terça-feira, 24 de julho de 2012

- Edículas

Em histórias de nosso cotidiano, apresentamos hoje mais uma crônica da Urda, relatando em sua crônica sobre  os ranchos e puxadinhos .... E exatamente como a Urda narra, lembro também de minha infância idêntica, e morava em uma casa com o puxadinho e o rancho, na Rua Almirante Saldanha da Gama – casas populares da Empresa Industrial Garcia.

                              Fui uma leitora voraz desde quando entrei na escola e recebi meu primeiro livro de leitura, que devorei inteirinho no primeiro dia – considerando que fazia algo como uma semana  que a minha mãe me alfabetizara, fazer aquilo era uma coisa que estava além das expectativas dos adultos.
                                   Portanto, fui uma leitora voraz desde a alfabetização, e seria difícil, hoje, fazer a conta de quantos milhares de livros li, o que me deixou ciente de um bastante bom vocabulário de português. Surpreendi-me, faz poucos anos, ao descobrir que havia pessoas que não sabiam o que significavam palavras como “brumas”, ou “rés do chão”, ou “chávena”, por exemplo. Não sei bem o que senti ao fazer tais descobertas: se eu era uma felizarda por haver lido tanto, ou se tinha pena das pessoas que não tinham lido. Acho que senti mais ou menos uma média das duas coisas. Mas houve uma palavra que me escapou, e vou contar a respeito.
                                   Nos anos da minha infância, as pessoas moravam em casas, e lá no fundo das casas normalmente havia um rancho, que era onde se guardava a lenha cortada, se pendurava cachos de banana para amadurecer, onde as crianças brincavam em dias de chuva e que tinha centenas de outras utilidades. Dependendo da casa, era lá que ficava o banheiro e o tanque de lavar roupas. O rancho se chamava rancho se era construído separado da casa – quando tal construção polivalente era anexa a casa, o nome mudava para puxado. Mais tarde veio a televisão e a popularização da palavra “puxadinho”.
                                   Faz poucos dias que andei olhando um lugar na Internet onde se anunciavam casas para vender e/ou alugar. Era um lugar muito bem feito, onde apareciam muitas fotografias das citadas casas, além de descrições da mesma, mais ou menos assim: casa com tantos metros quadrados, com três quartos, dois banheiros, sala em dois ambientes, cozinha com despensa e... edícula! Puxa vida, deveria ser uma coisa muito fascinante uma edícula! Por algum motivo veio-me à cabeça essas mais ou menos sobrelojas que casas chiques têm, e que são conhecidas por mezanino. Bem que gostaria de ter uma casa com uma edícula iluminada por uma janelinha, como certas mansardas que a gente encontra em romances. Colocaria lá meu computador e poderia trabalhar enquanto espionava o funcionamento do fogão, da máquina de lavar roupa... Se fosse perto do mar, então, dominaria o mundo da minha edícula: veria a chegada e a saída dos navios, o vento nordeste das tardes, as marés baixas e as lestadas, a lua cheia prateando tudo... Céus, passei a sonhar que teria uma edícula, até que comecei a me dar conta de que quase todas as casas anunciadas tinham edículas – será que aquilo era mesmo o que estava a imaginar? Havia tanta gente assim, atualmente, fazendo sobrelojas nas suas casas?
                                   Fui a São Google, claro! Era tempo de ver se estava certa no que pensava, já que as enciclopédias e os dicionários, hoje, já não tem mais a mesma importância que tiveram um dia.
                                   Fiquei com a maior cara de tacho! Edícula não era, absolutamente, um mezanino – em português do Brasil, edícula não é nada mais nada menos que o que antes chamávamos de rancho, quiçá de puxado ou puxadinho!
                                   Passei a prestar mais atenção às fotos das casas, então. Nas edículas, hoje, normalmente existem churrasqueiras, o que não muda nada. Era bem num vazio do nosso rancho que o meu pai costumava fazer um braseiro e colocar sua grelha de assar churrasco, quando era dia de festa! “Ora, direis, ouvir estrelas![1]”. Nossos inocentes ranchos, hoje, foram promovidos e tem um nome sofisticado como edícula! Quem diria! O que será que foi que eu não li para não saber tal coisa?

Blumenau, 02 de junho de 2012.
Urda Alice Klueger Escritora, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR
Arquivo de Adalberto Day e Urda Alice Klueger


[1] Verso de Olavo Bilac, poeta brasileiro.

9 comentários:

  1. Pra quem tem uma cultura tão grande como a Urda, e a usa sem os melindres e afetações acadêmicas, confessar não conhecer uma palavra é só mais uma prova da sua adorável personalidade. Aqui ela mostra que a menina Urda ainda está sedenta por conhecimento, e que não abre mão de compartilhar isso e nos incentivar na busca conjunta pelo prazer da leitura.

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  2. Que saudades desse tempo!!!! Nossa que coisa mais boa!!!!
    E vc meu querido, como estas?
    Shirley Day

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  3. Bom dia
    Bem interessante, a Urda sabe colocar as palavras !!
    Abraços
    Allan Jurk

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  4. Bem facil ler artigos da Urda.......Quem da nossa idade não teve um rancho em casa? Eu,por exemplo, se puxar na memória, sou capaz de desenhar o que o seu Nicolau tinha na casa ds voçes, e contar do caminho entre a casa e o rancho que dava no "galinheiro". Bons tempos.

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  5. Prezado Adalberto,
    Que que belo texto da Urda em mais uma ótima postagem do seu blog.
    Abraços,
    Flavio Monteiro

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  6. Bom dia Adalberto

    Muito bom o texto da Urda e legal que o acolheste no teu blog.
    É verdade: "quem da nossa idade não teve um rancho em casa" ?
    Urda, você como uma "leitora voraz" me traz grandes lembranças.
    Parabéns!
    As vezes a gente tem que colocar alguns livros na "fila de espera" mesmo, porque são muitos para a leitura.
    Abraço

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  7. que saudade dos ranchos e puxadinhos da minha infância...
    abraço amigo,
    Eurides A Severo

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  8. Prezada dona Urda, maravilhoso seu texto, falando no mundo das edículas em casas capitaneadas por simples mortais como nós. Mas, no mundo dos famosos, também encontramos esse tipo de construção. Talvez a mais espetacular delas seja mesmo a edícula que Maria Antonieta mandou construir nos fundos do Palácio de Versales, e chamava de le Petit Trianon. Mas, por essa, e por outras, ela perdeu a cabeça... literalmente. Abraços. Cao

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  9. Beto
    Muito interessante essa da "edicula".. São palavras mais ou menos assim que remetem o leitor ao "amansa burro" do Aurélio. Também já li a palavra ha algum tempo e já não me lembrava de seu significado. Graças a Urda, rememorei-a Essa nossa língua é muito rica. Obrigado por mais esta amigão. Saúde, com a graça de Deus.
    E.A.Santos

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