HOSPITAL SANTA
CATARINA – 100 ANOS
Wieland Lickfeld –
Instituto Histórico de Blumenau
Ilustração década de 1920 – Acervo
AHJFS
Embora
a existência de locais destinados ao cuidado de doentes remonte à Antiguidade,
sua expansão está relacionada à prática da virtude cristã da hospitalidade e do
amor ao próximo. Serviram, portanto, de modelo aos hospitais modernos, muitos
deles ainda hoje ligados a entidades religiosas, os antigos monastérios, que
ofereciam refúgio a viajantes e doentes pobres.
Ao
fundar, em 1850, o núcleo colonial da então Província de Santa Catarina que 30
anos mais tarde se tornaria o município de Blumenau, o Dr. Hermann Bruno Otto
Blumenau priorizou duas questões relacionadas ao bem-estar dos imigrantes evangélicos
que acreditaram em seu projeto: o cuidado com sua saúde e com sua assistência
espiritual.
Da
assistência espiritual, nos primeiros dois anos, tratou ele mesmo, dirigindo
cultos improvisados no galpão de recepção de imigrantes. Com a chegada do
professor Ferdinand Ostermann, em 1852, este passou a dirigir os cultos.
Rudolph Oswald Hesse, o primeiro pastor evangélico da Colônia, chegou em julho
de 1857, e o primeiro culto que realizou, em 09 de agosto daquele ano, marca a
data da fundação da Comunidade Evangélica em Blumenau. Com a chegada de
imigrantes católicos, também a sua assistência espiritual entrou para a pauta
da direção da Colônia.
A
assistência médica em Blumenau teve início com Carl Wilhelm Friedenreich,
pertencente ao grupo pioneiro imigrado em 1850. Era veterinário prático com formação
e experiência em cirurgias, e seu perfil fez com que se tornasse o primeiro
parteiro da Colônia e o primeiro a fazer as vezes de médico junto aos seus
moradores. Mais tarde, em situações de vacância médica, Friedenreich seguiu
prestando serviços médicos na Colônia.
Em
1852 imigrou o Dr. Fritz Müller, que se tornaria um dos naturalistas mais
notáveis do século 19. Concluiu também o curso de Medicina, mas, por negar-se a
prestar um juramento de teor religioso, não recebeu o diploma. Embora não tenha
praticado a Medicina em caráter regular, é certo que atendeu a chamados em que
sua expertise se fez necessária.
O
primeiro médico de Blumenau foi o Dr. Bernhard Knoblauch, imigrado em 1858. Ele
viu nascer, em 1870, o rústico galpão de madeira que abrigou a primeira casa de
saúde da Colônia, a célula mater no futuro Hospital Santo Antônio. O ranho ruiu
em 1874, por não ter resistido à fúria de um temporal, e um novo hospital,
erguido na técnica enxaimel, foi inaugurado em 1876. Até a emancipação da
Colônia, em 1880, somente efetivada em 1883, o Dr. Knoblauch foi sucedido pelos
seguintes médicos: Dr. Carl Tobias Rechsteiner, Dr. Claus Friedrich Jebe e Dr.
Charles Francis Vallotton.
As
mudanças ocorridas no âmbito administrativo com a emancipação da Colônia
atingiram também o antigo hospital, que passou a ser dirigido pela Sociedade de
Mútua Assistência em Enfermidades. Fruto de uma inciativa de plano de saúde
surgida em 1860, a entidade permaneceu à frente do hospital até 1916, quando
teve início o seu processo de municipalização, encerrado em 1924. Trabalharam
no hospital neste período, em caráter regular ou eventual, entre possíveis
outros, os seguintes médicos: Dr. José Bonifácio Cunha, Dr. Hugo Gensch, Dr.
Franz Kübel e Dr. Christian Johnsen. Sob a administração do município, o
hospital recebeu novo impulso pelo incansável trabalho do Dr. Afonso Rabe. Em
1948 recebeu seu nome atual: Hospital Santo Antônio.
Atualmente
Blumenau conta, além do Hospital Santo Antônio, com três outros hospitais
gerais: Hospital Santa Isabel, inaugurado em 1909 pelas Irmãs da Divina
Providência; Hospital Santa Catarina, inaugurado em 1920 pela Associação de
Comunidades Evangélicas de Santa Catarina; e Hospital Misericórdia, sem vínculo
confessional, inaugurado em 1923. E existem hospitais especializados, como o
Hospital Dia do Pulmão, Hospital de Olhos, etc.
Hoje,
27 de junho de 2020, comemora-se o centenário da inauguração do Hospital Santa
Catarina de Blumenau. Indiretamente, encontraremos sua origem numa associação
denominada “Conferência Pastoral Evangélica de Santa Catarina’, fundada em
1893. A entidade foi legalizada com estatutos próprios somente em 1907 e uma de
suas finalidades consistia na organização de uma associação sinodal que
abrigasse as diversas comunidades evangélicas existentes. Uma reunião
preliminar com este objetivo foi realizada em Blumenau em 1909.
De
acordo com uma das quatro teses aceitas como base para a futura entidade, a
Associação de Comunidades precisa ter condições de assumir tarefas caritativas
que cabem aos cristãos, como criar asilos para idosos, orfanatos e outros. Um
importante passo para atender a esta premissa fora dado em 1907, com a fundação,
com o objetivo de prestar auxílio a parturientes e recém nascidos, da Sociedade
Evangélica de Senhoras de Blumenau. A iniciativa partiu de Mildred Burrow,
esposa do Pr. Walther Mummelthey, que fora enfermeira da Cruz Vermelha. A
entidade forneceu, em 1909, as duas primeiras diaconisas enfermeiras ao
Hospital Municipal.
Passados
outros dois anos, foi constituída em Blumenau, em 1911, a Associação de
Comunidades Evangélicas de Santa Catarina, tendo como presidente o Pr. Walter
Mummelthey, em Blumenau desde 1906. Foi ele um dos responsáveis pela visão
diaconal da entidade, cujas quatro primeiras iniciativas prioritárias, de um
total de cinco, preconizavam: 1. Criar um hospital evangélico que se torne um
lar para os membros que necessitam de tratamento médico; 2. Criar um lar para
idosos abandonados; 3. Estudar a possibilidade de criar uma instituição para
pessoas com deficiências físicas e mentais que não têm parentes ou foram
abandonadas; 4. Convocar diaconisas da Alemanha para prestar serviços diaconais
nas instituições e fundar grupos de senhoras evangélicas nas comunidades. Eram
objetivos ambiciosos, que exigiriam muito trabalho e investimentos.
A
Comunidade Evangélica em Blumenau havia adquirido em 1914 o terreno em que
anteriormente funcionou uma escola pública masculina, para nele edificar um
asilo para idosos. Em 1915, durante assembleia ordinária da Associação de
Comunidades Evangélicas de Santa Catarina, sugeriu o Pr. Mummelthey que se construísse
em Blumenau um hospital evangélico com dependências anexas para abrigar um
asilo para idosos e uma residência para diaconisas que trabalhassem no hospital
e na assistência social à comunidade. Uma união de esforços levou à definição
da localização do hospital: a Comunidade Evangélica em Blumenau repassou o seu
terreno a preço de custo à Associação das Comunidades Evangélicas de Santa
Catarina, permitindo a ela tomar as providências necessárias ao início da obra.
Para o projeto foram contratados os serviços do arquiteto Albert Weitnauer e
uma comissão foi eleita para a execução da obra. Era composta pelos senhores
Alwin Schrader, Max Hering, José Deeke, Otto Rohkohl, G. Arthur Koehler, além
do Pr. Walter Mummelthey. Coube a eles a tarefa de obter os recursos e
fiscalizar a obra.
Em 1916,
em plena Primeira Guerra Mundial, a pedra fundamental do hospital com asilo foi
lançada. No entanto, já em 1917, com a entrada do Brasil no conflito, as obras
avançaram lentamente, e sofreram uma paralização temporária em 1918, com a morte
inesperada do arquiteto Weitnauer, e por falta de recursos. Cogitou-se, diante
da situação, suspender a obra para retomá-la em data indefinida, mas a
comissão, com o firme propósito de cumprir a missão que assumira, com ânimo
renovado, retomou os trabalhos. Foi auxiliada pela doação de metade do valor da
venda dos bens de Otto Schoenichen, falecido em Rio do Sul em 1918, que
expressou em testamento o seu desejo de que seus bens fossem destinados à
construção de um hospital evangélico em Blumenau e outro em Rio do Sul.
Fachada na década de 1920 – Acervo
AHJFS
Após
a inauguração, a comissão de construção foi dissolvida e eleito um conselho
diretor, composto pelos senhores Max Hering, presidente; Alwin Schrader,
tesoureiro; José Deeke, Victor Gärtner e Pr. Neumann, vogais. Como médico-chefe
foi contratado o Dr. Christian Johnsen, que anteriormente trabalhou no Hospital
Municipal, e o serviço de enfermagem, assim como a administração interna,
ficaram sob responsabilidade da Irmã Gertrud Vogt, que viera a Blumenau em
1913, enviada pela Casa Matriz de Diaconisas de Wittenberg a pedido da
Sociedade Evangélica de Senhoras de Blumenau. A Casa Matriz de Diaconisas de
Wittenberg forneceu o corpo de enfermagem do hospital nos primeiros 15 anos de
sua existência.
Conselho curador na década 1920 –
Acervo AHJFS
Imagem aérea – Acervo HSC
Fontes:
BALSINI, AFONSO. Obras assistenciais. In: Centenário
de Blumenau 1850 – 1950. Blumenau: Edição da Comissão dos Festejos, 1950.
KILIAN, FREDERICO. Hospital
Santa Catarina. In: 1º Centenário da Comunidade Evangélica de Blumenau:
1857 – 9 de agosto – 1957. Blumenau, Tipografia e Livraria Blumenauense, 1957.
KORMANN, EDITH. “Hospital Santo
Antônio” (Krankenunterstützungsverein). Blumenau
em Cadernos, Blumenau, tomo XXVII, n. 5, p.
142-146, mai. 1986.
PISKE, MEINRAD (Org.). Centenário
Sociedade Evangélica de Senhoras de Blumenau: 1907-2007. Blumenau: Editora
Otto Kuhr, 2007.
SILVA, JOSÉ FERREIRA DA. História de
Blumenau. 2ª ed. Blumenau: Fundação “Casa Dr. Blumenau”. 1988.
WEINGÄRTNER, NELSO. Associação de
Comunidades: 100 anos em 2011. Não publicado, 2000.
Meu caro Adalberto!!
ResponderExcluirQue riqueza de detalhes esta história. Todavia, tenho que destacar que, nos anos de 2006 estive com problemas de saúde e neste hospital passei durante 9 dia internado com os mais competentes profissionais.
Quero dizer com isso que desde sua fundação como no texto, eles nunca deixaram de honrar a tradição de conceito de hospital. Não quero aqui desmerecer os demais hospitais em nossa cidade que por sinal são exemplos nacionais ( Sta. Isabel) por exemplo. Que maravilhoso texto, obrigado.
Recebi e agradeço.
ResponderExcluirMuito bom, pois relata toda a história centenária do hospital.
João Leal.
Antônio Rocha
ResponderExcluirMuito bom material jornalístico, abril para mim no email do celular depois vou tentar tirar cópia no computador não vou pagar aqui até eu resolver ter a matéria gravada no computador,um abraço Adalberto
Rádio Nereu Ramos
Alexandre Ivan Farias Excelente registro. Parabéns, mestre. Leia essa, Solaine
ResponderExcluirHarry Jantz
ResponderExcluirNosso primeiro médico foi um veterinário
A assistência médica em Blumenau teve início com Carl Wilhelm Friedenreich, pertencente ao grupo pioneiro imigrado em 1850. Era veterinário prático com formação e experiência em cirurgias, e seu perfil fez com que se tornasse o primeiro parteiro da Colônia e o primeiro a fazer as vezes de médico junto aos seus moradores. Mais tarde, em situações de vacância médica, Friedenreich seguiu prestando serviços médicos na Colônia.
Em 1852 imigrou o Dr. Fritz Müller, que se tornaria um dos naturalistas mais notáveis do século 19. Concluiu também o curso de Medicina, mas, por negar-se a prestar um juramento de teor religioso, não recebeu o diploma. Embora não tenha praticado a Medicina em caráter regular, é certo que atendeu a chamados em que sua expertise se fez necessária.
Edmundo Edi Realmente Adalberto,vc. é 10.É um bom registro do Hosp.S.Catarina.Essa foto é muito antiga.
ResponderExcluirSuperfã
ResponderExcluirMoacir R. Oechsler Parabéns Day sempre com postagens excelentes
Muito bacana a reportagem desta linha do tempo do Hospital !
ResponderExcluirParabéns a vocês (Wieland) pela ótimo conteúdo. Creio que muitos não o conhecem.
Obrigado pela oportunidade,
Grande abraço, Theodor.
Boa tarde Professor! A riqueza da história me emociona. A luta,sofrimento,trabalho,tudo o que nos levou ter hospitais em todas as regiões do vale do Itajaí. De um veterinário a parteiro de Doutores verdadeiramente Doutores,e srs citados por pensarem na saúde de uma população que hoje é enorme,Homens de fibra,e garra.Exemplos que nos leva aos dias de hoje,quando se enfrenta enormes problemas e descasos na saúde atual não é mesmo? O que diriam esses Doutores e Homens de todas esses anos passados? De 1850 á 2020 eles devem estar se virando nos seus túmulos e suas almas choram.Nossa saúde virando arma de corrupção? Não de agora isso a muito nos anos atuais.O que me leva a pensar...Se tivéssemos esses maravilhosos Homens,doutores pensando no próximo? Acho eu que existiria mais saúde,menos corrupção,menos vidas ceifadas,ou interrompidas por conta do descaso e interesses próprios. Obrigado querido amigo.Só não citei o nomes desses heróis por serem muitos,e só temos a agradecer a todos. Grande abraço!!!
ResponderExcluirSalve, Adalberto
ResponderExcluirQuero comentar com o amigo e seus inúmeros leitores um detalhe sobre esta histórica foto:
A enorme árvore que se destaca ao fundo, algo mais à direita, provavelmente era o pé de Jequitibá (uma das maiores árvores do Brasil).
O Jequitibá aquela árvore que libera suas sementes aéreas do interior de um estojo que os interioranos usavam para fazer cachimbo. (Bem como fazia o saudoso Sr. Krepski que costumava brindar médicos e funcionários do hospital com cachimbinhos que fazia a partir dos frutos do centenário Jequitibá).
Infelizmente, esse maravilhoso exemplar foi equivocadamente abatido - juntamente com a mata que o cercava - em 2008 durante o intenso período de chuvas, enxurradas e quedas de barreira.
Certamente aquela encosta hoje desmatada está mais instável do que quando era protegida pela mata.
Triste.
Um abraço amistoso
Cezar Zillig