Churrasco de igreja
(Para meu amigo Adalberto Day e para meu pai, Roland Klueger).
A historiadora,
escritora e Colunista Urda Alice Klueger, nos apresenta uma crônica em
homenagem ao seu pai e a mim. O assunto se desenrolou em conversas com a Urda enquanto eu estava em
tratamento de radioterapias e quimioterapias de um câncer na Rinofaringe
em 2012/13, onde por diversas vezes ela e outros amigos diziam que iriamos logo
comer “um churrasco de Igreja”. Ainda não é possível devido à destruição da glândula salivar com a Radioterapia,
e carne não passa na garganta, assim como alguns alimentos, porém o aroma eu
sinto todos os dias. Que saudades!
Por Urda Alice Kluger
Urda
Aquele aroma vem lá da minha infância mais antiga, do
tempo em que ainda não tinha quatro anos, e é inesquecível e incomparável. Em
dias de festa, e houve alguns naquele período em que começo a lembrar das
coisas, meu pai fazia o perigoso braseiro no chão do rancho, rodeado por alguns
tijolos, e meninas pequenas como eu ficavam proibidas de aproximar dali um
dedinho que fosse.
O fogo, assim como a água, continuam exercendo seu fascínio atávico sobre o ser humano, e ainda me lembro muito bem do rubor daquelas brasas vivas e perigosas, que logo eram cobertas pela grelha de ferro, utensílio importantíssimo naqueles tempos remotos – e que continua a existir, principalmente em festas de igreja.
O fogo, assim como a água, continuam exercendo seu fascínio atávico sobre o ser humano, e ainda me lembro muito bem do rubor daquelas brasas vivas e perigosas, que logo eram cobertas pela grelha de ferro, utensílio importantíssimo naqueles tempos remotos – e que continua a existir, principalmente em festas de igreja.
Então,
quando a grelha incandescia, lá vinham os churrascos para assar, mergulhados no
tempero desde a véspera, e meu pai, que sempre foi hábil cozinheiro, sabia
direitinho o que se usar para um churrasco, ou cinquenta, ou cem – temperava os
churrascos para um casamento inteiro, ou para o que fosse, as quantidades
sabidas de cabeça, tanto de sal, tanto de pimenta do reino, tanto de cebola
cortada, tanto de vinho, tanto de cerveja, um pouco de limão.
Igreja Bom Pastor - Garcia
Acho bom clarear
o conceito de churrasco para quem não é nativo do Vale do Itajaí – nosso
churrasco é aquilo que os gaúchos, por exemplo, chamam de chuleta, e quando,
aos poucos, outros povos começaram a povoar este vale que fora por algum tempo
dominado pelos imigrantes e seus descendentes, e se espantarem pelo nosso
conceito de churrasco, espantamo-nos também, pois, para nós, o churrasco era
aquilo que a nossa cultura nos passara.
Igreja Nossa Senhora da Glória
Lembro
da primeira vez em que estive num churrasco em distante lugar, e o quanto me
espantei com tantas carnes, porcos cortados ao meio com os dentes ainda
formando meio sorriso e coisas assim, sal grosso em lugar de vinha d’alhos,
espetos – tive um choque, assim como devem ter tido os que vieram de fora e se
depararam com o que sabíamos. Imagino, no entanto, que os migrantes não devem
ter se chocado com aquele aroma que se espalha pelo ar quando aquelas chuletas
temperadas de véspera vão para a grelha e rescendem àquela inebriante fumaça de
carne assando no seu melhor tempero, assim como meu pai fazia.
Ao
longo das últimas décadas, o churrasco gaúcho foi tomando conta dos
restaurantes e costumes desta região onde vivo, e penso que hoje já pouca gente
sabe, como meu pai sabia, as quantidades certas de tempero para cinquenta ou
cem churrascos, e além de um ou outro lugar esparso, como algumas casas ou
alguns assadores, o nosso churrasco tradicional está circunscrito às festas de
igreja. E hoje é um tempo em que a gente diz coisas assim:
-
Vou comer um churrasco de igreja na festa da Nova Rússia! – pode ser em outro
lugar, o que importa é a tradicionalidade daquele tempero de véspera, a grelha
de pernas curtas sobre o braseiro, aquele aroma que eu diria divino se
espalhando pelo ar, coisa que foi tão bem preservada pelas igrejas, nas suas
festas! O nosso churrasco tradicional hoje se chama “churrasco de igreja”, e
lembrando o que meu pai fazia, eu ainda arrisco fazer o tempero de uma ou duas
peças daquelas, para obter resultado mais ou menos igual, e fico caçando os
anúncios de festas de igreja para ir lá comer aquele que é o tradicional
churrasco da minha infância, e nessas ocasiões, sinto tamanha saudade do meu
pai
A historiadora e escritora blumenauense Urda Alice Klueger foi homenageada dia 25 de novembro/2014 na Assembléia Legislativa de Santa Catarina. Recebeu a medalha Mérito Legislativo,considerada a maior honraria do parlamento catarinense, em sessão solene . Urda é membro da Academia Catarinense de Letras, do Instituto Geográfico de Santa Catarina, da União Brasileira de Escritores e da Associação de Jornalistas e escritores do Brasil .Autora de Romances e Ficção. inclusive para crianças, atualmente faz pesquisa sobre os povos sambaquianos.
Blumenau,
18 de novembro de 2014.
Urda
Alice Klueger
Escritora,
historiadora e doutora em Geografia.
Caro Adalberto,
ResponderExcluirBom dia. Espero que esta mensagem encontre você e sua família muito bem.
Que belas recordações esse post me trouxe. Lembro-me bem nos idos dos anos 70 quando eu acompanhava minha mãe a avó à Festa do Divino na Igreja Matriz. O aroma do churrasco, a maionese servida com pepino e/ou beterrada, os pratos de papelão, algodão doce, etc.
Bons tempos aqueles...
Forte abraço,
Ivo Antônio Reinert Prim
Adalberto: Pois é, eu também fazia esse tipo de churrasco, hoje todos tem pressa e apelam para o sal grosso. Lembro que usava azeite, alho picado, cebola, sal de cozinha, vinagre, cerveja, pimenta calabresa, um pouco de paprika picante.
ResponderExcluirLembro-me de um churrasco que fiz para funcionários de 1 empresa em que o organizador pois o tempero em garrafas e levou para casa eu chamava de churrasco de paulista, bifes da espessura de um a dois dedos, geralmente de alcatra ou contra filé.
Rudolf Polzer
Sim, professor. Me identifiquei com a crônica, recordando meu saudoso pai, tbém churrasqueiro de festas de igreja. Lembrança boa dos 100 a 150 espetos de madeira que eu limpava. E do fogo feito com nó-de-pinho, que dava um braseiro bom.
ResponderExcluirLPC Bueno
Coisa boa,
ResponderExcluircomi alguns churrascos de igreja na tabua de madeira com bastante cebola e um pãozinho
Abração
Att:
Maestri / LC
Alexandre Farias
ResponderExcluirAdalberto e Urda Mas é bom um churrasco de igreja... Conheci tal tradição aí no vale e me apaixonei. Deu água na boca,vou almoçar
Adalberto e Urda
ResponderExcluirChefe da água na boca |||||
Edemar Fath
Como era gostoso o meu churrasco. Minha mãe temperava aquelas alcatras e depois colocava na grelha. Limão, sal fino, cebola entre outras coisas faziam parte do preparo. Ela deixava repousar antes de levar a grelha. Faz tempo que não saboreio um churrasco desses. Hoje em dia sou na verdade só consumidor de churrascarias. Também fiz muito churrasco na vida, até na comemoração do falecido compadre Nelson Tófano quando se elegeu Deputado Estadual. Usei duas churrasqueiras para atender umas 100 pessoas. Um churrasqueira na casa do compadre e uma do outro lado da rua na casa de um vizinho. Era no começo da rua Amazonas à direita quem vai para o bairro. Só não lembro o nome da rua. Churrasco me faz retornar a infância e a juventude que não voltam mais.
ResponderExcluirParabéns pela matéria Urda e Adalberto.
Edemar Annuseck
Curitiba - PR
Bom, moro aqui em Blumenau, mais não sou daqui. Mas em ler o relato, me transportei em pensamentos e imagino como eram feitos esses churrasco. Ohhh delícia! Um super abraço Beto.
ResponderExcluirAlo mister adalberto e Gloriosa Urda, muito bem lembrado de uma das grandes atrações das festas de Igrejas o famoso churrascos de Igrejas temperados de um dia para outro, por gente que sabiam fazer,por isto varias Igrejas tinhan fama da melhor gastronomias, e eu aproveitando a carona posso falar que servia o melhor churrasco de Blumenau dito pelos meus clientes , que se servião na então famosa Churrascaria Samanbaia, o tempero para voce saber se não vendese tudo no Domingo podia comer cru na segunda pois so o tempero era delicioso, eu quando aprendi fiquei proibido de passar a outro a receita por ordem do antigo dono da Churrascaria Chão Batido Sr. João Voss, na rua Itajai,Urda parabens pela idéia, vamos falar tambem das bolachas enfeitadas de natal voce conhece. abraços
ResponderExcluirProfeBorto
ResponderExcluirJustíssima homenagem ao mestre Adalberto Day Crônica q/a Urda escreveu em minha homenagem http://www.adalbertoday.blogspot.com.br/2014/12/churrasco-de-igreja.html … … Mereces como ninguém
José Carlos Bortoloti
Bom dia Adalberto
ResponderExcluirgostei muito da crônica da Urda em homenagem a você e ao pai dela.
Churrasco! uma delícia!
Como lembra a Urda o pai dela tinha uma forma especial para temperar um churrasco e depois assá-lo na grelha, o que certamente conferia um aroma e sabor especial.
Hoje, algumas vezes o churrasco de Igreja já vem temperado pelo fornecedor e o churrasqueiro apenas o coloca na grelha para assar e aí vai depender dos ingredientes usados e da dosagem de sal. No mês passado dia 09/11 tivemos um almoço comunitário na Paróquia Bom Pastor Garcia (a primeira que aparece na foto) onde foram assados mais de 500 churrascos e estava uma delícia, macio e suculento e tempero na medida!
Bem sei que ainda não podes, mas na esperança de que possas recuperar tua saúde, possamos um dia sentar juntos e saborear um delicioso churrasco, daquele que a gente sente o gostoso e agradável aroma que vem da churrasqueira.
Claro, com um convite à Urda também.
Abraço
Meu caro Adalberto,
ResponderExcluirComo não lembrar do tradicional churrasco de igreja ou filé duplo, pois hoje ainda quando temos a oportunidade vamos sim saborear o churrasco de igreja, porque ele vai ser sempre diferente dos que possivelmente vc faça em casa, sempre melhor.
Excelente lembrança, mas temos que aqui registrar que, só fica bom porque quem os tempera é quem faz a diferença no sabor do mesmo,sendo este horário perto do almoço já estou salivando , lembrando do churrasco.
Prezado Dr. Adalberto Day e Urda
ResponderExcluirAgradeço mais uma vez pela bela crônica que a Urda discorreu sobre o churrasco de igreja.
Esta crônica me reporta para os anos de 1964 quando eu fui atleta profissional de futebol do Olímpico de Blumenau. O clube naquela oportunidade oferecia aos associados e diretores e interessados todas as segundas feiras o famoso churrasco do Sr. Arthur. E como eu além de atuar no Clube morava na concentração do estádio participava do churraco/ costela que era uma delícia. Toda noite de segunda feira o famoso churrasco do Sr. Arthur era muito concorrido e os interessados tinham que fazer reserva com antecedência.
Saudades dos bons tempos!
Um grande abraço.
Barreira.
Muito lindo este texto, Adalberto!
ResponderExcluirPor instantes viajei no tempo e me lembrei do meu falecido Pai. Passados já mais de 40 anos, ele sempre gostava de reunir a família nos finais de semana, as vezes fazendo um churrasco em casa, outras levava todos para ir em alguma festa de Igreja.
Valeu!
Grande Abraço.
Amigo Adalberto!
ResponderExcluirLí com interesse o texto belíssimo da Urda e pus a memória para funcionar, mas das minhas lembranças nessa área somente ocorreram-me os churrascos á moda gaúcha feitos pelo Fávio Rosa ou almoços no Adolfo, Froshing, Moinho do Vale, Gruta Azul, Cavalinho Branco e um restaurante de beira de estrada no caminho de Ascurra, que fazia um lombinho maravilhoso.
Por conta de nunca ter tido a oportunidade de provar o petisco, não ousei comentar sobre um assunto que infelizmente não conheci.
Forte abraço,
Bom dia Urda e Beto,
ResponderExcluirVocês são originais em seus textos, nos fazendo despertar o olfato e aguçando as glândulas salivares, é! Fiquei com água na boca e o cheiro veio instantaneamente.
Lembro de quando meu pai fazia churrascos nas datas comemorativas, natal, páscoa, aniversário dele...
Precedia a colheita dos limões, o corte da cebola, o sal, raramente adicionava outros temperos.
Em cima da mesa ficava da véspera até o dia da festança, e o aroma do tempero tomava conta da casa.
Vi muitas vezes papai levantar o pano que protegia a bandeja e pagava a cebola, fazia uma leve careta e dizia que estava bom.
Obviamente que o imitava, assim como meus irmãos.
No dia da festa já não havia mais cebola no tempero.
Nas festas de igreja o tempero inclui mostarda e também coca cola, soube deste ultimo ingrediente há pouco tempo.
O mestre explicou que em 50 litros de tempero, suficientes para temperar um torno de 150 churrascos são adicionados 2 litros de coca cola que tem a função e “amaciar” a carne.
Que os churrascos são encomendados sob “medida”, tem que ter de 700 a 800 gramas.
E pro fim, explicou que para “chamar” os clientes, desde as primeiras horas é posto a graxa do churrasco na grelha, deixando-a pingar no carvão, fazendo com que haja combustão, expelindo aquele cheiro a quilômetros.
Observa-se que há inúmeras técnicas, relatei uma delas, que é feita na igreja que freqüento.
E por estes motivos, o cheiro, a maciez, o tamanho, faz ser única, bem melhor do que o papai fazia lá em casa!
Parabéns Urda! Obrigado Beto Day!
O tema é saboroso. Faz reviver a nossa infancia. Meus pais eram festeiros na igreja matriz na barraca da roda da fortuna. A festa do Divino era o programa e o cardápio o churrasco de igreja. Tradicional. Parabéns a autora e ao blog do Beto pelas boas lembranças com este prato da nossa tradição.
ResponderExcluirZé Pfau
Amigo Adalberto,
ResponderExcluirmuito bacana o texto da Urda. Me chamaram a atenção 02 aspectos:
- o surgimento de um churrasco (e mesmo de um prato) tipicamente blumenauense;
- muito válido o resgate de "pequenos" fatos marcantes de nosso dia a dia. Esta valorização da um sabor especial a vida.
Parabéns, abraços, Theodor.
Saudades da casa de Schwester Marta, (rua Amazonas 4065) onde aconteciam os Cultos todos os domingos. (cultos ministrados por Pastor Rolf Dübbers, em memória, também outros pastores ali moraram e ministraram cultos e outras atividades)
ResponderExcluirNas festividades uma vês ao ano ali sim tinhamos um verdadeiro churrasco de Igreja, onde por vários anos auxiliei meu falecido sogro Sr. Rodolfo Roepcke, que foi assador e festeiro da comunidade.
Neste endereço como também na nova Igreja Bom Pastor.
Onde ainda até hoje acontecem festividades uma vês ao ano. Nos anúncios para divulgação da festa, o churrasco é o anúncio chefe, uma suculência sem igual, que só é encontrado nas festas de igrejas do Vale do Itajaí, já residi em várias regiões do país, mas Churrasco de Igreja, como este, ainda não conheci.
Saudades, também tem sabor.
Henry Georg Spring
Boa tarde querido amigo Adalberto Day, depois de ler e apreciar essa linda homenagem, fiquei muito emocionado, não apenas com o churrasco de Igreja, que por si só trouxe muitas lembranças da minha infância com meu pai, mas também pela sensibilidade e riqueza de detalhes dessa belíssima crônica, obrigado por compartilhar comigo essa linda obra literária.
ResponderExcluirde seu amigo poeta Marcondes Schifter
O churrasco de igreja, ou churrasco de festa pode acreditar é coisa nossa.
ResponderExcluirComento com as pessoas que encontramos nestas nossas andanças sobre o churrasco de festa.
O cheiro já alimenta a alma e provoca demais.Quando um vizinho faz o tal churrasco o cheiro vai longe. Até parece aquela fumaça dos desenhos infantis que vão longe que entram em qualquer frestinha...
Benditas festas de igreja e seus churrasco deliciosos.
Ufa! Mas eles são os responsáveis pelo pecado da gula de todos nós.Como sempre mais um texto super interessante.Olha, pensando bem o cheiro é quase melhor que o sabor.(pecado da mentira) Parabéns.