Nossa Senhora
Visitadora
Quem tem 50 (Em 1996) anos se lembra; quem não tem 50 anos,
provavelmente nunca ouviu falar. Vou contar, hoje, de uma tradição que existia
lá no começo dos anos sessenta: a de Nossa Senhora Visitadora.
Participação da colunista/Escritora, historiadora Urda –
relando sobre Nossa Senhora visitadora.
Me chamou muito atenção pois era assim
mesmo que crescemos vendo essas visitas, altares, cantorias, orações e
procissões.
A rua Antonio Zendron, em Blumenau (Bairro Valparaíso), onde cresci, na época já
era uma rua muito extensa, com muitos moradores. Não tinha as feições de hoje,
com loteamentos e condomínios se emendando – era uma rua calma, com pequenos
grupos de casas separadas por grandes pastos onde pastavam mansas vacas
holandesas, rua habitada por católicos e luteranos mais ou menos em mesmo
número, mas onde, com toda a força, a
exemplo da maioria das ruas daquela época, Nossa Senhora Visitadora fazia o
maior sucesso.
Considerando o tamanho da rua, faço as contas e tento
imaginar quanto tempo levava Nossa Senhora para visitar todos os moradores; com
certeza, a volta inteira demorava anos. Esses cálculos, porém, não importam. O
que importa era a emoção de beleza que vinha com as visitas de Nossa Senhora.
Ela ficava uma semana em cada casa. Creio que era nas noites
de sábado que Nossa Senhora migrava para a casa seguinte; como havia os grandes
pastos entre as casas, às vezes a procissão que transportava a imagem de Nossa
Senhora de uma casa para a outra era extensa, e sempre linda, com todos com
velas acesas nas mãos a cantar canções marianas, as crianças na maior
expectativa a espiar como a cera das velas formava estranhas esculturas acima
das suas mãos.
Aí se chegava à nova casa que Nossa Senhora ia visitar, e,
ah! Sempre havia uma surpresa! Dependendo da situação econômica de cada
família, criavam-se todo o tipo de altares onde Nossa Senhora iria permanecer
uma semana, e que altares maravilhosos que se faziam! Paredes inteiras da sala
principal de cada casa eram cobertas de seda azul e tule branco, e Nossa
Senhora era entronizada com todas as honras em altares fantásticos, que
esgotavam toda a criatividade dos moradores e encantavam a vizinhança! Apesar
de ser uma atitude totalmente católica, não era incomum as senhoras luteranas
mandarem flores do seu jardim para o altar do vizinho, ou mesmo de comparecerem
às cerimônias, que viravam quase acontecimentos sociais.
Eu era fascinada pelas procissões e pelos maravilhosos
altares azuis e brancos, pejados de velas acesas e flores (as flores, naquela
época de antes do surgimento das floriculturas, eram cultivadas por cada
dona-de-casa). O chato era, depois, ter que rezar o terço. Eu até que gostava
do terço quando era a Dona Nilda que o puxava, de uma forma natural e sem
afetação, mas havia dias em que quem o fazia era o “seu” Moreira, um outro
vizinho, que embarcava na recitação do terço como se estivesse num palco,
levando o dobro do tempo, o que preocupava enormemente a nós, crianças, que
queríamos que aquilo acabasse logo para poder conversar. Eram bonitas as
ladainhas, e delas, eu gostava. A ladainha de Nossa Senhora me fazia viajar na
sua poesia e no seu encanto, e enquanto todo mundo ficava repetindo: “Rogai por
nós”, eu me amarrava, mesmo, era nos lindos títulos de mãe de Deus:
Rosa Mística!
Torre de marfim!
Eram palavras que estavam fora do nosso vocabulário do
dia-a-dia, e que botavam a minha imaginação a funcionar pra valer.
Depois da procissão, do terço, das ladainhas e dos cantos,
era hora de voltar para casa. Por toda aquela semana se ia rezar o terço
naquela casa; no sábado seguinte, tudo se repetia, e havia a ansiedade para se
conhecer o novo altar. Poderia ser um altar mais pobre, dessa vez, mas estaria
pejado das melhores flores da redondeza, e haveria as velas da procissão noturna,
e os cantos, e as expressões como “Rosa Mística” para mexer com a minha cabeça.
Eu era muito pequena para saber das coisas, mas, com certeza, muitos namoros
devem ter iniciado nessas visitas de Nossa Senhora pela minha rua à fora,
muitas receitas eram trocadas pelas donas-de-casa, muita gente que não se
conhecia acabava se conhecendo. Momento de integração de uma comunidade,
momento de magia para as crianças, um dia Nossa Senhora deixou de fazer as
visitas. E a magia das procissões com velas nas noites de sábado se acabou.
Blumenau,
12 de maio de 1996.
Urda
Alice Klueger
Arquivo Adalberto Day
Bela reportagem, como sempre da Urda.Bom relembrar destes tempos. Morei no Gaspar-Alto até pouco tempo atraz e la algumas familias catolicas tinham este costume, um pouco diferente desta época que a Urda relata.Parabens por mais uma boa lembrança de um passado não muinto distante.
ResponderExcluirMomentos desses de integração da comunidade e das famílias é o que mais sentimos falta nos tempos de hoje, onde mal conhecemos os vizinhos mais próximos.
ResponderExcluirLembro da catequese,que nos era contada com fervor,estas historias e tambem cheguei a ver algumas vezes,a transição desta imagem de uma casa p/ outra,bons tempos.
ResponderExcluirMeu irmão e amigo,belo trabalho da Sra Urda. Maravilhoso
ResponderExcluirAntonio Aires
Oi caro amigo Beto. Bem lembrada essa ocasião, habito que já se vai longe e era tão belo e venerado. Como o ser humano é volúvel. Prova disso é a própria historia da cristandade. Um grande abraço meu caro. Peço a Deus que o amigo não tenha sofrido dores com seu tratamento e que esteja se sentindo melhor a cada dia.
ResponderExcluirE.A.Santos
Terminei de rezar uma novena em honra a NS Visitadora aqui em um bairro na cidade de São Francisco MG cumprindo um compromisso de uma senhora que a muitos anos queria cumprir em nome de sua mãe já falecida.
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