Mais uma
participação exclusiva da escritora e historiadora Urda Alice Klueger, que nos
remete aos anos de 19(60), do século passado, relembrando sobre as delicias das
“amoras” em nossa região do Garcia e toda Blumenau.
Por Urda
(Para Luiz Ramil)
Imagem: divulgação Internet
Lembro-me de
quando estavas aqui, em agosto, e a árvore de amoras¹ ensaiava a Primavera,
neste ano em que o inverno foi tão brando! A cada manhã parávamos sob ela e
víamos as pequenas amoras verdes crescendo, e eu comentava contigo da
abundância que haveria em breve, da refeição de amoras que eu faria ali, a cada
manhã, coisa encantada, que me ligava à Natureza, ao Passado e ao Presente de
fartura, tanta comida, hoje, neste país, que as crianças já não sabem mais
comer fruta no pé! Então tu te foste antes que a primeira amora amadurecesse, e eu continuei ali, espreitando aquela árvore que em poucos dias cobriu-se de amoras pretas, doces e suculentas, e nas manhãs de andanças com meu cachorro eu já não comia mais em casa, tamanha era a fartura que havia sob aquela árvore, fartura daquela fruta que me deixava a boca, o rosto e as mãos cheias do roxo do seu sumo, fartura das lembranças de ter estado ali contigo. Eram tantas as amoras que eu podia comer até a saciedade, e elas se desprendiam dos ramos da árvore ao primeiro toque e me enchiam as mãos, e a cada uma que eu botava na boca eu me lembrava de ti, e aquela rua que me trazia diversas magias agora ficara mais encantada ainda, e cada manhã era uma manhã de festa porque havia as amoras e a tua lembrança de ali, sob a árvore – mais de uma vez eu te escrevi sobre aquelas amoras maduras, mas penso que não sabes, até agora, como aquele amadurecimento está, agora, ligado à tua lembrança.
Imagem: divulgação
Houve dias
que como que me sentia intoxicada de tanta vitamina C, tamanha a abundância sob
aquela árvore, e é tão mágica e magnífica, aquela árvore, que tanto eu, quanto
as crianças da escola, quanto outros passantes, todos paravam ali para colherem
suas frutinhas negras, e lá vinham mulheres com panelas para a colheita com a
qual fariam doces, ou homens com potes de plástico para colher amoras para as
suas crianças, e todos nos fartávamos e colhíamos o que estava à mão, na parte mais baixa da
árvore, pois lá em cima, quem dominavam eram as aves.
Todo o tipo
de aves e avezinhas fazia sua barulheira primaveril nos altos da árvore, sem
nenhum medo, pois agora as crianças também já não sabem mais perseguir
passarinhos, e houve uma manhã, mesmo, que havia tal bando de aracuãs se alimentando
lá no andar de cima, que quando faziam uma revoada, era quase que com se
houvesse um escurecimento do dia. As aracuãs estavam tão felizes e repletas de
amora que, imagino, naquele dia aproveitaram para perpetuar sua espécie. E eu
comi, e depois fui andando, e depois voltei – tu conheces o meu itinerário – e
sempre as aracuãs continuavam ali a festejar a vida, e como eu sentia que não
estivesses ali para compartilhar aquela exuberância toda!
A festa
daquela árvore continuou por uns quarenta dias – nunca fizera as contas de
quanto tempo uma árvore de amoras permanece frutificando, mas neste ano eu
lembrava de ti e de quanto tempo fazia que te foras, e sabia do tempo. E
continuava, a cada amora, a me lembrar de ti.
Hoje foi a primeira manhã em que já não
havia amoras, e vim para casa com fome. Há que esperar muito tempo para que
aquela árvore volte a frutificar, o que não quer dizer que ela não continue a
frutificar lembranças, pois me mantive sob ela, olhando seus ramos sem amoras,
mas pejados de recordações.
Imagem: divulgação
Quanto tempo
irá passar, agora, até que possamos estar de novo sob uma árvore assim,
armazenando novamente as lembranças que ficarão para a vida? Senti muito,
muito, a tua falta.
¹ Amora é o nome
popular dado a diversas frutas de formato semelhante, mas pertencentes à
gêneros e mesma famílias botânicas diferentes.
Alguns
tipos de amoras:
Amora-branca,
Amora-do-mato, Amora-vermelha.
Blumenau, 04
de Outubro de 2014.
Urda Alice
Klueger
Escritora,
historiadora e doutora em Geografia.
Adalberto e Urda Bela história, bons tempos. Tenho o privilégio de ter árvores em volta de casa e de ser, nos últimos dias, acordado por sabiás
Alexandre Farias
Bom dia Adalberto
ResponderExcluiresta história me lembra bons tempos de infância.
as amoras, estas delícias, meus pais não tinham esta árvore, mas lembro que o vizinho tinha.
Uma pena que esta árvore não existe mais, porque no local hoje tem um prédio.
abraço
Boa tarde meu caro Adalberto,
ResponderExcluirQuão bom foi ler este texto, pois me veio a lembrança de quando garoto na casa dos meus avós maternos, pois lá tínhamos um enorme pé de amoras , amoras estas que eram divididas com os vários pássaros que ali vinham alimentar - se todos os dias, quando na época das frutas.
Parabéns por mais um excelente texto.