Em 1975 o cineasta francês Jean-Louis
Comolli realizou o filme La
Cecília , retratando a história da Colônia Cecília, a primeira
tentativa efetiva de implantação do ideário anarquista no Brasil.
Em
1989 a
Rede Bandeirantes de Televisão exibiu a minissérie “Colônia Cecília”, abordando o mesmo assunto.
E
a Globo focou a Colônia Cecília
na minissérie de 1984, “Anarquistas,
Graças a Deus”.
Afinal,
o que provocou tamanha repercussão tanto tempo depois dessa comunidade ter existido?
Talvez
reflexos dos ideais libertários de maio de 1968, que nascidos na França, espalharam-se
pelo mundo.
A Colônia Cecília foi
implantada pelo agrônomo e veterinário italiano Giovani Rossi em 1890 no
município de Palmeira, Estado do Paraná, e deixou de existir em 1893, ou seja, durou apenas quatro
anos.
Rossi nasceu na cidade de Pisa, Itália, no dia 12 de janeiro de
1856. Faleceu em 9 de janeiro de 1943
Influenciado
pelos socialistas libertários franceses, escreveu vários livros sobre a criação
de comunidades experimentais, despertando a atenção de lideranças em vários
países, inclusive no Brasil.
Sua
proposta de uma comunidade libertária previa o equilíbrio da liberdade de
relações, a abolição da propriedade privada, o amor sem fronteiras, a ausência
de hierarquias e de dogmas.
Em
abril de 1888, passando por Milão para tratamento da saúde, o Imperador do
Brasil, Dom Pedro II, manteve
um encontro com Rossi. O monarca havia lido um dos livros dele, no qual o autor
situava uma comunidade libertária na América do Sul. Interessado na superação
das desigualdades, Pedro II tinha interesse em acompanhar uma experiência desse
tipo. Foi mais além.
Comprometeu-se
a conceder terras para que Giovani Rossi implantasse sua Colônia no Brasil.
E
assim, no dia 20 de fevereiro de 1890, Rossi embarcou em Genova com destino ao
Brasil, acompanhado de poucos mas fiéis discípulos. Embora o destino fosse
Porto Alegre, desembarcaram em Paranaguá, agoniados com os constantes enjôos provocados
pela embarcação. No Paraná, conseguiram uma área de terras na localidade de
Palmeira.
Graças
a uma campanha de divulgação, a Colônia teve a adesão de muitos interessados,
originários da Itália principalmente.
Enfrentando
sérias dificuldades para a manutenção da Colônia, batizada de Cecília,
homenagem a uma personagem de seus livros,
Rossi
em pouco tempo teve que concordar que sua idéia não estava dando certo. Inclusive,
para incentivar a livre manifestação do amor entre os habitantes da Colônia,
chegou a partilhar com eles sua companheira. Proclamada a República em 15 de
novembro de 1889, o ato de doação das terras, assinado pelo Imperador, foi
considerado nulo, obrigando a que Rossi adquirisse as terras ocupadas. De nada
adiantou; aos poucos os moradores foram abandonando Rossi e partindo em busca
de novos horizontes.
E
assim, em 1893 a
Colônia se extinguiu. Mas deixou história.
ROSSI NÃO FOI EMBORA
Giovani
Rossi não retornou para a Itália. Foi residir em Taquara, no Rio Grande do Sul. Depois acabou vindo para Blumenau,
em Santa Catarina.
De
seu bom relacionamento com o então Superintendente do município, José Bonifácio da Cunha, conseguiu
que em 1898 o então Governador Hercílio Luz lhe designasse, por
ato oficial, para ser o Diretor da Estação Agronômica da localidade de Rio dos
Cedros, que então fazia parte do município de Blumenau.
Eram
inegáveis os seus conhecimentos como agrônomo.
Sua
presença era reconhecida pela comunidade não só na agricultura, mas também na
vida social.
Em 1900, por ocasião da comemoração dos 25 anos da imigração italiana no Vale do Itajaí, o município de Blumenau também comemorava uma data especial, seus 50 anos de fundação. E lhe foi confiada a tarefa de elaborar o texto oficial desse evento, uma saudação a Blumenau, por quem Rossi sentia profundo amor e respeito.
Em 1900, por ocasião da comemoração dos 25 anos da imigração italiana no Vale do Itajaí, o município de Blumenau também comemorava uma data especial, seus 50 anos de fundação. E lhe foi confiada a tarefa de elaborar o texto oficial desse evento, uma saudação a Blumenau, por quem Rossi sentia profundo amor e respeito.
Em
1902 viajou para a Europa, em missão oficial do Estado, para estudar a
fabricação de manteiga, levando consigo certa quantidade para análise e estudos
bacteriológicos. Efetuou experimentos de novas culturas, entre elas a do tabaco
e da oliveira, com sementes trazidas da Itália.
Criou uma cooperativa
agrícola entre os colonos italianos de Rio dos Cedros, agindo como mediador e favorecendo a
exportação do tabaco, principalmente para a Itália.
Na
pequena e católica localidade de Rio dos Cedros, mesmo com toda a ação voltada
ao desenvolvimento da agricultura da região, e embora não pregasse abertamente
suas idéias socialistas e libertárias, era visto com desconfiança por muitos
habitantes, enfrentando sérias reações e hostilidades, especialmente por parte dos
padres franciscanos.
A
morte das filhas lhe havia deixado seriamente abatido.
Em
1904 um decreto do Governo transferiu a Estação Agronômica para Florianópolis.
Em 1907 Rossi foi exonerado do cargo de Diretor da empresa. Mesmo assim
indicou, e teve aprovado, o nome de seu conterrâneo Túlio Cavallazzi para substituí-lo.
Retornou
a Itália assumindo um consórcio agrário em San Remo.
Em
cartas enviadas em 1907 e 1909 ainda mostrava interesse em favorecer a exportação
de produtos da agricultura catarinense para o mercado europeu, principalmente o
tabaco e o mate.
Mandou
para os agricultores catarinenses sementes e dados tecnológicos sobre o
crescimento do bicho-da-seda.
Voltando
a morar em Pisa, sua cidade natal, Rossi exerceu ainda as funções de
veterinário, escrevendo em periódicos sobre suas experiências com a Colônia
Cecília.
Não
se envolveu mais com movimentos políticos e morreu em Pisa, aos 87 anos, no dia
9 de janeiro de 1943.
Foi
inegável a contribuição que deu ao desenvolvimento da agricultura no Vale do
Itajaí, integrando-se assim à galeria das pessoas que ajudaram a construir o nosso
progresso.
O QUE GIOVANI ROSSI ESCREVEU E FOI DIVULGADO NOS 50
ANOS DE FUNDAÇÃO DE BLUMENAU
O
historiador José E. Finardi, no seu
livro “Colonização Italiana de Ascurra – 1876-1976” , transcreve o texto
redigido por Giovani Rossi para as comemorações dos cinqüenta anos do município
de Blumenau, festejado no limiar do século XX, em 1900.
Uma
peça realmente inspirada, que revela o carinho que o italiano Rossi dedicava a
Blumenau e ao seu povo.
Assim
começava:
“Ó Blumenau, recanto
gentil do mundo descoberto por Cabral, eu desejaria ser filósofo, artista e
poeta para entender e cantar a tua glória. O teu céu límpido, azul e profundo
canta hinos de paz e de alegria. Mas algumas vezes é brumoso e velado, como a
pobre alma humana.
Nas tardes de verão
inflama-se em um oceano de calor, de luz e de força sideral, terror do
viandante, mas sublime doador de vida à flora opulenta; depois se cobre de
espessas nuvens e desaba a chuva, entre fulgores de relâmpagos e estrondos de
raios. E nas noites serenas as estrelas cintilam como em outros céus nunca vi
e, mais do que em nenhum lugar, pesa sobre nosso pensamento a visão do
infinito.”
E
o texto prossegue com o enfoque sobre o clima temperado (e tempestuoso) de uma
região tropical como a nossa:
“Se
o teu verão é ardente e chuvoso, o teu inverno é enxuto e tépido, como uma
primavera na Itália. Tão doce que a videira, apenas perdidas as folhas, os
brotos repontam, túrgidos, como mamilos de púbere precoce, desejosas de amor .
Os teus montes são majestosos com seu esqueleto de granito e seu manto soberbo
de florestas virgens, perenemente tocadas com todas as inimagináveis
tonalidades do verde. Os teus vales são férteis, banhados pelos afluentes do
largo e pitoresco Itajaí, que te beija e ao mesmo tempo te ameaça, e algumas
vezes te invade, amigo infiel e caprichoso, ó gentil cidade de Blumenau !”
Em
outro tópico, Giovani Rossi, há mais de cem anos, já previa a devastação de
nossas florestas, quando escreveu:
“Os
teus bosques são ainda preciosos tesouros pela madeira que escondem, pelo húmus
que acumulam, pelas fontes que conservam. Tenha piedade deles a bárbara foice
do colono”.
A
saudação aos 50 anos de Blumenau termina assim:
“Ó Blumenau ! O fado quer que o teu nome germânico
te anuncie caríssima a Flora. E de tuas flores são enredadas as casas dos teus
agricultores; de flores que muitos ricos jardins invejariam, na fria Europa. De
flores e de plantas raras que rodeiam e alindam magnificamente os palacetes da
tua industriosa cidade.
De
flores, eternos símbolos da poesia; de flores das tintas mais vivas, das formas
mais bizarras, de inebriante perfume é esmaltado todo o teu vasto território, que mais parece
um só jardim. Mas as tuas flores mais belas e mais gentis, ó Blumenau, não são
as orquídeas das tuas florestas; são as moças dos teus lares, que todas as
flores vencem em beleza, na doce primavera da vida; são os recém-nascidos nos
teus berços, são as crianças das tuas escolas que, sobre as ruínas da nossa
civilização, decrépita e mentirosa, ainda verão um dia, talvez, esplender o
futuro.”
Bibliografia:
-
Blumenau, Arte, Cultura e as Histórias de sua Gente - Edith Kormann
-
Colonização Italiana de Ascurra - 1876-1976 - José E. Finardi
ResponderExcluirDe: Maria Helena Ochi Flexor : Giovani Rossi
Muito bom.
Prezado amigo Adalberto e Braga Mueller:
ResponderExcluirNa semana passada, vimos no Canal 108, a + GloboSat, às 21h30min O Mundo Visto de Cima, e às 22h, Brasil Visto de Cima. Entre os vários paisagens sobre Santa Catarina, vimos também Blumenau, enfoques aéreos belíssimos da cidade, como também de cidades vizinhas.
Lindo, simplesmente.
Ab.
José Alfredo Schierholt
Meu caro Adalberto,
ResponderExcluirQue lindo texto, rico em detalhes mesmo que em outras épocas e importante ressaltar a nossa cidade em cada etapa de sua construção. Seja com temas importantes e ou não tão relevantes. Mas sempre ressaltando nossas histórias. Parabéns!!
Como sempre, Carlos Braga Mueller nos delicia com um texto agradável de ler e reter. Tive um livro sobre Giovanni Rossi, o anarquista que emprestei para Sueli Petry e achei de bom senso não mais apanhá-lo. O Arquivo Histórico de Blumenau é o seu lugar. Foi-me presenteado pela escritora e historiadora Beatriz Pellizzetti Lolla, de Rio Sul, filha do Ermembergo.
ResponderExcluirGervásio Luz
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Muitíssimo bem sintetizado pelo Braga Muller! Sabe que eu nunca havia visto uma foto do Giovani Rossi?
ResponderExcluirAbração e obrigada,
Urda Alice Klueger .
O pior da História foram os anarquistas e ciumentos governantes de Santa Catarina que desativaram o trabalho que Giovanni Rossi desenvolveu para aclimatar as mudas trazidas pelos imigrantes e o estudo da plantas nativas em Rio dos Cedros. Trouxeram tudo para Florianópolis e com o primeiro vento sul e maresia, todo trabalho acabou. Então como tinham que construir o Albergue para receber os imigrantes, construção que ainda hoje existe na cabeceiras das pontes Colombo Salles e Pedro Ivo, que também abrigou por longos anos a Escola de Aprendizes de Marinheiros, mudaram o centro de pesquisa agrícola para o Bairro de Trindade, onde hoje é a residência do Governador. CASA D'AGRONOMICA.
ResponderExcluirAbs.
Adolfo Ern Filho
Lindo texto da nossa historia.
ResponderExcluirObrigada.
Maria Teresinha Heimann
Divulgando!
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