (16 para 17 anos), os meus pais, que
desde que me lembro sempre brigaram muito, acabaram se separando. Foi um grande
sofrimento. As coisas ficaram mais difíceis e também mais tristes para mim.
Precisei trabalhar cedo, para ajudar minha mãe, agora só, a pagar as contas em
casa. Conforme eu crescia, via o quanto a vida era dura, e por certo ainda mais
dura na selva de concreto e vidro onde se respira fumaça e onde, com o passar
do tempo, passamos a achar normal viver com medo de assalto, ver crianças
abandonadas, aos montes, dormindo imundas debaixo de cada viaduto, e pilhas
humanas jogadas pelas calçadas, de gente drogada e desesperançada, ou ainda ter
alguém a lhe pedir dinheiro o tempo todo, seja dentro dos ônibus ou pelas ruas.
Não
me entenda mal pelas referências negativas que faço à antiga “terra da garoa”. Eu vivi muita coisa
boa aqui em São Paulo, esta gigante
que me acolheu e me deu muitas oportunidades; mas não posso negar a sua cruel
realidade, que eu vi de muito perto. Foi em meio a este cenário áspero que eu
amadureci e me estabeleci profissionalmente, casei-me, constituí família... E
foi assim, aos poucos, sem perceber, que eu fui me esquecendo daquela terra de
sonhos da qual tanto ouvira falar durante toda a minha infância e adolescência,
de todas aquelas histórias encantadoras.
Depois
de algum tempo, acho que comecei a pensar que a minha tal cidade de origem,
idílica e tão encantadora, não existia na vida real, ao menos não da maneira
como me havia sido apresentada. Que era tudo fantasia dos meus pais. Não podia
existir nada assim, neste nosso país tão complicado. Assim foi até o ano 2013,
quando, após um ano de trabalho muito estressante, minha esposa me deu um
ultimato: ela precisava viajar no final do ano, e não bastava simplesmente ir à
praia (nem eu gosto de praia) ou a algum lugar próximo. Ela queria conhecer, ao
menos, algum outro Estado do Brasil. Ela, que gosta de natureza e de apreciar
paisagens exuberantes, respirar ar puro, nadar em cachoeiras e coisas do tipo,
pesquisava cidades do interior das Minas Gerais para passarmos alguns dias
relaxantes. Eu, não sei bem por que, não me encantava com a ideia.
Blumenau 2010
Por
fim, de um jeito completamente espontâneo, num belo final de tarde nos
encontramos, logo após o trabalho, e resolvemos ir à rodoviária do Tietê,
passear entre os estandes das companhias de viagens para procurar ideias de
destinos para o nosso passeio, para ver se nos decidíamos. Caminhamos por algum
tempo pelos corredores, procurando lugares interessantes para conhecer. E
assim, sem planejar, sem combinar nada, sem mesmo pensar nisso, nos deparamos
com uma placa singela onde se lia: “Joinville,
Jaraguá do Sul, Blumenau...”. Estávamos no lugar “errado”, porque
pensávamos em Minas, sentido Norte, e não Sul de São Paulo. Mas aí minha esposa
– que viu a placa primeiro – exclamou: “Olha! A sua cidade!”...
Eu
olhei aquela placa e o nome “Blumenau”
me saltou aos olhos, como se ganhasse vida própria. Num segundo mágico, uma
enxurrada de lembranças e emoções me veio à mente, um turbilhão de memórias
esquecidas, há muito engavetadas ou varridas para baixo do tapete em algum
canto escuro de minha mente. Foi como um despertar! E antes que eu pudesse
comentar qualquer coisa, ela, que é sulista também, do Estado do Paraná, disse
logo: “E se fôssemos para lá, conhecer a sua terra natal? Seria uma aventura
diferente, algo que faríamos por impulso, um jeito de fugir da rotina, como eu
quero!”...
De
minha parte, mal deixei que ela concluísse a frase. Sem refletir, respondi de
bate-pronto, com empolgação: “Isso! Vamos para Blumenau!”... Sentia-me como se voltasse a velha infância, sentia
como que uma lufada de ar fresco em meio à rotina estressante do que tinha sido
a minha vida nos últimos anos. Assim, sem pensar em mais nada, compramos
aquelas passagens já para o dia seguinte, e quando dei pela coisa, estávamos a
bordo de um ônibus confortável viajando para a terra encantada dos meus sonhos
de infância. Não sabíamos o que esperar nem o que encontraríamos pela frente.
Não tínhamos sequer reserva em hotel algum! Queríamos mesmo uma aventura.
Bem,
este é o fim da minha história. Um final feliz e um recomeço para mim. Voltei a
Blumenau depois de uma vida inteira
sentindo-me um “estranho no ninho” numa cidade que eu nunca assumi como minha,
e algo muito estranho e totalmente inesperado aconteceu: ao reencontrar as
minhas raízes, senti-me totalmente em casa! Senti, no mais profundo do meu ser,
que estava no meu lugar, entre a minha gente, a minha grande família, o meu
lar! Experimentei uma avassaladora sensação de reencontro, de alguém que
estivera perdido por um longo, longo tempo, e finalmente se reencontrava.
Sou
totalmente incapaz de descrever o que este reencontro com Blumenau – com o seu sotaque, suas flores, seu melhor chope e
melhor cerveja do mundo, com a Pia Batismal onde fui batizado na Catedral São
Paulo Apóstolo, sua gente acolhedora e sempre sorridente e tudo o mais – causou
em mim. Foi não apenas a improvável confirmação de todas as histórias
fantásticas que eu sempre ouvira, mas a superação de todas elas. Sim, tudo era
como eu sempre imaginara desde criança, porém ainda melhor, e muito melhor!
Casualmente, esta primeira visita ocorreu na época de Natal, e lá estavam os
enfeites, os homens vestidos de São Nicolau, as bolachinhas coloridas da minha
infância... Além das ruas floridas e das casas de bonecas que parecem saídas de
um sonho ou de um tempo que não volta mais.
Amor
à primeira (segunda) vista! Foi sofrido ter que retornar para São Paulo.
Depois dessa primeira experiência inesquecível, voltamos várias vezes; volto
sempre que posso. Minha casa e meu ambiente de trabalho estão repletos de
souvenires de Blumenau, de canecas na estante e escrivaninha a brasões na
parede, além dos livros sobre a cidade. Senti e sinto um orgulho muito puro e
autêntico de ser blumenauense.
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Finalmente,
o motivo desta longa mensagem, que espero não o tenha cansado demais: falando
da maneira mais resumida possível, quero dizer que eu tenho planos bem sólidos
para lançar um periódico impresso de alta qualidade que farei circular pelas
ruas de Blumenau, em forma de revista mensal, que contaria, em partes, a
história da cidade e regiões vizinhas, e traria também a cobertura das notícias
locais mais importantes e de maior interesse da população. Creio que Blumenau
carece de algo assim. Tenho certeza de que este projeto será um grande sucesso
e que se sustentará por si próprio muito facilmente, porque teria uma grande
quantidade de anunciantes e patrocinadores (tenho vasta experiência na área,
sei como fazer e estou bem motivado).
Como
o Sr. já pode imaginar, eu gostaria muito de contar com uma participação sua,
com o seu conhecimento inestimável da história, da cultura, dos costumes e
tradições desta terra “mágica”.
Bem,
tudo isto foi apenas para me apresentar e apresentar as minhas intenções. Agora
que não sou mais um estranho, gostaria de saber se seria possível marcarmos uma
entrevista assim que possível.
Desde
já agradeço pela atenção e deixo um fraterno abraço,
Aguardo
o vosso retorno
Henrique Sebastião
Associação
Laical S. Próspero
Tel.s:
(11) 3569-1292 / 9-4966-5406