Bartolomeu de Gusmão - O Padre Voador
Ainda
hoje, são impressionantes as belas imagens fotográficas dos dirigíveis alemães,
sobrevoando os céus brasileiros e de nosso Estado. Principalmente, pelo grande
tamanho dos popularmente chamados Zeppelins (o Hindenburg media 245 metros) e
pelo formato exterior da enorme aeronave desprovida de asas, que parecia uma
gigantesca baleia voadora, deslizando no ar sobre terras, mares e oceanos.
O que muita
gente não sabe é que o padre Bartolomeu de Gusmão, brasileiro nascido em
Santos, em 1685, bem que deveria ser considerado o “Pai dos Dirigíveis”.
Reconheço que, assim como ocorre com Santos Dumont - quando queremos que seja
ele o “progenitor” do avião – pode parecer um pouco de exagero. Mas, a verdade
é que a história reconhece Bartolomeu de Gusmão como um “precursor da
aeronáutica”. Foi um dos primeiros a provar a possibilidade de se criar
engenhos com capacidade para voar. Daí seu cognome de “Padre Voador”.
Depois de sua
ordenação em terras brasileiras, foi estudar em Coimbra. Estudioso da Física
estava convencido de que era possível construir um aparelho ou um veículo que
se elevasse do chão e se deslocasse no espaço aéreo. Seguro de sua experiência,
não se furtou em mandar petição ao rei D. João V, dizendo que tinha descoberto
"um instrumento para se andar pelo ar da mesma sorte que pela terra e pelo
mar".
A primeira
experiência foi um fracasso. O balão incendiou-se sem sair do chão. Nosso Padre
Voador, no entanto, não desistiu. No dia 8 de Agosto de 1709, na sala dos
embaixadores da Casa da Índia, Bartolomeu de Gusmão fez sua “passarola”
elevar-se a uns 4 metros de altura. Era um pequeno balão de papel pardo grosso,
cheio de ar quente, produzido pelo "fogo material contido numa tigela de
barro incrustada na base de um tabuleiro de madeira encerada". O balão foi
logo destruído para evitar um possível incêndio da majestosa sala e a
experiência foi considerado um enorme sucesso.
Depois do
singelo, mas heróico feito, vieram as lendas. Uma delas conta que Bartolomeu de
Gusmão teria realizado um vôo entre o Castelo de S. Jorge e o Terreiro do Paço.
Esta estória contada pelos lisboetas foi recolhida por José Saramago e inserida
em sua obra Memorial do Convento.
Ali, na pena brilhante da narrativa histórica e, ao mesmo tempo, fantástica do
grande escritor português, nosso Padre Voador conta com o trabalho amigo,
desinteressado e sigiloso de Baltasar Sete-Sóis e de Blimunda Sete-Luas – personagens
principais do romance - para construir sua Passarola. Terminada a obra, saem os
três num vôo fantástico, embevecidos com a paisagem das terras e cidades
portuguesas, como nunca até então, vistas das alturas dos céus lusitanos.
Eram
os tempos ainda de Inquisição em Portugal. E, de cientista, nosso Padre Voador
foi transformado em impostor, acusado de bruxaria e perseguido pela
intolerância de uma Igreja contrária às novas verdades da ciência. Certamente,
Bartolomeu de Gusmão não conseguiu voar em sua Passarola, quando de sua fuga
para Toledo, cidade espanhola em que se refugiou para morrer, em 1824. Mas, seu
nome está definitivamente inserido na história mundial da aeronáutica.
Zeppelin em Brusque
Gosto de
contemplar fotos antigas de Brusque e de nossa gente. Aquela do dirigível Hindenburg, sobrevoando
casarão do cônsul Carlos Renaux - hoje praça Barão de Schnéeburg – é uma das
que mais me impressiona, pela feliz oportunidade do flagrante. O episódio ficou
gravado na memória brusquense como “a passagem do Zeppelin”, nome do primeiro
dirigível e que popularizou esse tipo de aeronave.
O flagrante
fotográfico da “majestosa aeronave” foi colhido por volta das cinco horas, do
dia 1º de dezembro de 1936. Conforme registro do jornal O Rebate, aquela histórica manhã começava cheia de luz, quando do
quadrante norte surgiu um ponto luminoso e, “suavemente, como que deslizando no
ar, soberbo, magnífico, o Hindenburg voava sobre nossa cidade.”
Em seu entusiástico
editorial do dia cinco, o semanário traduz toda a emoção que tomou conta dos
brusquenses: “Braços se erguem numa saudação, lenços se agitam, vozes se
erguem, numa homenagem à vitória do gênio criador da mais bela concepção
aeronáutica de nossa época”.
Segundo
o senhor Rolf Dieter Buckmann esta foto é da casa de Gustav Walter Buckmann em
Brusque, genro do Consul e realizador do Berço da Fiação. A Casa ainda existe
(2018).
O periódico
concorrente - O Progresso - também se
revelou entusiasmado com o prodígio tecnológico germânico. Não devemos esquecer
que Hitler havia chegado ao poder em 1933 e, em nossa região, havia muitos
simpatizantes do regime nazista e de suas idéias expansionistas. Ideologias à
parte, a verdade é que o jornal começou seu editorial dizendo que “Brusque
assistiu, na manhã de 1º de dezembro o (sic)
deslumbrante espetáculo da visita do soberbo dirigível Hindenburg”.
O texto não
difere muito daquele publicado pelo O
Rebate, na descrição do grande acontecimento, que emocionou a população
brusquense, desde a véspera, avisada sobre a passagem do “Zeppelin”.
Confirmando o horário das cinco horas da manhã, O Progresso assim registrou o histórico sobrevôo: “Sereno, como que
deslizando suavemente, aparece logo depois, a todos os olhares, o gigantesco
dirigível, que honra o gênio inventivo do povo alemão. Lenços se agitam, palmas
reboam, frases de entusiasmo se ouvem sobre a cidade”.
Com seus 248
metros de comprimento, 41 de largura e capacidade para 97 pessoas, entre
tripulantes e passageiros, o Hindenburg era considerado um colosso da indústria
aeronáutica alemã. Por isso, era utilizado como um instrumento da propaganda
nazista para demonstrar o avanço tecnológico do III Reich e a superioridade da
raça ariana. Assim, não foi por mera coincidência que O Progresso tenha anotado que, quando o imenso dirigível sobrevoou
o centro da cidade, ostentando a cruz suástica em sua parte traseira, centenas
de braços se ergueram “numa saudação expressiva”.
O editorial
não é explícito, mas é fácil deduzir que a “saudação expressiva”, significava
braços direitos levantados numa inclinação de 45°, mãos abertas e possíveis
gritos fanáticos de “Heil Hitler”.
Apesar de toda
a propaganda nazista, o dirigível Hindenburg foi tomado pelo fogo, no ano
seguinte. Naquele momento, talvez poucos tenham percebido. Mas, o fantástico
incêndio do Hindenburg, em Nova Iorque, com passageiros e tripulantes
lançando-se ao solo como se fossem tochas humanas, já deveria ser visto como o
prenúncio da maior tragédia sofrida pela Humanidade. Ao final da II Guerra
Mundial, a Alemanha nazista terminava seus dias completamente arrasada e com
suas principais cidades em chamas.
Zeppelin em Tijucas- Lendas e Mitos
Dois anos
antes do Hindenburg, o Graf Zeppelin sobrevoou algumas cidades do litoral e do
Vale do Itajaí, inclusive Brusque. Em sua passagem, em primeiro de julho de
1934, deixou milhares de pessoas emocionadas e um rastro de lendas e anedotas.
Pois, o Zeppelin também fez um emocionante vôo sobre minha terra natal. Àquela
época, por sua importância econômica e política, Tijucas não poderia ficar fora
da rota do fantástico dirigível, prodígio da engenharia alemã.
Quando guri,
ouvi algumas anedotas sobre a passagem do enorme dirigível nos céus tijucanos.
Diziam que o prefeito, logo que soube do possível vôo sobre a cidade, teria
mandado um telegrama ao comandante Ernst Lehmann, com um pedido: que não
passasse nas primeiras horas da manhã, muito menos de madrugada. Da forma mais
diplomática possível, explicava ao piloto alemão que os tijucanos não estavam
acostumados a levantar cedo. Aconselhava o alcaide, que as primeiras horas da
manhã fossem aproveitadas para o voo sobre Brusque, Blumenau ou Joinville. Os
alemães é que gostavam de acordar cedo para trabalhar que nem escravos.
O telegrama
continha, ainda, um P. S., pedindo encarecidamente ao comandante que, depois do
meio dia, evitasse o horário das quatro. Era a hora sagrada do café da tarde,
durante a qual, dificilmente, os tijucanos deixariam a costumeira refeição
vespertina, sempre reforçada com banana frita e bolinhos de frigideira.
Até hoje,
ninguém sabe se o lendário telegrama chegou ao seu destinatário. Mas, o fato é
que, quando o Lindenburg cruzou os céus tijucanos, o sol já ia alto naquela
manhã invernal. O sobrevôo teria começado pelo bairro da Joaia, onde residiam
os caçadores mais inveterados, de uma cidade onde a caça era praticada pela
grande maioria da população - masculina é claro! - porque as mulheres eram
educadas para cumprirem a missão de serem eternas prendas domésticas.
Blumenau - 1936
Um verdadeiro
exército se formou em poucos minutos. Armados de espingardas, fundas e
bodoques, os improvisados soldados da Joaia tentaram derrubar o grande pássaro
que voava - na verdade parecia deslizar - sobre a planície tijucana. Mas, por
cautela, o experiente comandante pilotava a majestosa nave fora do alcance da
artilharia joiaense. Em seguida, o que se viu foi uma chuva de pelotas e
chumbos dos cartuchos detonados, retornando à terra e caindo sobre a cabeça
daquela aguerrida e curiosa comunidade.
Também
contavam que, quando o Lindenburg passou sobre o bairro da praça, a comunidade
de pescadores ali residente lançou suas redes - numa cena de explícito realismo
fantástico – a fim de pescar a gigantesca baleia dos ares. Outros teriam
pensado em chamar os melhores cavaleiros da farra do boi para laçar a enorme
fera sem aspas. Num ou noutro caso, seria um feito que botaria Tijucas no
noticiário mundial daquela época. Mas tudo em vão. O Zeppelin continuou
deslizando e sumiu do olhar dos extasiados tijucanos.
No domingo
seguinte, o Padre Jacó Slater - holandês com título de doutor - aproveitou a
missa das 9,30h para repreender seus fieis paroquianos pelo “papelão”, diante
da extraordinária máquina voadora, glória da indústria aeronáutica germânica.
Das alturas do púlpito da igreja matriz, num sermão futurístico e já se
antecipando à causa ambiental dos nossos tempos, bradou o padre Jacó: “vocês
não se conduziram como bons cristãos. Pois, fiquem sabendo que o tempo virá em
que a caça às aves e às baleias será considerada uma prática criminosa contra a
natureza e os seus autores lançados na profundeza das prisões”.
Para saber
mais acesse:
João José Leal
– jjoseleal@gmail.com
Arquivo
Adalberto Day
Valeu, pela beleza e fonte histórica.
ResponderExcluirJoão José Leal
Eu me lembro,tinha uns quatro anos,de ver o Zepilin passar,meu pai nos chamou,eu e meus tres irmãos mais velhos para vermos o que seria um espetaculo inesquecivel.
ResponderExcluirOlá Adalberto
ResponderExcluirNão cheguei a ver estes dirigiveis nos céus catarinenses.
Mas deve ter sido algo incomum para a época.
Muito boa a história em torno do assunto.
Abraço
Quando eu ainda era menino, meus pais falavam do Zeppelin como algo fantastico, jamais visto. Tipo invasão dos Ets, risos. A passagem do Zepp por aqui, me marcou tanto, que às vezes eu tenho a impressão de que o vi sobrevoando a praça.
ResponderExcluirAbração
Querido amigo Beto,agradeço seu belo trabalho em primeiro plano,homenageando um grande Santista.E tambem agradeço ao Supremo Arquiteto,seu restabelecimento.Que Deus em sua infinita bondade continue a abençoa-lo. Como diz o Bacca: BAITABRAÇO
ResponderExcluirParabéns pelo seu trabalho e pelos ¨causos¨ contados, como o das recomendações sobre os horários apropriados para o Zeppelin passar por Tijucas.
ResponderExcluirSou de Brusque, mantenho um blog também (dubiella.com.br, de forma que é gratificante ver na internet a nossa História ser difundida e relembrada.
Todo o blog está muito bem feito.
Sds
Vilmar