Antigamente: Blumenau
sob o olhar de Amaral Netto,
"O Repórter"
Amaral Netto (de cinza) posando de gaiteiro de boca junto a um pequeno
conjunto. Visita em 1971 era a terceira do jornalista a cidade (Reprodução /
Adalberto Day)
O ano era 1971, tempo em que o
mundo ainda vivia entre as tensões da Guerra do Vietnã e os conflitos
na Irlanda do Norte. Assistíamos a entrada
da China na ONU e a
fundação dos Emirados
Árabes Unidos, Falava-se em duas alemanhas, Guerra Fria e vivamos o auge da repressão da ditadura nas mãos do
presidente Garraztazu Médici.
Desabavam o Complexo
da Gameleira (Expoinas), em Minas Gerais, e o Elevado
Paulo de Frontin, no Rio. O Atlético Mineiro era campeão
brasileiro e Jackie
Stewart era campeão de F1 pela segunda vez. Perdíamos Jim Morrisson, Louis Armstrong, Coco Chanel, Nikita Khrushchev e víamos o clímax da Guerrilha
do Araguaia, com o abatimento de Carlos Lamarca.
Todos estes e outros
fatos rolavam pelo mundo quando Blumenau era visitada pela terceira vez por um
dos mais importantes jornalistas brasileiros: Fidelis dos Santos Amaral
Netto (1921-1995), mais conhecido no meio como Amaral
Netto e intitulado O Repórter. Deputado federal da antiga Arena (Aliança Renovadora Nacional) pelo Rio de Janeiro e ufanista indiretamente autodeclarado, Netto
estava na cidade para uma tarefa profissional: Coloca-la como um dos destaques
da edição número oito da revista homônima que editava desde 1968 (estimado), sem precisão sobre a
periodicidade.
Para quem pouco conhece,
Amaral Netto mantinha desde o mesmo 1968 (começando na Tupi e passando a Globo meses depois) o programa Amaral Netto, O Repórter (1968-1981) que revolucionava ao trazer para a
telinha rincões do país ainda pouco conhecidos pelos próprios brasileiros.
Netto esteve em praticamente todos os cantos do país, viveu um sem-número de
aventuras e, hoje, tanto os programas de TV quanto as publicações em revista são
importantes documentos históricos da comunicação e da vida e cultura nacional
naqueles tempos. Uma espécie de National Geografic brasileira um tanto torta, podemos assim dizer.
Nesta edição de número
8, Blumenau dividia destaque com uma aventura no Amazonas, o estado de Goiás, a nova
estrutura de Copacabana e a Siderurgia. Apesar
de ser uma espécie de pioneiro, os textos e reportagens de Amaral Netto tinham
um jeito bem ufanista, procurando destacar os grandes feitos do que ele (Adolpho
Bloch, da Manchete, e
tantos outros) chamava de Brasil Grande.
Com Blumenau não foi diferente. Depois de fazer um breve histórico em palavras
poetizadas, Netto enaltece enfaticamente a pujança e o ritmo acelerado do
desenvolvimento da cidade ainda em crescimento, mas bem visível aos olhos do
país.
Trens abandonados
aguardando o desmantelo nas antigas oficinas da EFSC, na Itoupava Seca (atual
Campus II). Não é possível precisar se a visita de Amaral Netto ocorreu antes
ou depois da erradicação da ferrovia. No entanto, sabendo do ufanismo do
jornalista, dificilmente isto seria nota na matéria (Antigamente em Blumenau)
E falando neste olhar ufanista de
Netto, basta lembrar que à época em que a cidade via-se como destaque do
jornalista-explorador nas bancas não era das melhores. Blumenau – e quase todo
o Vale – chorava e lamentava a perda da
Estrada de Ferro Santa Catarina (EFSC) em 13 de março
de 1971, erradicada pelo mesmo Governo Federal cujos
feitos eram enaltecidos por Netto. Não se sabe se a visita de Amaral foi antes
ou depois da erradicação, o que nos faz evitar de culpabilizar O Repórter por negligenciar o fato (e se ele
esteve mesmo no período pós-erradicação, não surpreender-me-ia ignorar o fato.
Trata-se de uma publicação ufanista, sem contar os pontos negativos
relacionados as decisões do governo, como de costume).
Aos amigos de A BOINA,
transcrevemos aqui, com as imagens originais, o texto de Amaral Netto sobre
Blumenau, tal como publicado naquela edição oito da revista. Algumas das
imagens aqui já foram compartilhadas pelas redes, como as da Empresa
Industrial Garcia e na portaria de
saída da Hering, apenas sendo aqui a comprovação de que Amaral
Netto estava nelas. Alguns parágrafos foram criados para facilitar
a leitura e alguns termos escritos ou acentuados segundo as regras antigas do
português foram alterados.
Vale agradecer imensamente também o amigo e mentor Adalberto Day, que possuía a revista em seu riquíssimo acervo e que, hoje, está sob a
responsabilidade deste jornalista para cuidar e divulgar como uma importante
peça histórica.
Vamos à reportagem
:Blumenau:
Tradição e Progresso se unem pelo Brasil
A clássica imagem da EIG
e da Rua Amazonas, sendo “explorada” por Amaral (de costas, de terno cinza).
Circulada por várias vezes em blogs e fanpages do Facebook, a imagem saiu da
publicação do jornalista (Reprodução / Adalberto Day)(Amaral Netto / 1971).
Quatro anos depois de descoberto o Brasil, o sul já
era objeto de interesse dos pioneiros da nossa colonização. Data dessa época a
primeira exploração do litoral catarinense, chefiada por um francês .Dez anos
depois, com Martim
Afonso de Sousa a frente,
os portugueses passaram a dar atenção àquela faixa do litoral
brasileiro, mas não chegaram a fixar-se ali.
A expedição foi mais de reconhecimento, já que
o interesse imediato eram pedras e metais
preciosos. Três décadas se passaram, até que em 1541 coube
ao espanhol Cabeça de
Vaca (Álvar Núñez Cabeza de Vaca) ocupar
a Ilha de
Santa Catarina – onde hoje se encontra Florianópolis -,
ocupação efetuada com náufragos e desertores, mas que, felizmente, em nada
desmereceu a colonização daquele pedaço da terra brasileira.
Estamparia na E.I. Garcia, vistos
de perto por Amaral Netto e senhor Sylvio de Oliveira - representando a EIG - durante sua visita a empresa (Reprodução / Adalberto
Day)
A colonização efetiva ensaiou os primeiros passos
no começo do século XVII, definida e consolidada com a
fixação ali, um século mais tarde, de uma guarnição militar. Não havendo
atrativos maiores para os colonizadores, à falta do grande objetivo de então, a
cobiçada “riqueza à flor da terra”, passavam-se os ano e as terras catarinenses
continuavam sem atenção maior da Coroa.
E foi só na segunda metade do século XIX que
um fato marcante ocorreu na história de Santa Catarina: A chegada, ali, de um
representante da Sociedade
Protetora dos Imigrantes Europeus, desembarcado
no Rio Grande do Sul, vindo de Hamburgo. Tratava-se de
um jovem alemão, recentemente formado em filosofia, Hermann
Bruno Otto Blumenau. Veio para observar a situação dos
imigrantes já estabelecidos no sul; observou e se convenceu de que o Brasil,
Santa Catarina especificamente, merecia uma atenção especial.
Na fachada da Artex, uma
mostra dos produtos que conquistavam o Brasil e o mundo. Um ano antes, em 1970,
Norberto Zadrozny era condecorado com a Ordem de Rio Branco e era eleito como o
“Homem de Vendas” daquele ano, segundo a ADVB (Reprodução / Adalberto Day)
(Hermann) Chamou a si
a responsabilidade de organizar um plano de colonização depois de ter
visitado demoradamente a província e ter penetrado pelo Vale do Itajaí
adentro. Resultado: Á vista de todos, e em tempo recorde, surgiu uma
civilização nova, uma nova concepção de trabalho. Os alemães ali estabelecidos
criaram as condições para um progresso rápido e equilibrado da região:
Desenvolvimento industrial, espaldado no desenvolvimento agropecuário. Hoje,
passado pouco mais de um século, seus habitantes têm nomes estrangeiros, mantêm
alguns costumes estrangeiros, forma uma paisagem estrangeira, mas são
brasileiros de todo o coração, trabalhando com todas as forças pela grandeza do
Brasil.
Atacados por índios e animais selvagens, atingidos
pelas cheias do rio, sacrificados pelas doenças endêmicas, os primeiros colonos
não se deixaram dominar pelo desânimo. Aqui chegaram dispostos a tudo
vencer; eles para cá vieram, sabendo que iriam transformar a mata selvagem
num centro de civilização, onde a vida lhe fosse mais fácil que na
pátria distante. Em poucos anos, atraídos pelas cartas de parentes e
amigos, novos colonos se instalavam no Vale. Vinham ver de perto os encantos, a
beleza, a fertilidade daquela terra brasileira. Blumenau começava a crescer.
Casas de madeira e de alvenaria já eram os sólidos alicerces do que
viria a ser a grande cidade de hoje.
Rua Ângelo Dias, nos tempos de recanto residencial (Reprodução /
Adalberto Day)
Dez anos decorridos e Blumenau começava
a a viver sua vida própria: Trabalhadores especializados movimentavam olarias,
fábricas de cerveja, de vinagre, de charuto, engenhos de açúcar e de farinha.
Três casas de negócio já atendiam sua freguesia: Uma farmácia e duas
hospedarias. No entanto, a vida não era fácil. Se as dificuldades continuavam e
se acentuavam, Hermann Blumenau nelas encontrava o estímulo para levar avante o
que era a “sua” colônia. Transformada em vila em 1880, Blumenau já
tinha cerca de 14 mil habitantes e 3 mil casas. Trinta escolas e mil alunos,
muitas casas comerciais, exportação de produtos agrícolas e manufaturados,
hospitais, hotéis – tudo isso fazia prever sua elevação a cidade para dentro de
pouco tempo.
Na Hermann Hering, Netto
fazendo a típica pose de “europeu” diante de uma charrete. Tempos em que
Blumenau parecia mais européia do que brasileira (Reprodução / Adalberto Day)
Quando O Repórter chegou ao
Vale do Itajaí sentiu o mesmo deslumbramento das outras vezes – já é a terceira
vez que lá vai. A natureza, exuberante; o verde, mais verde; o ar, mais puro. A
medida que sobe o Itajaí mais se entusiasma com a opulência, a fertilidade
das terras banhadas pelo grande rio. E alcança Blumenau, a “cidade dos
três impérios”, no dizer do Repórter, a cidade das bicicletas, a cidade de
telhados quase verticais, sótãos, janelas envidraçadas e jardins floridos. Ali
estão os traços marcantes do espírito germânico. O espírito europeu ali está
vivo, como vivo é o colorido das formas especiais de expressão, misto de alemão
e português, num interessante fenômeno de aculturação.
Antiga fachada da Teka, em 1971… (Reprodução / Adalberto Day)
…e a fachada da Cristais Hering, também visitada por Netto (Reprodução /
Adalberto Day)
Amaral Netto na saída de turno de trabalho na CIA. Hering ( Foto Adalberto Day)
O Repórter desembarca
em Blumenau. Dos seus quase 90 mil habitantes, a maioria se encontra entregue
ao trabalho. Blumenau não pode parar. Alguns setores trabalhar em regime de 24
horas. O Brasil, de norte a sul, já se acostumou a receber as malhas, os
cristais, os produtos alimentícios e os instrumentos musicais de Blumenau. Seus
homens de negócio já se instalaram em São Paulo e Paraná. Suas indústrias já
estão no Nordeste. Um jovem industrial blumenauense agraciado com a medalha
da Ordem do
Rio Branco, por mérito como exportador, é eleito
o Homem de
Vendas de 1970 (Norberto Ingo
Zadrozny, da Artex).
Netto observa a ordenha de vacas no que parece ser as instalações da Cia
Jensen, uma das titãs industriais de Blumenau naqueles idos (Reprodução /
Adalberto Day)
O fabulosamente rápido desenvolvimento da cidade
com que Hermann sonhou, exigiu e já é controlado por computador eletrônico. Todas
suas indústrias estão em fase de expansão. Pois não bastam as exportações só
para os Estados Unidos, Mercado Comum Europeu e países latino-americanos.
Blumenau quer e vai levar para todo o mundo o nome do Brasil. O nome do
Brasil Grande.
Revista
Amaral Neto nº 8 – reportagem em dezembro de 1970, lançado no início de 1971 : "O Repórter"