Naquele tempo, nem existiam salas apropriadas para passar filmes. Assim, os salões de baile serviram para as primeiras exibições e no fundo do palco, destinado às orquestras, era estendido um grande pano branco, a tela, onde as imagens acabavam projetadas.
Equipamentos de Projeção de filmes nos anos 60, usados pelos ambulantes (16 mm.)
A história de Blumenau registra a passagem de muitos destes exibidores “ambulantes”, que chegavam com seus projetores e promoviam as sessões do “Kinematógrapho”, “Omniógrafo”, ou seja, lá que nome tivesse o aparelho naquele início da era da sétima arte. Já tratamos deles em capítulos anteriores desta série.
Depois, mesmo com salas de cinema permanentes nas cidades maiores ( o Busch de Blumenau foi o pioneiro no sul do Brasil), os ambulantes continuaram, com o seu trabalho, porque as pequenas localidades se ressentiam da falta de cinemas.
E quando um ambulante chegava a Indaial, Rio do Testo (hoje Pomerode), Hansa Hammonia (Ibirama) ou Bella Aliança (Rio do Sul), era uma alegria só !
Em Blumenau eram os bairros, como
Garcia e Itoupava Norte, do outro lado do rio, que abriam suas portas para estes exibidores.
Alguns ficaram famosos:
José Julianelli (foto), Walter Mogk, Irmãos Holzwart deixaram lembranças profundas na população, porque quando chegavam, sempre traziam novidades.
Acredito que eu vivenciei a última etapa desta saga dos exibidores ambulantes. Sim, porque eu também fui um deles na década de 60 do século passado.
Por volta de 1962, eu e o colega de rádio, Alvacyr Ávila, juntamos todas as moedas que tínhamos e compramos um projetor de 16 mm. Da marca AMPRO.
Arquibancada da S.D. Vasto Verde em 1962
A primeira exibição aconteceu na Sociedade Desportiva Vasto Verde, no bairro da Velha em Blumenau. Nos fundos da arquibancada do estádio de futebol colocamos o projetor e uma tela. Mais algumas cadeiras do restaurante e...pronto: lá estava o cinema. Não durou muito, mas enquanto durou tivemos o apoio do Vilson de Souza, diretor daquele clube.
Bell & Howell
A namorada do Alvacyr, depois sua esposa, Eva, estava sempre ajudando, quer na bilheteria, quer na instalação da tela e dos equipamentos.
Assim, percorremos vários salões: no Encano, na Itoupava Central (Salão Volles); Ponte do Salto (Salão Wuerges, ao lado do Matadouro) exibindo filmes comerciais que eram alugados em Curitiba das filiais das distribuidoras Warner Bros., Metro Goldwyn Mayer, Fox, etc.
Em uma época em que não existia TV, o cinema era sempre novidade. Tivemos que adquirir mais um projetor para exibir filmes em dois salões ao mesmo tempo, aos sábados, quando todos podiam sair de casa para divertir-se um pouco.
O Sr. Volrath, da Livraria Evangélica de Blumenau, vendia na sua loja um projetor de filmes na bitola 16 mm. nacional, fabricado no Rio Grande do Sul, que ostentava a marca IEC. Compramos dele um equipamento novinho em folha, zero quilometro.
Projetor de filmes 16 mm. fabricado pela I.E.C. em São Leopoldo - RS, a partir dos anos 60, séc.20
Estes projetores da IEC eram diferentes de todos os outros do mercado. Só existiam nos anos 60 marcas famosas americanas e européias, como Varimex, Bell Howeell, Phillips... Diferente porque, ao invés do magazine de projeção ficar à direita, no IEC todo este sistema ficava a esquerda (o magazine compreendia os roletes para o filme correr, a janela de projeção com a grifa, a lâmpada, a lente e o sistema de reprodução do som magnético).
E saíamos, eu e o Alvacir, cada um para um lado, para exibir filmes.
Foi assim que vivenciamos muitas situações até hilárias, como uma que vamos relatar mais adiante.
Em março de 1964, enquanto nos quartéis era tramado o golpe militar, em Blumenau, longe destas artimanhas, estávamos mais interessados em exibir filmes do que pegar em armas.
Assim, durante todo aquele mês estivemos exibindo um filme clássico em várias localidades e clubes. Tratava-se de “Jesus, O Filho de Deus” (Il Figlio dell’Uomo), uma produção italiana contando as passagens principais da Bíblia: Adão e Eva expulsos do Paraíso, o Advento, a vida, os milagres, a paixão e morte de Jesus Cristo.
Não é preciso dizer que as exibições alcançaram muito sucesso.
Dia destes encontrei uma pasta antiga no meu arquivo e lá estava: o roteiro da programação do filme “Jesus, o Filho de Deus” durante todo o mês de março de 1964 !
Dia 7 o filme foi cedido ao Sr. Hadlich, que possuía um equipamento de projeção 16mm para exibições em casa ( e que era representante da IEC em Blumenau).
Nos dias 9 e 10 fizemos projeções durante o dia para as alunas do Colégio Sagrada Família, no auditório do estabelecimento.
No dia 14 ele foi exibido no Cine São Luiz de Ilhota, que era um cinema que havíamos alugado do Sr. Dida, então prefeito da cidade.
No dia 16 o filme foi apresentado no Salão Volles, ao lado do “campo de aviação do Aeroclube”, como era conhecido o aeroporto Quero Quero de Blumenau.
No dia 20 fomos a São João Batista e projetamos o filme no cinema daquela cidade, que por sinal estava desativado.
Nos dias 21 e 22 estivemos em dois salões das Itoupavas.
No dia 24 a exibição aconteceu em Balneário Camboriú. Lá, passávamos os filmes no antigo Iate Clube, um enorme casarão que mais parecia um hangar de avião, hoje já demolido.
Dia 25 foi a vez do filme ser emprestado à Biblioteca Municipal, que o exibiu.
Dia 26 levamos o filme até o Salão Paroquial de Belchior Baixo, Gaspar.
O circuito foi finalizado no dia 27, quando houve uma “reprise” no Cine São Luiz de Ilhota.
Mas foi em Belchior que vivemos uma situação que ficou entre o trágico e o cômico.
A tragédia: final da missa, noite escura, o salão perto da igreja, lotado.
Começa a sessão. O Alvacyr liga o motor e o filme começa a rodar. Liga o interruptor da lâmpada, para projetar o filme e nada.... a luz fica fraquinha, fraquinha....
Pára tudo. O que foi que houve, quebrou, queimou?
Que nada...lá naquele remoto local a rede elétrica estava tão fraca que não dava conta de acender uma lâmpada de 1.000 watts !
Como resolver?
Chega o vigário e tem uma luminosa idéia, na verdadeira acepção da palavra!. Coloca-se na frente do público e pede:
- Irmãos, cada um vai até sua casa, apaga todas as lâmpadas que estiverem acesas, pede aos vizinhos que façam o mesmo, e depois voltem rápido para cá.
Não deu outra. Meia hora depois a luz estava um pouco mais forte e a lâmpada de 1.000 watts acendeu !
Belchior Baixo pôde finalmente assistir a “Jesus, o Filho de Deus”.
Texto: Carlos Braga Mueller/ Escritor e Jornalista
Arquivo de Carlos Braga Mueller e Adalberto Day