domingo, 4 de abril de 2010

- As Velhas Páscoas

Outra belíssima crônica da escritora. Historiadora e colunista, Urda Alice Klueger, falando sobre " As Velhas Páscoas ”.
Fico entristecida quando vejo o que a sociedade de consumo fez com a Páscoa: para a maioria das pessoas, hoje, Páscoa significa ir aos supermercados disputar ovos de chocolate anunciados como os mais baratos do Brasil, muitas vezes levando junto as crianças para que elas próprias escolham sua marca preferida. A magia e o encanto da Páscoa se dissiparam paulatinamente com o avanço do progresso, e eu tenho uma saudade imensa daquelas maravilhosas Páscoas da minha infância, tanta saudade que vou contar como eram.
Na verdade, a Páscoa começava muitos meses antes, quanto, em cada casa, as mães quebravam cuidadosamente só a pontinha de cada ovo usado, para guardar as casquinhas vazias. Elas eram lavadas, secas e armazenadas, e só de olhá-las já se criava uma expectativa a respeito da Páscoa.
Ainda antes da Semana Santa já se começava a preparar a Páscoa. Cada casquinha era decorada, e as formas eram muitas. Podia-se pintá-las com tinta a óleo ou outras tintas apropriadas que existiam, que lhes davam lindas cores vivas, ou podia-se decorá-las com tiras e tiras de papel de seda ou crepom picotados, que as deixavam com uma cara de gostosas! Essas eram as formas mais fáceis de decorar casquinhas – havia outras, é claro, mais sofisticadas, e resquícios delas ainda aparecem nas lojas especializadas nesta época do ano. Paralelamente à confecção das casquinhas, se faziam as cestas, usando papelão e muito papel colorido picotado e encrespado, serviço para noites e noites à volta do rádio. Algumas crianças tinham a felicidade de possuir cestinhas de vime, que eram reaproveitadas a cada ano.
Era necessário, também, preparar o amendoim, que a gente comprava com casca, descascava, torrava, tirava as pelezinhas, para depois a mãe da gente confeitá-lo com calda de açúcar, ato que por si só já gerava uma grande magia, com a criançada toda em torno do fogão prendendo a respiração para ver se a calda “dava ponto”. Depois era hora de encher as casquinhas, e fechá-las com estrelinhas de papel coladas com cola de trigo. De noite, misteriosamente, tudo sumia: o Coelho levava as guloseimas e as cestinhas embora para sua toca.
Faziam-se, também, os ovos cozidos pascoais. Colava-se folhinhas de avenca, de rosa, etc (com clara de ovo) em ovos frescos, os quais eram amarrados dentro de trouxinhas de pano e depois cozidos em águas com plantas que lhes davam cor. Marcela, casca seca de cebola e capim melado produziam ovos de três tons de amarelo; a batata de cebolinha vermelha produzia ovos vermelhos. Depois do cozimento, tirava-se a trouxinha e as folhas, e se obtinha belos ovos decorados para serem comidos no café da manhã de Páscoa.

Ah! A manhã de Páscoa! Na véspera, as crianças tinham feito seus ninhos, com palha ou capim, ninhos enfeitados com pétalas de flores e papel colorido picado, escondido no jardim. O despertar na manhã de Páscoa era uma loucura: corria-se para fora de casa ainda de camisola, a procurar o que o Coelho deixara. No ninho sempre havia alguma coisa, mas havia coisas também, escondidas em todos os cantos possíveis.

Acontecia de a cesta da gente estar escondida dentro do galinheiro (todos tinham galinheiros nessa época), e aí havia outra surpresa: as galinhas brancas estavam azuis, ou verdes, resultado de paciente trabalho dos pais, durante a noite, que lhes pintara as penas com anilina. Nós não tínhamos vacas, mas nas casas onde as havia, as partes brancas do pêlo delas também eram coloridas com anilina, e tudo aquilo criava um encanto muito grande nas nossas mentes infantis. Era um ser maravilhoso, esse Coelho!
Nas manhãs já frias de Abril, voltávamos para casa com as cestas cheias de casquinhas e alguns espetaculares chocolates (chocolate, na época em que eu cresci, só era comido no Natal e na Páscoa), que eram contados e divididos igualmente entre todas as crianças. Ia-se à Igreja, a seguir, à missa das nove, e o ar fino e já frio de Abril estava totalmente impregnado de uma profunda magia, e a gente não via a hora de voltar para casa para começar a comer as guloseimas! Primos vinham brincar, nestas tardes de um tempo em que a Páscoa era tão maravilhosa, e a gente criava cenários fantásticos nos gramados verdes, onde os coelhinhos de chocolates e os ovos eram personagens.
Ah! Que pena que o espaço está acabando! Quanto, quanto ainda queira falar sobre as antigas Páscoas! Mas acho que já deu para dar uma idéia de que elas eram muito diferentes da Páscoa que a sociedade de consumo criou: qual é a graça de levar as crianças aos supermercados para escolher seu tipo de ovo preferido? Onde ficou a magia da espera e do Coelho?
____________________
O significado da Páscoa :
A Páscoa é uma festa cristã que celebra a ressurreição de Jesus Cristo. Depois de morrer na cruz, seu corpo foi colocado em um sepulcro, onde ali permaneceu, até sua ressurreição, quando seu espírito e seu corpo foram reunificados.
Páscoa em Blumenau (foto Jaime Batista da Silva)
Pessach, ou Passover, é uma das mais importantes festas do calendário judaico, que é celebrada por 8 dias e comemora o êxodo dos israelitas do Egito durante o reinado do faraó Ramsés II, da escravidão para a liberdade. Um ritual de passagem, assim como a "passagem" de Cristo, da morte para a vida.
A origem do símbolo do coelho vem do fato de que os coelhos são notáveis por sua capacidade de reprodução. Como a Páscoa é ressurreição, é renascimento, nada melhor do que coelhos, para simbolizar a fertilidade e o renascimento da vida. Uma lenda conta que uma mulher pobre coloriu alguns ovos e os escondeu em um ninho para dá-los a seus filhos como presente de Páscoa. Quando as crianças descobriram o ninho, um grande coelho passou correndo. Espalhou-se então a história de que o coelho é que trouxe os ovos.
A tradição do coelho da Páscoa foi trazida à América por imigrantes alemães em meados de 1700. Chegou ao Brasil pelos imigrantes ALEMÃES, entre 1913 e 1920.
"Theobroma" é o nome dado pelos gregos ao "alimento dos deuses", o chocolate. "Theobroma cacao" é o nome científico dessa gostosura chamada chocolate. Quem o batizou assim foi o botânico sueco Linneu, em 1753. Mas foi com os Maias e os Astecas que essa história toda começou. O chocolate era considerado sagrado por essas duas civilizações, tal qual o ouro.
O dia da Páscoa é o primeiro domingo depois da Lua Cheia que ocorre no dia ou depois de 21 março (a data do equinócio). Entretanto, a data da Lua Cheia não é a real, mas a definida nas Tabelas Eclesiásticas. (A igreja, para obter consistência na data da Páscoa decidiu, no Conselho de Nicea em 325 d.C, definir a Páscoa relacionada a uma Lua imaginária - conhecida como a "lua eclesiástica").
O ovo simboliza o nascimento, a vida que retorna. Os ovos guardam em si a imagem de uma nova vida, por isso foram adotados como símbolo de renovação.
Os cristãos primitivos da Mesopotâmia foram os primeiros a usar ovos coloridos na Páscoa.
A celebração da Páscoa dura cerca de 50 dias. Tem início no Domingo da Ressurreição e se estende até o fim de Pentecostes, quando se relembra a descida do Espírito Santo sobre os Apóstolos, sob a forma de línguas de fogo.
Urda Alice Klueger/Escritora
Arquivo de Adalberto Day

8 comentários:

  1. Adalberto, bela história sobre a Páscoa. Desejo a vc e sua família uma Feliz e Santa Páscoa. abraço Jaime Batista da Silva.

    ResponderExcluir
  2. Urda, parabens pela crônica.Pena que somente a nossa geração se lembra e saboreou a pascoa desta maneira.

    ResponderExcluir
  3. Parabéns Urda,
    era exatamente como voce descreve, bela memória.
    Cada desfilando com cedstinha, chocolate era somente um, somento na Páscoa e no Natal, um belo almoço em família, etc, etc,
    Vc me fez voltar aos anos 50,que para nos foram marvilhosos.
    Um grande abraço.
    hiebert.valter@gmail.com

    ResponderExcluir
  4. Prezada Urda !!
    Muito lindo seu texto Pascoal.
    Sabemos que na Europa ainda pintam galinhas e vacas com anilina. Acabei de receber a foto de uma linda galinha azul/verde; ela é branca de nascimento. A foto veio de Strasbourg, França.
    O objetivo da minha mensagem é questionar a data de entrada da Pascoa no Brasil como 1913. Os alemães chegaram em 1850, porque so' em 1913 começaram os festejos Pascoalinos ?
    Grande abraço, feliz Pascoa !!
    vilmar.vidor@gmail.com

    ResponderExcluir
  5. Esta crônica, publicada na Revista Blumenau em Cadernos foi escolhida para ser lida no Centro Cultural da Vila, realmente é especial a narrativa da Urda, nossa querida amiga.
    Desejo uma Feliz Páscoa, quem sabe iremos fazer um ninho com grama e gravetos ou flores e buscaremos na manhã da páscoa os ovos que não serão de chocolate, mas, ovos cozidos e coloridos com cascas de cebola ou cebolinha, mas infelizmente a cebolinha que dava uma cor avermelhada não encontrei mais...Uma pena. Mas, pode ser que teremos a alegria de ver galinhas coloridas ....grande magia, tempo que já passou... com gosto de balinhas coloridas, ovos cozidos, ninhos, ou cestas de papel feitas com caixas de sapato, decoradas com papel de seda, onde a mamãe ficava horas e horas cortando, assoprando e colando tirinha por tirinha que sufoco, ela tinha que dar conta de cinco cestas, isso era no meu tempo na década de 1970 que saudades, eu assoprava o amendoim e era uma festa poder ajudar, hoje compra-se tudo nas lojas, nada será como antes...
    Feliz páscoa
    Mirela

    ResponderExcluir
  6. Prezada Urda,
    Belo texto e que retrata como se comemorava, de fato, à Páscoa.
    Aqui pelo Rio de Janeiro não tínhamos as "facilidades' que você nos apresenta, mas o sentimento era o mesmo.
    Parabéns e Boa Páscoa!
    Flavio Monteiro de Mattos

    ResponderExcluir
  7. Boa tarde Adalberto

    Interessante esta postagem da Urda.
    Era bem assim como é relatado.
    Lembro da minha infância.
    Estas tradições estão quase no esquecimento.
    Muito bom também a parte história da Páscoa.
    Abraço

    ResponderExcluir
  8. Lembro bem da páscoa da minha infância. Linda história da Urda. Feliz Páscoa pra você e toda família. Abraço.
    Miriam Mesquita

    ResponderExcluir

Como fazer:
- Após fazer seu comentário, clique no circulo; em frente a palavra NOME/URL.
- Digite o seu NOME ou APELIDO, no quadradinho que esta em branco
- No quadradinho URL não precisa colocar absolutamente nada.
- Clique no quadrinho "Não sou um Robô"
- Pronto, agora clique em publicar
- Observação: Deixe o seu E-MAIL de contato para retribuir seu comentário.
Grato.