Memorial à
Godofredo Heiden
Por André Luiz Bonomini
Senhoras e senhores,
amigos e amigas de A BOINA: Godofredo Heiden (Arquivo Pessoal / André Bonomini)
(Escrito em 13 de outubro de 2016)
É dia 13 de outubro, pós-feriado, chuva no
ar, e pela mente corre os acordes de Mário Zan, inigualável acordeonista cujas notas de sua Todeschini me fazem correr brevemente para um momento da
infância/adolescência. Hoje, dei um breve breque nas minhas notícias diárias
para prestar uma reverencia única ao meu avô, homem histórico para o Garcia e
inspiração até para o nome de nosso espaço:Godofredo Heiden.
Foi no 13 de outubro de 2014 que ele
despediu-se de nosso convívio, partindo com 101 anos de vida bem vivida e
registrada em histórias e mais histórias de um passado distante e um tanto
inocente. Quis o destino que sua partida para junto de minha avó – Maria Heiden – fosse num dia 13, seu número
preferido, e numa segunda-feira, onde há algum tempo e quase que
religiosamente, exercitava os dons de bailador no salão do CSRCT Garcia-Jordão, onde também tinha recordações mil dos tempos de grande atirador…
Quantos caprichos da vida.
Os pais: Ida Baumgart e
Henrique Heiden (Arquivo Pessoal / André Bonomini)
Godofredo, último dos irmãos da numerosa
família de Henrique Heiden e Ida Baumgart, nasceu num dia 19
de junho de 1913 na ainda diminuta cidade de Brusque, que ainda
descobria-se como o berço da fiação catarinense. Um ano em que ainda se ouvia
falar de Áustria-Hungria, de política do café-com-leite, imigração e que a guerra estava perto nas monarquias da Europa. Em
busca de uma vida melhor, a família atravessou a primitiva estrada de Guabiruba (hoje chamada
coloquialmente de SC-420) a pé, levando muitos dos
pertences em um baú surrado rumo a Blumenau, onde estabeleceu primeira
residência na Rua Belo Horizonte, bairro Glória.
O jovem Godofredo
(Arquivo Pessoal / André Bonomini)
Jovem, espoleta mas trabalhador, Godofredo
começou a garimpar a vida mesmo nas fileiras da Empresa Industrial Garcia (EIG), decifrando os segredos dos clássicos teares que costuravam o progresso
do bairro que emergia a sua volta. Longe do parque fabril, Godofredo aprendera
a domar uma de suas grandes paixões na vida: A gaita. Uma aparentemente tímida
gaita Hohner de botão, importada da
Alemanha, com 12 baixos, muitas belas canções tocadas e muitos causos contados.
Era um tempo mais raçudo
dos músicos que tocavam tudo de ouvido e aprontavam as maiores nos bailinhos da
região. Alias, entre bailes e contos de antigamente Godofredo tinha uma caixa
cheia de histórias, ávidamente ouvidas por mim independente de quantas vezes
ele as contasse para mim. Até posso ver a imagem daqueles dias: Sentado na mesa
da cozinha, implorando para que me repetisse algum daqueles causos e ouvindo
com a curiosidade saudável de uma criança.
A famosa Hohner da
década de 30 ou 40. Originalmente de oito baixos, com mais 10 colocados e uma
escala de quatro notas a mais (Arquivo Pessoal / André Bonomini)
Se eu fosse contar todos os causos de
Godofredo aqui iriamos ter um quase-livro neste post. O dia de furou o fole da
gaita depois de uma bebedeira inocente; os causos do sr. Vicente, que dizia
ter visto o diabo na Rua Julio Heiden e
quase matou um homem com tantos tiros na cabeça; as viagens para Iguape e São Paulo, começando com Malária e terminado cercados
de jagunços; a
perda do pai justo no dia que fora desligado do quartel; os causos do temo do
táxi, do armazém de secos e molhados e por ai afora… Não duvide, leitor amigo e
amiga, eu ainda vou contar mais sobre eles aqui no blog. Questão de tempo.Mas ah, Dindo…as
histórias que nunca esqueço. Elas moveram sua existência de tal maneira que
tornaram-se retratos da história e da batalha de um pai de família que apenas
queria construir uma vida tranquila para a Dinda e
para os seus na esquina do Progresso com a Guarapari, onde moramos até hoje. A vida permitiu que
ele encontrasse o amor junto de minha avó e, dele viessem cinco rebentos
que, direta ou indiretamente, carregam um pedaço de você, assim como hoje
carregam em suas lembranças.
O amor da vida: A jovem
Maria Heiden (Arquivo Pessoal / André Bonomini)
Entre as tantas
ocupações de vida – nos teares, como taxista, dono de armazém, músico e
entregador – talvez uma das mais nobres tenha sido a ocupação de avô. Das
histórias contadas no berço e lições que tomava nas broncas que dava, Godofredo
sabia como arrancar um sorriso de quem o visse. Tinha aquele jeito bonachão de
um bom senhor alegre com a sabedoria de quem havia vivido tantas coisas em um
tempo tão longo. A vida foi-lhe generosa em lhe dar uma resistência tão grande
quanto o carvalho, muito embora, assim como nós mesmos, as árvores também partem.
Não há mais as reuniões animadas dos netos e
sobrinhos na cozinha apertada dos fundos do 2405, como haviam no passado, não
há mais a gaita rasgando a noite para abafar os sons dos programas políticos, o
cheiro de galinha ensopada no velho Dako vermelho,
os pães amassados junto de minha avó, o terço da Rede Vida rezado e intercalado com cochiladas da
idade e nem a presença constante do vigilante moço de boina branca cuidando dos
gatos e jogando papo fora no velho banco.
Mas hoje não é um dia para entristecermos,
talvez até o velho senhor cujo nome em alemão significa a paz de Deus não quisesse assim. Nada destas
memórias é motivo para nos encolhermos no nosso canto lamentando, pois figuras
históricas e marcantes de nossa vida não morrem por completo, deixam pegadas na
trilha de nossas lembranças e que fazemos de tudo para que não se apaguem. E,
como neto, como esquecer Godofredo e suas histórias?
Amigo leitor, amiga leitora,
sei que devo ter me alongado muito neste memorial, mas quando se trata de uma
figura história – além de um amado avô – não posso me omitir a poetizar. Se
você, Dindo, estiver lendo em algum lugar lá em cima, ao lado da Dinda e de
outros tantos entes queridos e personas históricas do Garcia, saiba que tudo
está bem na terra, pelo menos no nosso lado. Sentimos sua falta, é verdade, mas
eu e tantos outros parentes e amigos não deixamos de toma-lo como inspiração na
vida, a começar por mim e pela boina que, independente do que os outros falam e
difamam, está na minha cabeça como herança constante de seus ensinamentos.
Obrigado sempre, Dindo! Um dia nos vemos por ai!
Arquivo de André Bonomini
Leiam: A Boina
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Adendo de Lauro Eduardo Bacca que entrevistou o senhor Godofredo.
ENTREVISTA COM O SR GODOFREDO HEIDEN, em 13/06/2006.
Data de Nascimento = 19/06/1913
Local = Guabiruba, então Brusque
– SC
Cônjuge = Maria Constant
Filhos = - Walter Heiden - Maria Juila Boos - Valmor Heiden - Isabel Heiden - Anelore Heiden Bonomini
Filhos = - Walter Heiden - Maria Juila Boos - Valmor Heiden - Isabel Heiden - Anelore Heiden Bonomini
Endereço = Rua Progresso, 2.405 –
Blumenau – SC
Entrevistador = Lauro Eduardo
Bacca
Data da entrevista = 13 de junho
de 2006, aos 93 anos menos
três dias do entrevistado.
Local da entrevista = residência
do entrevistado.
Observações do entrevistador
entre [ ... ].
Dados da Entrevista:
O Sr. Godofredo informou:
- que tinha 19 anos e sua esposa
tinha 16 anos quando casaram-se;
- que foi casado durente 69 anos,
até sua esposa falecer e que tiveram cinco filhos e mais um adotado.
- que é sobrinho de Júlio Heiden,
nome de rua no bairro Progresso em Blumenau;
- que se criou na localidade de “Russolana”,
em Guabiruba, [que no mapa IBGE 1:50.000, folha de Botuverá, aparece atualmente
com o nome de Sibéria];
- que já mora há mais de 60 anos
em Blumenau;
- que foi o primeiro a ter carro da Artex
para cima, em Blumenau, uma camionete Chevrolet 1934;
- que morou na casa com fundos de
madeira e bela frente tipo enxaimel, que existiu até 02/05/2006 na esquina par
da rua Guarapari com a rua Progresso, onde também teve casa de comércio, ou
seja uma venda de secos e molhados quando a filha Julia tinha três anos e que
ali permaneceu pagando aluguel por 18 anos e dois meses, onde tinha duas
canchas de bocha, onde ele tocava gaita e era a única venda que tinha na
região, mudando-se depois para a outra esquina da mesma rua, onde está desde
cerca de 1960;
- que pegou dois ou três anos de
Guerra quando tinha a venda e que nesse período tudo era mais difícil, racionado, como o
açúcar, por exemplo;
- que mudou-se de Guabiruba para
Blumenau quando tinha seus sete anos, [portanto em cerca de 1920], para morar
na rua Belo Horizonte, atual bairro da Glória, e que por isso, pouco se lembra
dos primeiros anos passados na Russolana da Guabiruba, mas informou que na
Russolana o pai tinha Engenho de Farinha. Não se lembra de ter tido serraria
lá, mas antes de nascer o Stefano (Lauritz ??) tinha uma, naquela localidade;
- que do Garcia, quando veio de
muda, lembra-se da Empresa Industrial Garcia;
- que morou 30 anos sem luz
elétrica e que por muito tempo usou luz de bateria;
- que seu pai caçava, adentrando
no mato e chegando até onde nasce o Ribeirão Garcia;
- que caçava também, junto com o
irmão João, que na primeira vez pegou porco (o de queixo branco, [portanto o
queixada] na corrida, pois não caçava com cachorros. Já os parentes da rua da
Glória caçavam com cachorros;
- que gostava de caçar mais
“passarinho”, [denominação usada para aves em geral] e que caçava de tudo:
jacutinga, jacupema, etc. Jacutingas chegou a ver seis numa árvore, quando já
morava em Blumenau;
- que conheceu quase todas as
cabeceiras do Garcia (caçando) e que conheceu o Bepe quando já tinha duas
filhas e quatro filhos;
- que para ir ao Bepe o pior
trecho de passagem era o morro após a Serraria do Moretto, que antes passava
por cima, agora é por baixo, evitando o tope feio;
- Informou que conheceu a Nova
Rússia já pelo caminho atual [e não pelo acesso através do Jordão];
- que em Blumenau conheceu tudo.
Especificamente sobre as matas do atual Parque Nacional, lembra que na Terceira
Vargem tinha uma Serraria dupla, tocada com uma única caldeira (locomóvel)
e que lá tinha também umas 4 ou 5 casas, a estrada no meio e a serraria do lado
direito;
- que o Leopoldo Zahrling tinha
Serraria na Nova Rússia, especificamente na Segunda Vargem e na Terceira Vargem
a serraria dupla;
- que o Leopoldo Zahrling tinha
400 toras cortadas no mato, na Terceira Vargem, mas chegou à conclusão de que
era mais lucro deixá-las apodrecer no mato do que puxar até a serraria para
serrá-las;
- que o Knapel [que outros
entrevistados chamaram de Knapa e um outro supõe ser Knaper] tentou buscar
estas toras. Quando veio embora, no topo do morro olhou para trás e viu fumaça
... (A Serraria da Terrceira Vargem estava queimando)?;
- que na região do Bepe chegou a existir
uma serraria, na região de Águas Pretas;
- que foi comerciante, tinha 5 –
6 cavalos e com eles ia para o Encano;
- que o Tallmann tinha uma
Serraria no Encano junto com o Sr. Masen;
- que sobre possíveis áreas de
mata ainda virgens, informou que entre o Jordão e a Nova Rússia, o Sachtleben
tinha 120 morgos de terra, “que ia até Gaspar e não deixava cortar nada” e que
mais para dentro, no seu tempo, era tudo mata virgem e que uma vez viu seis canelas
(-pretas) de cerca de um metro de diâmetro, na Buraqueira, no Encano;
- que nas Minas (de Prata) era
muito ruim para subir, para ir a pé para o Encano;
- que na Chapada (ponto mais alto
da estrada, então caminho que ia para o Encano), viram revirado de terra de
porco, com pegadas fresquinhas de onça-pintada e que a água ainda estava suja
da sua presença;
- que viu a onça-pintada morta na
Toca da Onça em Blumenau, sobre um Ford 1948;
- que subiu o Spitzkopf várias
vezes e que uma vez desceu pela água e saiu no Encano;
- que não sabe se ainda tem mata
virgem no Spitzkopf, pois “tiraram muita madeira”;
- que sobre acidentes de caça
soube de um genro do Roepke e que na família houve um acidente desses;
- que seu irmão João sempre dizia
que ....///????;
- Sobre sua vida social, contou
que entrou como sócio do Clube de Caça e Tiro Jordão depois da II Grande Guerra
e que foi Rei do Alvo ou Rei do Tiro e que suas filhas foram damas e ele foi
ainda duas vezes Primeiro Cavalheiro e uma vez Segundo Cavalheiro e que o café
do Rei era na casa do Rei, mais ou menos como hoje. Tocava também na Orquestra
Jazz Ideal, que se apresentou no Teatro Carlos Gomes, no Hotel Elite; tocava um
acordeão italiano, muito lindo, que vendeu para poder comprar uma camionete
pick-up e saiu da orquestra em cerca de 1942.
- Ainda sobre suas atividades,
foi taxista por 20 anos, foi mascate na região do Alto Vale do Rio Itajaí do
Norte e que ia com o seu carro, junto com o vendedor Alfredo Krug e que ainda
foi tecelão por 17 anos, sendo 13 anos na Empresa Industrial Garcia e 4 anos na
Artex S/A.
- Voltando ao assunto CAÇA, disse
que comentava-se que iam proibir a caça por 5 anos mas que a proibição
permaneceu até hoje;
- que seu pai chegou a matar
jacutinga até num cafezalzinho que tinha;
- que nos últimos anos que
caçaram, mataram 31 jacutingas em três caçadas, na área do Moreira Bastos (no
Braço do Encano) e que não matavam mais por que não tinha como carregar os
bichos mortos;
- que aos sábados, na rua
Progresso, diante de sua Venda, “era só carroça passando e latidos de
cachorros” do pessoal que se dirigia às matas do Garcia e Encano, para caçar
nos fins de semana;
- ainda sobre bichos de caça, comentou
enfático: “oh, comemos muuuita carne de anta e que viu uma sendo carneada no
Bepe e naquela mesma manhã, pelas dez horas, vieram com mais um veado abatido e
que uma semana após viu outra anta.
- sobre ideia de reintrodução,
ele acha que daria certo “só se os caçadores não caçarem mais”;
- informou ainda que parou de
caçar quando foi proibido, “para não ser preso, ir para a cadeia” e que não
tinha graça ir caçar com medo dessa possibilidade;
- Sobre o Parque Nacional da
Serra do Itajaí, disse “que é bom ...”, apenas;
- Sobre SECAS, disse que nos
fundos de seu terreno, que tinha mais de 600 metros de fundos, um ribeirãozinho
chegou a secar, mas não se lembra o ano;
- sobre o nome do morro
Bugerkopf, disse que sempre o conheceu com esse nome;
- sobre ÍNDIOS, disse que seu pai
chegou a ver um mas ele mesmo não viu.
[FIM da entrevista].
"arquivo de Lauro Eduardo Bacca e Parque Nacional da
Serra do Itajaí"