Mais uma participação exclusiva e especial do renomado escritor e jornalista Carlos Braga Mueller, que hoje nos presenteia sobre Cinema a magia e a criatividade dos ambulantes.
Por Carlos Braga Mueller
Hotel Holetz e Cine Busch final dos anos 50 - séc.20
Desde que o cinema surgiu, no finalzinho do Século 19, surgiram também os exibidores ambulantes.
Naquele tempo, nem existiam salas apropriadas para passar filmes. Assim, os salões de baile serviram para as primeiras exibições e no fundo do palco, destinado às orquestras, era estendido um grande pano branco, a tela, onde as imagens acabavam projetadas.
A história de Blumenau registra a passagem de muitos destes exibidores “ambulantes”, que chegavam com seus projetores e promoviam as sessões do “Kinematógrapho”, “Omniógrafo”, ou seja, lá que nome tivesse o aparelho naquele início da era da sétima arte. Já tratamos deles em capítulos anteriores desta série.
Depois, mesmo com salas de cinema permanentes nas cidades maiores ( o Busch de Blumenau foi o pioneiro no sul do Brasil), os ambulantes continuaram, com o seu trabalho, porque as pequenas localidades se ressentiam da falta de cinemas.
E quando um ambulante chegava a Indaial, Rio do Testo (hoje Pomerode), Hansa Hammonia (Ibirama) ou Bella Aliança (Rio do Sul), era uma alegria só !
Em Blumenau eram os bairros, como Garcia e Itoupava Norte, do outro lado do rio, que abriam suas portas para estes exibidores.
Alguns ficaram famosos: José Julianelli (foto), Walter Mogk, Irmãos Holzwart deixaram lembranças profundas na população, porque quando chegavam, sempre traziam novidades.
Acredito que eu vivenciei a última etapa desta saga dos exibidores ambulantes. Sim, porque eu também fui um deles na década de 60 do século passado.
Por volta de 1962, eu e o colega de rádio, Alvacyr Ávila, juntamos todas as moedas que tínhamos e compramos um projetor de 16 mm. Da marca AMPRO.
Arquibancada da S.D. Vasto Verde em 1962
A primeira exibição aconteceu na Sociedade Desportiva Vasto Verde, no bairro da Velha em Blumenau. Nos fundos da arquibancada do estádio de futebol colocamos o projetor e uma tela. Mais algumas cadeiras do restaurante e...pronto: lá estava o cinema. Não durou muito, mas enquanto durou tivemos o apoio do Vilson de Souza, diretor daquele clube.
Bell & Howell
A namorada do Alvacyr, depois sua esposa, Eva, estava sempre ajudando, quer na bilheteria, quer na instalação da tela e dos equipamentos.
Assim, percorremos vários salões: no Encano, na Itoupava Central (Salão Volles); Ponte do Salto (Salão Wuerges, ao lado do Matadouro) exibindo filmes comerciais que eram alugados em Curitiba das filiais das distribuidoras Warner Bros., Metro Goldwyn Mayer, Fox, etc.
Em uma época em que não existia TV, o cinema era sempre novidade. Tivemos que adquirir mais um projetor para exibir filmes em dois salões ao mesmo tempo, aos sábados, quando todos podiam sair de casa para divertir-se um pouco.
O Sr. Volrath, da Livraria Evangélica de Blumenau, vendia na sua loja um projetor de filmes na bitola 16 mm. nacional, fabricado no Rio Grande do Sul, que ostentava a marca IEC. Compramos dele um equipamento novinho em folha, zero quilometro.
Projetor de filmes 16 mm. fabricado pela I.E.C. em São Leopoldo - RS, a partir dos anos 60, séc.20
Estes projetores da IEC eram diferentes de todos os outros do mercado. Só existiam nos anos 60 marcas famosas americanas e européias, como Varimex, Bell Howeell, Phillips... Diferente porque, ao invés do magazine de projeção ficar à direita, no IEC todo este sistema ficava a esquerda (o magazine compreendia os roletes para o filme correr, a janela de projeção com a grifa, a lâmpada, a lente e o sistema de reprodução do som magnético).
E saíamos, eu e o Alvacir, cada um para um lado, para exibir filmes.
Foi assim que vivenciamos muitas situações até hilárias, como uma que vamos relatar mais adiante.
Em março de 1964, enquanto nos quartéis era tramado o golpe militar, em Blumenau, longe destas artimanhas, estávamos mais interessados em exibir filmes do que pegar em armas.
Assim, durante todo aquele mês estivemos exibindo um filme clássico em várias localidades e clubes. Tratava-se de “Jesus, O Filho de Deus” (Il Figlio dell’Uomo), uma produção italiana contando as passagens principais da Bíblia: Adão e Eva expulsos do Paraíso, o Advento, a vida, os milagres, a paixão e morte de Jesus Cristo.
Não é preciso dizer que as exibições alcançaram muito sucesso.
Dia destes encontrei uma pasta antiga no meu arquivo e lá estava: o roteiro da programação do filme “Jesus, o Filho de Deus” durante todo o mês de março de 1964 !
Dia 7 o filme foi cedido ao Sr. Hadlich, que possuía um equipamento de projeção 16mm para exibições em casa ( e que era representante da IEC em Blumenau).
Nos dias 9 e 10 fizemos projeções durante o dia para as alunas do Colégio Sagrada Família, no auditório do estabelecimento.
No dia 14 ele foi exibido no Cine São Luiz de Ilhota, que era um cinema que havíamos alugado do Sr. Dida, então prefeito da cidade.
No dia 16 o filme foi apresentado no Salão Volles, ao lado do “campo de aviação do Aeroclube”, como era conhecido o aeroporto Quero Quero de Blumenau.
No dia 20 fomos a São João Batista e projetamos o filme no cinema daquela cidade, que por sinal estava desativado.
Nos dias 21 e 22 estivemos em dois salões das Itoupavas.
No dia 24 a exibição aconteceu em Balneário Camboriú. Lá, passávamos os filmes no antigo Iate Clube, um enorme casarão que mais parecia um hangar de avião, hoje já demolido.
Dia 25 foi a vez do filme ser emprestado à Biblioteca Municipal, que o exibiu.
Dia 26 levamos o filme até o Salão Paroquial de Belchior Baixo, Gaspar.
O circuito foi finalizado no dia 27, quando houve uma “reprise” no Cine São Luiz de Ilhota.
Mas foi em Belchior que vivemos uma situação que ficou entre o trágico e o cômico.
A tragédia: final da missa, noite escura, o salão perto da igreja, lotado.
Começa a sessão. O Alvacyr liga o motor e o filme começa a rodar. Liga o interruptor da lâmpada, para projetar o filme e nada.... a luz fica fraquinha, fraquinha....
Pára tudo. O que foi que houve, quebrou, queimou?
Que nada...lá naquele remoto local a rede elétrica estava tão fraca que não dava conta de acender uma lâmpada de 1.000 watts !
Como resolver?
Chega o vigário e tem uma luminosa idéia, na verdadeira acepção da palavra!. Coloca-se na frente do público e pede:
- Irmãos, cada um vai até sua casa, apaga todas as lâmpadas que estiverem acesas, pede aos vizinhos que façam o mesmo, e depois voltem rápido para cá.
Não deu outra. Meia hora depois a luz estava um pouco mais forte e a lâmpada de 1.000 watts acendeu !
Belchior Baixo pôde finalmente assistir a “Jesus, o Filho de Deus”.
Texto: Carlos Braga Mueller/ Escritor e Jornalista
Arquivo de Carlos Braga Mueller e Adalberto Day
Maravilha.
ResponderExcluirParabéns novamente Braga pelo, texto, imagens, tudo enfim. Sou fã incondicional e leitor voraz destas memorias. Parebnes Beto pelas postagens sempre magnificas do teu blog.
Abraçoamigo nos dois.
José Geraldo Reis Pfau diz
ResponderExcluirRealmente são fantasticas as histórias da nossa cidade contadas pelo nosso Carlos Braga Muller. Parabéns. Imaginem todos como foi sensacional estar levando as diversas comunidades lazer e cultura numa atividade que muito mais do que os resultados economicos tinham um compromisso com o prazer.
Prezado Valdir Appel,
ResponderExcluirAgradeço as referências elogiosas que você tem feito ao meu trabalho sobre a história do cinema em Blumenau.
Ainda tenho alguma coisa para contar... mas logo a série estará terminando e como vc disse, dá para juntar e fazer um livro.
Espero que estas lembranças que estou colocando no blog do Adalberto Day sirvam para que amanhã ou depois pesquisadores façam seus levantamentos e interpretações, quando o assunto for cinema.
Nunca me esqueço que em determinado momento, nos anos 90, a historiadora Edith Kormann, já falecida, me entrevistou sobre cinema e depois colocou tudo em um livro.
Este livro da Edith serviu de base para vários estudos posteriores, inclusive para o resgate de Alfredo Baumgarten e José Julianelli, num trabalho publicado pelo cineasta Zeca Pires, de Florianópolis, intitulado "Cinema e História: José Julianelli e Alfredo Baumgarten, Pioneiros do Cinema Catarinense", editado pela FURB (Edifurb/2000).
E é muito interessante sentir como as pessoas despertam para as recordações, quando se fala em cinema.
Afinal, o escurinho do cinema sempre despertou paixões que acabaram em muitos casamentos...
Também agradeço ao Beto Day pelo entusiasmo com que ele me incentiva a escrever estas memórias.
Enfim, unidos, estamos produzindo algo de útil para a história.
Abraços
Braga Mueller
Bom dia,
ResponderExcluirTemos um site de leiloes online e um colecionador colocou alguns materias para leiloar.
Projetor Varimex 16mm
4 rolos de filme sonoro 16mm diversos com as embalagens.
Projetor 8mm eumig mark
Todos em perfeito funcionamento
Se houver interesse entre em contato!
Parabéns pelo Blog e obrigado pegrandelanceleiloes@yahoo.com.brla atençao
Ao autor e ao Adalberto:
ResponderExcluirNossos agradecimentos por podermos apreciar a maravilha que é esse trabalho de preservação da memória do Cinema e de Blumenau.
Fantástico!
Belo trabalho que foi executado à época e belo registro agora efetuado.
ResponderExcluirNo final dos anos 50 e início dos anos 60 também ocorriam exibições cinematográficas no antigo salão do Amazonas Esporte Clube. O projetor era de propriedade do clube, uma máquina de cor verde, não sei a marca, os filmes eram alugados na loja Willy Siebert e o projetista era o Sr. David Hiebert, conhecido por Russo, e também seus filhos Valter e Carlos. Na grande enchente que destruiu o salão de festas em 1961, referido projetor foi levado pelas águas para fora do salão, mas devido o seu peso caiu logo após o final do piso num burraco provocado pelas águas. Assim que foi possível, no dia seguinte ao desastre onde morreram várias pessoas da Família Teixeira, o Sr. Russo mergulhou naquele local onde imaginava estar o projetor muito pessado, que não poderia ter ido muito longe, mas rolado com o balcão do bar onde ficava trancado. O balcão do bar nunca mais foi visto, mas o projetor estava lá, ainda nos fundo da água. Depois de conseguir retirá-lo com auxilio de poutras pessoas, levou o aparelho para a oficina de rádio que tinha em sua residência, desmontou-o, peça por peça, colocou tudo para secar, remontou tudo e, para o surpresa de todos o projetor voltou a funcionar sem a necessidade de reposição de qualquer peça. Somente um feltro que revestia internamente o projetor não pode ser reaproveitado devido ao odor remanescente.
Com a construção de outro salão um pouco abaixo do local anterior a projeções voltaram.
Eram filmes com 3 ou 4 rolos e na substituição dos mesmos havia necessidade de paralização das exibições.
A entrada era franca e o público bastante bom.
O nome dos filems de todas as 4ª feiras era anunciado num cartza qeu ficava na frente do portão da EIG.
O publico ficava acomodado nas cadeiras de palha que existiam para os bailes da época.
Não sei até quando perduram referidas exibições nem a dada exata de dua iniciação, mas com certez o foram antes daquela grande enchente devido ao fato relatado e do qual participei.
Valter Hiebert
hiebert.valter@gmail.com