SAMBAQUI/TAMBAQUI ( Tamba =concha
+ Ki = depósito) –
Foto: Revista Ciência Hoje On Line
MALACOLOGIA
MEMÓRIAS DE NIELS DEEKE
Adiante faço constar uma digressão, relatando, em
sinopse, de minhas observações, muito superficiais, acerca dos sambaquis. Dirão
que é conversa “prá boi dormir”, contudo foi realidade à época e imagino ainda
seja. ¨¨
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Faz mais de 45 anos que, muito
rapidamente, passei por aquela região do Baú, e nem me recordo da aparência
daqueles sambaquis. As terras que tenho florestadas próximas ao Baú situam-se
em região diametralmente oposta a que contém os casqueiros, distando estes mais
de 30 km
de minhas terras. Não me é familiar qualquer nome dos moradores referidos no
texto do Comunicado da Associação Escolar de Santa Catarina - Nr. 6 Junho 1916.
Os Sambaquis, objeto daquela
expedição em 1915, situam-se à margem do ribeirão Baú, que é um afluente do
ribeirão Luis Alves. Consta haver não distante daqueles Sambaquis, um ¨amolador de pedras” além de petróglifos.
Eu se pudesse visitaria o sítio, contudo minha exígua mobilidade não permite.
Grato pela remessa do texto sobre
a expedição, em 1915, dos estudantes de Blumenau ao Baú – já o colecionei no
arquivo respectivo.
É notável distanciar-se, Vale adentro,
aquele sambaqui, do que se infere haver o mar recuado (recuo do mar: eustasia -
movimento eustático, ou seja na
variação global relativa do nível do mar. ) ou então durante, algum período, ter- se
elevado a ponto de atingir aquele sítio. Todavia suponho que acaso recuássemos 7 a 9 mil anos - talvez pouco mais – pouco menos - encontraríamos a região ainda submersa pelo
mar em cerca de dois a três metros na grande planura. Acresce que justamente
aquela região sempre foi muito assoreada pela descarga dos sedimentos trazidos,
do Morro do Baú e periferia, pelo ribeirão Luis Alves o que desfigurou o
aspecto e vestígios do nível alcançado pelas marés naquele local, onde percebe-se
um talvegue escavado em cerca de 3,00 metros na planura circundante que antes
foi toda mar por milhares de anos.
Ainda sobre os SAMBAQUIS, rebuscando
minhas lembranças do quanto longamente conversei, nos muitos telefonemas, lá
por volta de 1979/80, com o padre João
Alfredo ( Rohr) em Florianópolis, versando sobre as ¨habitações líticas” da
Serra do Mirador – das quais eu na ocasião escavava os depósitos do material
que seus construtores extraíram na rocha
estratificada para seu aprofundamento na montanha, recordo-me de que acordamos, na primeira
conversa, em admitir a formação natural
dos casqueiros, se bem que sob condições especiais. Questões pontuais foram
definidas como a circunstância das conchas berbigonas ( espécie cuja origem
remonta ao triássico) encontrarem-se, na grande maioria, fechadas e as de vieiras igualmente ainda
unidas, prova de que o molusco não foi retirado da casca-concha, portanto não foi cozido nem serviu de
alimento cru.
Cascas de Mariscos verdadeiros –
mexilhões ( sururus) extraídos das pedras à beira mar - não foram encontradas nos sambaquis,
entretanto é sabido que nossos indígenas litorâneos, os apreciavam e aproveitavam a baixa-mar para
extraí-los.Geralmente os comiam crus ou
por vezes assados diretamente no fogo como se fossem pinhões. Depósitos casqueiros
de mariscos- sururus com cerca de 2 metros de diâmetro na
base por 1,00 metro
de altura, há ao longo de toda a nossa
costa marítima. Então qual a razão de não haver cascas de mariscos nos sambaquis, se ali bem próximo
estavam os mariscos (sururus), bem mais saborosos e muito mais fáceis de serem
coletados, quando ostras e berbigões jaziam enterrados na profunda lama ? Já
retirei as grandes ostras da lama por mergulho em lagamares e sei o trabalhão
que dá catá-las. Tentem e desistirão da empreitada.
Propositalmente não assinalei no
texto supra, incongruências capitais quanto às medidas dos níveis alcançados
pelas águas nos sítios em que se formaram os casqueiros e suponho que tal particularidade tenha passado
despercebida a quem leu o enunciado até este ponto.
Pois bem, em telefonema
subseqüente com padre Rohr, este, dizendo-se doente e fraco, pedia-me, se fosse
possível, seguir ao planalto serrano, pois ele não tinha condições, para
observar uma habitação supostamente indígena, escavada em um morro de barro –
uma toca – na qual haveria uma chaminé ou talvez um canal para ventilação, ocorrência que lhe
tinham comunicado fazia pouco tempo. Dizia-me que muito antes já havia
encontrado tais ocas ( tocas) e que no planalto eram historicamente executadas
para melhor suportarem a friagem do inverno, quando as usuais choupanas não
serviam para tal. Desculpei-me por não poder satisfazê-lo, eu precisava então
administrar a minha antiga Fábrica de Chocolate Saturno e tentar, adoçando a
vida alheia, trazer-lhes felicidade.........enquanto eu amargava
financeiramente........... Na continuidade disse haver pensado sobre nossa
conversa anterior sobre a formação dos sambaquis, e concluído que se naturais fossem, então as datações e níveis alcançados pelo mar, deveriam ser drasticamente alterados. Dizendo-se
antropólogo e arqueólogo e não geólogo, salientou
o seguinte :
Os moluscos certamente eram marinhos, com habitat submerso, portanto se naturais então na
ocasião de sua ¨aglomeração¨ o nível de mar os cobriria por inteiro – exegese
tida como ponto pacífico. Ora os monturos de casqueiro observados alcançavam
geralmente entre 7 e 15 metros sobre o terreno
contíguo, acrescido do desnível atual do mar em cerca de 4 a 6 metros comparativamente
ao presente nível . Consequentemente o nível do mar deveria ser, à época da
formação dos monturos, necessariamente
superior ao atual em pelo menos 20 metros , se não mais. Teria
a nossa costa Atlântica se elevado em 20 metros nos últimos 10 mil anos ? Ele duvidava, supondo que dera-se
justamente contrário, o mar , naquele período, recuara devido a formação das
geleiras do pequeno período glacial ocorrido 13/14 mil anos atrás e agora
retornava, muito lentamente, às condições existentes há 60 mil anos. Não emitiu
conclusão, porém ficou implícito que se, como afirmavam os geólogos houve a
glaciação, então os moluscos aglomeraram-se, para morrer, há mais de 20 mil
anos..........
Falou-se ainda da circunstância
inusitada de aglomerarem-se e o que poderia tê-los levado a tal. Duas possibilidades
foram aventadas : 1) uma longa carência de luminosidade solar
necessária para a fixação do cálcio em suas carcaças e corpos, quando
amontoaram-se para alcançar a superfície menos escura na flor d’água. Se tal
falta de luminosidade ocorreu por encobrimento dos raios solares mediante
espessas nuvens de origem vulcânica ou se as águas foram toldadas pela
precipitação de cinzas ( água de lixívia) , isto permaneceu em aberto.
2) a aglomeração teria como
justificativa um direcionamento por simbiose hormonal dos moluscos, direcionamento
para associação sexuada - pois tanto
berbigões, como mexilhões (sururu) e vieiras, têm cada espécie, machos e
fêmeas, quando então estimulados por
algum fenômeno químico atmosférico ou mesmo hídrico ( v.g. excesso de
sulfetos/itos ou de amônia NH3/NH4 ) teriam se dirigido, compulsivamente e em nímias
quantidades, a locais específicos. Interessante observar que a mobilidade dos
berbigões é razoável - não tão lenta
como se possa imaginar -deslocando-se através a flexão continuada das duas partes
da concha. Mas isto já pertence ao ramo da Malacologia.
Assunto
SAMBAQUIS .
Havia,
em 1951, junto à estrada que ligava GARUVA À GUARATUBA e BREJATUBA, margem
esquerda no sentido oeste-leste, contidos na grande planura da região,
alguns enormes sambaquis com, estimo, mais de 15 metros de altura e
cobrindo áreas imensas - cerca de 10.000m2 cada um dos quatro que tive a
oportunidade de observar. Suponho mais existissem cobertos de espessa
vegetação.
Naquela
ocasião já encontravam-se vastamente explorados e continuavam sendo, porquanto
grande número de carroções atrelados cada qual com duas parelhas de
cavalos, permaneciam abastecendo-se do ¨cascalho¨ para ser utilizado, como se
fosse ¨macadame¨, no revestimento do longo e inteiro trecho da rodovia
supracitada - era, como disseram, uma obra executada pelo
governo do Paraná.
A
estrada, sem dúvida, era uma maravilha, permitindo alcançar-se
velocidades dignas de Grandes Prêmios que então os velocímetros indicadores em
¨milhas¨ ( sistema USA) registravam,. quando ainda maior sensação era percebida
pelo ruído característico do embate do cascalho esfarelado das conchas no
interior dos para-lamas dos veículos, barulho crepitante que aumentava
quando maior fosse a aceleração - uma delícia para desfrutar-se não fosse a
criminosa origem.
Na
periferia daqueles sítios com depósitos de conchas, permaneci, em
1951, acampado na mata, por 12 dias, caçando porcos de mato (Tatetos) sem
cachorro algum, jaguaçus e, à noite, macucos nos poleiros. Também lá vi pela
primeira vez, o raro URU de penacho, de porte pouco maior que o comum. Os
tucanos de bico preto eram tantos que eu espera juntarem-se dois nas bagueiras
para derrubá-los com tiro único da
chumbeira calibre 16.
Foi
meu guia um senhor Rauchmann, já bastante idoso e pessoa muito modesta
que nem atirar sabia e jamais vira uma arma mocha -desprovida do cão - residia
no vilarejo de Garuva, e cujo patronímico na região, suponho, não seja
estranho aos atuais moradores lá
residentes.
Se
naquela época lamentei a depredação dos sambaquis, deixei,
infelizmente, de senti-la quanto à minha deletéria ação que, naquele
verdadeiro paraíso pré-cabralino dotado com densa e contínua floresta quase
intocada estendendo-se desde o litoral até ao pé da serra, procedi
com a matança indistinta de aves e animais, os quais foram primeiro assados e
após cozidos em muitas latas de 20 litros e fartamente recobertos com a
banha derretida extraída dos tatetos e mesmo com a banha de suínos
que adrede levei em uma daquelas latas de 20 litros, que então denominávamos
por latas de querosene.
Na
atualidade, penitenciando-me das minhas abomináveis práticas
venatórias, dedico-me de corpo e alma, e em tempo integral, a preservar a
natureza, animais e pássaros, aprimorando ambientes propícios a sua
reprodução.
Dizem
que o melhor Preservador da Natureza seria aquele que antes a foi um Predador,
porém seria justificar o Fim através dos Meios - máxima utilitarista jesuítica
muito discutível.
Só
mais uma ocorrência inusitada : Estariam as aves desenvolvendo
maior capacidade instintiva ?
Observei, nas
semanas anteriores, por 3 vezes seguidas, as aracuãs e após as saracuras, virem
até próximo a porta do escritorinho da minha fazendola de onde digito estas
linhas, aos gritos como que pedindo-me socorro. Sai e fui verificar que
acontecia, quando, distante cerca de 40 metros, dei com um lagarto
atocaiando um filhote de aracuã. Espantei-o e a aracuã mãe serenou. Com a
saracura deu-se o mesmo, somente não vi o filhote.
Conclusão
: ou as aves acreditam-me, agora, um São Francisco, ou desenvolveram compreensão
inusitada.
Desculpem
minhas digressões, contudo são verdadeiras.
Saudações
Niels
Deeke, em Bl'au – SC, novembro de 2009
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A observação de uma ocorrência
singular : Há, pelo menos havia, nas minhas represas da Fazenda que mantenho há
mais de 50 anos, grande quantidade de um molusco de água doce, a que chamam de
¨Unha de Velho¨, idêntico aos mexilhões ( mariscos sururu), que são de bom
tamanho e mesmo maiores que os do mar. Seu habitat é o fundo das águas – lama - e não as pedras como os marítimos. Faz tempo,
talvez 40 anos, observei que grande quantidade deles estava morta reunida em só
local - não amontoados, porém muito
pouco dispersos. Procurei-os em outras partes do açude e não encontrei único.
Durante anos não vi mais os ditos, até que há cerca de 2 anos o fenômeno
repetiu-se e mandei recolher alguns baldes das cascas para preencher tachos
decorativos pendurados na casa. Aqui defronte de onde digito, à distância de
menos de 3 metros
tenho um dos tachos repleto das conchas
– é só conferir.
Ainda a razão de 10 anos, um
empregado, da Fazenda chamou-me para ver o que ocorria e decidir o destino de
boa quantidade de caramujos da água doce
– caracóis idênticos aos que são os vetores
(hospedeiros intermediários) do parasito da esquistossomose ( barriga d’água),
enfim ¨búzios de água doce¨ que na maioria estavam mortos – estes sim
amontoados em um remanso da lagoa. Como a fedentina já era perceptível, mandei
enterrar os ditos caramujos ( escargots
da água). Só para constar, revelo que já
comi ditos caramujos cozidos, não são apetitosos, mas sobrevivi.
Também há os grandes caramujos
das florestas (Schnecke) # ( não são Lesmas
pois estas não possuem concha ) dotados de bela concha externa espiralada – um
super escargot, de concha branca e maiores que os caramujos africanos, estes
atualmente postos na lista negra dos transmissores de doenças . Minha floresta
da Fazendola tem boa quantidade destes caramujos – nacionais- que mediante especial preparo e cocção lenta
por mais de 5 horas, tornam-se iguaria saborosa. Dá algum trabalho prepará-las,
mas vale a pena . Já provei delas
diversas vezes, e mantenho 2 aquários
sem água, cheias de suas conchas – podem conferir.
Comer Lesmas? Dirijam-se a verdadeiro restaurante chinês,
são iguarias!
E voltemos aos sambaquis.
Contrariando a hipótese de sua
formação natural, aqueles que abraçam a teoria de que são resíduos de moluscos
ingeridos pelo homem (kjokkenmoddings: restos de cozinha para os nórdicos), defendem sua
concepção, alegando conterem os sítios dos sambaquis, enterrados artefatos
produzidos pelo homem, crânios sepultados, e vestígios significativos de que
suas superfícies serviram de habitação.
Ora nada mais conspícuo que tais constatações absolutamente
não explicam a enormidade de conchas lá
aglomeradas. Supomos que nem mesmo uma população de um milhão de pessoas, alimentando-se somente de moluscos
durante 500 anos possa produzir tais montanhas de casqueiro. Crânios sepultados
somente provam que havia antropófagos naquele ambiente que canibalizaram o
corpo e enterraram a cabeça. Algum corpo
inteiro lá sepultado igualmente não comprova tenham se alimentado dos moluscos.
E se há houve vestígios de que sobre os
sambaquis assentaram moradia, deveremos considerar que nosso indígena não era
tão estúpido a ponto de fixar moradia na periferia alagadiça, pantanosa e
coberta de densa floresta, quando junto aos sambaquis encontrava terreno seco e
relativamente limpo, além de iluminado e parcialmente seguro com melhor visão
circundante. E se alguma espinha de peixe foi escavada, sua origem pode ter
sido por sua morte do natural naquele local durante a formação dos monturos, ou
mesmo expurgo alimentar de indígenas ali assentados. Não, nada prova a feitura
artificial dos sambaquis.
NIELS DEEKE – Memorialista em
Blumenau SC .
Blumenau, 12 de Janeiro de 2013
Beleza de reportagem. Sempre nos engrandece saber sobre isto, principalmente sendo de quem tem experiencia e conhece.
ResponderExcluirAdalberto e Niels
ResponderExcluirMuito boa a matéria como sempre...E eu que achava que sambaqui era coisas de Açorianos....
Nilton.
A própria wikipedia afirma que SAMBAQUIS são "depósitos construídos pelo homem"...
ResponderExcluirA teoria é interessante, o autor dela chegou a publicar algum artigo científico para defender essa hipótese?
No mais, me assusta pensar que com o aquecimento global em marcha, am algumas décadas podemos ter o mar invadindo essa região novamente com o degelo das geleiras?
Meus cumprimentos por essa valiosíssima contribuição arqueológica , científica e literária ao , Dr. Niels e professor Adalberto Day.
ResponderExcluirOi Beto.
ResponderExcluirQue capacidade desse Dr Niels. Que enciclopédia é esse elemento. Essa historia dos sambaquis então, é fenomenal. La por Florianópolis há varias regiões ricas com esses moluscos. E ele bem o diz. Utilizavam essas cascas de moluscos para fazerem revestimento de estradas. Imagina quanto disso havia. Verdadeiras montanhas
Meus parabéns a essa verdadeira enciclopédia ambulante.
E.A. Santos
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirEstimado Adalberto, muito interessante, a visão do amigo memorialista Dr. Niels Deeke, referente ao surgimento natural dos sambaquis. Sem dúvida, uma hipótese a ser considerada como linha de pesquisa num trabalho de pós-graduação stricto sensu. Fiquei com uma curiosidade que talvez possa ser esclarecida pelo Dr. Niels Deeke. Existe um peixe denominado Tambaqui. Haja vista o termo significar 'depósito de conchas', teríamos aqui uma alusão à possibilidade deste se alimentar de moluscos de água doce ou se trata de outro significado para o termo? Grande abraço!
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