Publicado em Artigos
Jornal de Santa Catarina
23/04/2014 | N° 13173
LAURO BACCA
Ernesto, autobiografia
Nasci em Ilhota (SC), à beira do que devia ser o rio Luis
Alves. Foi curto o período em que recebi algum amparo e proteção de minha
mãe. Meu pai, nunca vi nem soube quem era. Transou com minha mãe e a largou,
seguindo o costume da ordem. Sem apoio paterno e sendo muito breve a proteção materna, cedo tive que ir à luta, mas sem muita sorte. Pegaram-me junto a um galinheiro
e me acusaram de estar comendo pintinhos.
Foto: divulgação/reprodução
Quase me mataram, mas fui salvo por uma família da Vila Nova em Blumenau, que me doou para uma outra família,
moradora de um lugar chamado Capim Volta, um nome curioso para certa região de
um bairro da cidade, a Ponta Aguda. Tendo apenas 47 centímetros fui colocado
num tanque com água e rampa para banhos de sol, fechado com tela de arame para
proteger-me de predadores. Batizaram-me em homenagem ao sogro de meu padrasto.
Alimentado com peixes, meu prato preferido, comecei a crescer, até atingir um
tamanho seguro para levarem-me a um ambiente maior, um pequeno laguinho. Às
vezes gostava de roubar comida no prato dos cachorros da casa e não me
importava quando, esparramado ao sol na calçada, a Hilda tinha que ficar sobre
mim para pendurar roupas no varal.
Continuei crescendo e já estava com 1m15cm, quando certo dia, sem fazer nada,
dei o maior susto no carteiro que, ao me ver, de um salto, foi parar lá no meio
da rua. Era chegada a hora de tentar voltar ao ambiente natural. De um laguinho
minúsculo passei a ter liberdade total numa lagoa enorme de 3 mil metros
quadrados, depois de passar nove meses num cercado, para adaptação.
Membro de uma espécie que em Santa Catarina está ameaçada de extinção,
acabei recebendo a companhia de outros quatro membros da minha espécie para ver
se dava certo nosso processo de reprodução. Mas quem substituiu meu padrasto
nesta função não se interessou por isso, entregou meus quatro novos colegas
para o zoo do Beto Carrero e eu fiquei sozinho novamente.
Acabei transferido
para o Parque Ecológico Spitzkopf, onde um dia acharam-me morto. Causa
mortis: um enorme novelo de linha de pesca de nylon com um anzol preso na saída
do estômago.
O simples fato de alguém ter ido pescar onde era proibido, na lagoa onde vivi
os melhores anos de minha existência, no então Parque Ecológico Artex,
custou-me a vida e a chance de reproduzir minha rara espécie, meses depois que
engoli um peixe sem saber que ele estava preso num anzol. Hoje, meu corpo
“empalhado” de 1m75cm serve de exposição zoológica didática num corredor do
bloco T da Furb.
Assinado, jacaré Ernesto do papo amarelo.
Texto : Naturalista e ecólogo Lauro Eduardo Bacca
Texto : Naturalista e ecólogo Lauro Eduardo Bacca
Meu caro Adalberto,
ResponderExcluirNão só vivendo e aprendendo, mas também lendo e prendendo!! Pois nem sabia desta historia, fiz varias vezes trilha de moto naquela região, e nunca tinha ouvido falar sobre este caso pela aquela região, pois hoje se me perguntarem já saberei dizer tal feito!!!
Muito bom.
ResponderExcluirBeto Parabéns, considero muito bom estes textos com historinhas. O Lauro é criativo também.
Grande abraço
José Geraldo Reis Pfau
Publicitário - Blumenau.