Mais
uma colaboração exclusiva do jornalista e escritor Carlos Braga Mueller
Por
Carlos Braga Mueller
BLUMENAU SOB A ÓTICA DE
JORGE AMADO
Jorge
Amado foi um dos mais prolíficos escritores brasileiros.
Autor
de 49 livros, entre os quais muitos romances, alguns de crônicas, contos e
memórias, teve suas obras traduzidas em 80 países.
Amado,
cujo nome completo era Jorge Leal Amado de Faria,
começou
sua carreira de escritor em 1931 com o romance O País do Carnaval.
Nasceu
em Itabuna, na Bahia, em 10 de agosto de 1912 e morreu no dia 6 de agosto de
2001, em Salvador.
Zélia
Gattai, também escritora, foi a companheira que o incentivou, secretariou, e
que sempre esteve ao seu lado, nas boas e nas más horas.
FARDA FARDÃO CAMISOLA
DE DORMIR
Em
1979 publicou Farda Fardão Camisola de Dormir (assim mesmo, sem virgulas ) um
romance, ou “fábula para acender uma esperança”, como ele sub intitula a obra.
Uma
história pictórica, em que Jorge Amado
toma a liberdade de cometer algumas indiscrições contra uma vetusta Academia de
Letras. Vale lembrar que ele próprio era membro da Academia Brasileira de
Letras.
Farda,
porque Amado conta a estóica batalha de um coronel, em busca de uma cadeira na
Academia, aberta como sempre pela morte de um dos seus membros.
Fardão, porque os imortais da Academia tem
que trajá-lo ( e não custa pouco) desde o ingresso até que se despedem, morrem,
mas permanecem “imortais”.
Camisola de Dormir porque um dos personagens assim
classifica a nudez de uma de suas mais ardentes e inesquecíveis amantes.
Construído
esse cenário, Jorge Amado começa a narrar como funcionam os bastidores onde
circulam os literatos, aos quais caberá indicar e votar em um novo acadêmico. E
entram aí, digladiando entre si, os mais antigos e respeitados dos membros da
Academia, povoando o universo acadêmico
com firulas e fofocas.
E O QUE BLUMENAU TEM COM TUDO ISSO ?
Interessante
é citar que Blumenau ocupa um
pequeno, mas significativo, espaço na história, mais especificamente no
capítulo ”Os acontecimentos de Santa
Catarina”.
Antes
de transcrever parte deste capítulo, vale fazer algumas considerações sobre o
enredo de Farda Fardão Camisola de Dormir.
O
Coronel Agnaldo Sampaio Pereira
(nome fictício) se considerava um literato digno de ingressar na Academia. Mas alguns acadêmicos queriam ver o diabo,
não queriam vê-lo lá. Isto porque Sampaio Pereira, integrante do Exército
durante o Estado Novo de Getúlio Vargas, era considerado um adepto da filosofia
nazista, em uma época em que o governo brasileiro parecia manifestar simpatia
pelas ações do nazismo de Hitler e pelo fascismo de Mussolini. O Planeta
caminhava, célere, para um conflito que ficaria registrado nos anais como a Segunda
Guerra Mundial.
Para
melar a candidatura de Sampaio Pereira,
alguns acadêmicos descobriram outro escritor tão militar quanto ele, ou talvez
até melhor, porque General, de patente superior, apto a concorrer com o
Coronel, embora seus escritos não fossem lá essas coisas: tratava-se do General Waldomiro Moreira, respeitado muito mais que o
oponente.
OS ACONTECIMENTOS DE
SANTA CATARINA
No
livro, em determinado momento, para abafar as manifestações nazistas, pró Alemanha, que ocorriam em Santa Catarina, foi designado para
salvaguardar a lei e a ordem em território catarinense o capitão Joaquim Gravatá, oficial educado no amor à Pátria e que,
chegando ao destino, seria um ferrenho cumpridor da lei. Gravatá não desconfiava, porém, que movimentos pró Hitler poderiam
ter simpatizantes entre os integrantes do Estado Novo, a ditadura implantada
por Getúlio em 1937.
Jorge Amado é quem conta em sua ficção, que beira
a realidade:
“Vindo
diretamente do meio dos caboclos ribeirinhos para comandar a Companhia sediada
em Blumenau, cidade de colonização alemã, o Capitão Gravatá pensou ter desembarcado em terras estrangeiras.
Menos pela brancura da gente ariana, os cabelos loiros, os olhos azuis, a
inconfortável predominância do idioma alemão sobre o português, mas sobretudo
por constatar completo desprezo e freqüente desobediência às leis ditadas pelo
Governo – mau ou bom, tratava-se do Governo do Brasil, país independente,
situado na América do Sul.
Até
bem poucos anos brasileira e pacífica, durante a guerra Blumenau parecia belicosa colônia germânica. Sergipano,
favorável à miscigenação, exigente no respeito à soberania nacional, o Capitão
aborreceu-se com o que ali viu e constatou. Realizavam-se constantes
manifestações políticas, públicas e ruidosas, em clubes, escolas, templos, ruas
e praças. Passeatas percorriam a cidade, comemorando vitórias dos exércitos
nazistas, conduzindo bandeiras e emblemas, a suástica e retratos do Führer. Desfiles paramilitares, os
jovens fardados com uniformes dos SS e dos SA, camisas pardas e camisas negras,
marchando a passo de ganso, os braços levantados em saudação aos Chefes, os
gritos de Heil Hitler! “Nos
palanques dos jardins e parques, pronunciavam discursos exaltados e agressivos-
em dialeto bávaro soavam ainda mais insolentes.”
A
narrativa de Jorge Amado prossegue
contando o que o Capitão
Gravatá fez para instaurar a ordem em Blumenau:
“Ora,
as manifestações políticas em recinto fechado ou em praça pública, estavam
todas elas proibidas. Também o funcionamento dos partidos, sem exceção.
Todavia, o Partido Nacional-Socialista
Alemão, cujos órgãos supremos sediavam em Berlim, agia abertamente naquela
cidade que, na opinião do Capitão
Joaquim Gravatá e da tropa sob seu comando, devia permanecer brasileira.
Disposto
a fazer respeitar a lei, o oficial procurou o Prefeito para uma ação conjunta.
O antigo Prefeito fora substituído no começo da guerra e o novo acumulava o
cargo de chefe da secção local do Partido. Sorriu da ingenuidade do molesto e
mestiço Capitão – os decretos sobre concentrações políticas não se referiam às
manifestações de júbilo com que a comunidade germânica comemorava as vitórias
da Wehrmacht e, quanto ao partido,
escapava, por alemão e nazi, das injunções da lei brasileira.
Sorriu
de novo, dando o assunto por encerrado. O Capitão não gostou das explicações
nem do sorriso e agiu. Apreendeu
bandeiras, cruzes suásticas, emblemas diversos, ampla literatura em língua
alemã, cartazes com palavras de ordem, inúmeros retratos do Führer e boa
quantidade de armas. Fechou a sede do Partido, guardou a chave. O Prefeito
revidou com uma passeata, o Capitão a dissolveu, trancafiando no xadrez alguns dos manifestantes mais
exaltados.”
Jorge Amado narra que foi então que aconteceu a
precipitada viagem do Coronel Agnaldo
Sampaio Pereira a Santa Catarina e a Blumenau. Pereira, contrariado, deixou
de lado no Rio de Janeiro a campanha para sua eleição à Academia de Letras, e
veio resolver a situação criada pelo Capitão Gravatá.
Trazendo
instruções dos superiores, não fez por menos: providenciou a imediata remoção
do Capitão, contra o qual foi instaurado inquérito militar.
Houve
então a reintegração da suástica ao som das fanfarras, os braços para o alto,
os discursos e os rugidos de Heil Hitler
!
SEM MÁGOAS, FICA O
REGISTRO
Esta
é a ficção que Jorge Amado
colocou nas páginas 78, 79 e 80 da 3ª.
edição de Farda Fardão Camisola de Dormir,
lançada pela Editora Record em 1980.
Integralistas em Blumenau
Muito
do que o livro conta realmente aconteceu, mas ao utilizar nomes fictícios e fatos ocorridos em ordem
não cronológica, Jorge Amado apenas corroborou
posições de outros literatos brasileiros, entre os quais Rachel de Queiróz, que no final dos anos 50 escreveu uma crônica na
revista “O Cruzeiro”, na época a de maior circulação nacional, criticando os olhos azuis dos blumenauenses e o falar
arrastado e germânico da nossa
gente.
Jorge Amado, na introdução da obra, esclarece que
“Toda e qualquer semelhança com tipos, organizações, academias, classes e
castas, figuras e sucessos da vida real será pura e simples coincidência ...”
Não
nos move a intenção de tecer aqui críticas ao que se escreveu, em qualquer
tempo, a respeito da identidade cultural de Blumenau, seja ela realidade ou ficção; apenas rememoramos Jorge
Amado e este seu romance no sentido de agregar ao acervo histórico da nossa
terra as manifestações que importantes mestres um dia fizeram sobre nossa
cidade.
Mas
afinal, como termina a história de Farda
Fardão Camisola de Dormir? O Coronel conseguirá eleger-se membro da
Academia de Letras ?
Recomendo
a leitura do livro, uma gostosa incursão nos bastidores da Academia e nos
circunlóquios dos seus ilustres “imortais”.
(Carlos
Braga Mueller) Arquivo Adalberto Day e fotos divulgação.
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Já que estamos falando de escritores, aproveito a oportunidade para anunciar o livro do amigo Flávio Monteiro de Mattos é carioca de nascimento e blumenauense por opção. e de coração, também colunista deste espaço. Sugiro adquirir o exemplar.
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