quinta-feira, 17 de setembro de 2009

- Urda Alice Klueger e a casa com cheiro de flor

Outra belíssima crônica da escritora. Historiadora e colunista, Urda Alice Klueger, falando sobre " A Casa com cheiro de Flor.

Mudei muita coisa na minha vida – a Tragédia das Águas, no ano passado, me fez redimensionar muitas e muitas coisas. Então fui mudando, penso que para melhor – uma das coisas foi ter trocado meu apartamento naquele lugar onde eu tinha a impressão de que caíra uma bomba atômica, e ter vindo para esta casinha que fica longe de qualquer encosta ou ribeirão, num pequeno condomínio horizontal.
Casa com cheiro de flor

Eu não faço ideia, ainda, de tudo o que possa vir a ser, vir a sentir aqui neste lugar – só sei que agora é setembro, e nas noites, quando o trânsito lá da rua principal se acalma, minha casinha fica mergulhada num oceano com cheiro de flor. Fazia décadas que não sentia nada parecido, que não vivia nada tão perfeito: nas manhãs, saio pelas muitas redondezas a passear com meu cachorro, e em um mês aqui, já consegui mapear, creio, as tantas laranjeiras que crescem nos mais diversos quintais das mais variadas casas deste lugar que se desdobra sobre colinas atravessadas por ruas calmas, onde há placas que dizem: “Atenção! Respeite: Zona Residencial – velocidade máxima 40 km”, e onde custa a passar um carro.
Então sei das laranjeiras, e há algumas tão na beiradinha da rua que paro minha andança para ficar a aspirar seu perfume do qual eu quase não lembrava mais – só que há tantas, em tantos quintais, e tantas árvores em tantos jardins e terrenos baldios, e pedaços de mata virgem, como bem ali detrás da minha cozinha ou lá na ponta da colina que vejo lá adiante, e como é setembro, tudo está florescido de alguma forma e tudo que é flor tem algum aroma que chama à fecundação e atrai insetos e gente – eu, pelo menos, estou altamente sintonizada com esta floração toda, que vai dos mais tímidos capins à mais encorpada árvore.

Nos dias, com o sol quente e as tantas emanações de toxinas pelos automóveis que passam lá na rua principal, algo de tanto perfume se perde, apesar de os dias serem lindos, como hoje, que é feriado, e o vizinho quase da frente pinta de branco a cerquinha do seu terraço, naquele marasmo de feriado, onde um amigo conversa com ele com uma cerveja na mão, e a cortina de seda amarela da janela do meu quarto baila no vento, sobre as primeiras flores coloridas que fiz florescer no meu minúsculo jardim. É lindo estar aqui, e só falei de dois ou três detalhes – não posso deixar passar mais um: lá no horizonte, por detrás das colinas, há uma distância de morros azuis, bem da cor da nostalgia, como descobri que era aquela cor, ainda na minha infância. De noite, há a lua, que será cheia hoje ou amanhã, e que demora horas inteiras atravessando meu novo horizonte, novidade para quem veio do sul deste município, onde o caminho dos astros, no céu, é sempre tão limitado pelos morros! E se espero para dar a última voltinha com o meu cachorro lá pelas onze da noite, quando já se acabou o trânsito da rua principal e parece que tudo se acalmou, então mergulho no oceano de perfume onde minha casa fica submersa, e é de estontear a densidade que há em tal mergulho. Saio fruindo o máximo de cada inspiração, encantada e fascinada demais para tentar entender o que a natureza está fazendo, como que flutuando num sonho colorido, mas assim de dia fico pensando nas tantas razões da natureza: no silêncio da noite, ela cria aquela imensidão de perfumes onde mergulha minha casa, já montando como que um engodo para os insetos da manhã não esquecerem das suas tarefas de fecundação enquanto setembro está aí – e quem sai ganhando sou eu, que agora tenho uma casa com cheiro de flor – e flor de laranjeira, ainda por cima!
Blumenau, 02 de setembro de 2009.
Urda Alice Klueger/Escritora
Arquivo de Adalberto Day

3 comentários:

  1. Q lindo texto, esse de Urda A. Klueger, parabéns! Faz a gente viajar junto com ela nessas linhas encantadas.

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  2. Com certeza nessa casinha linda, que parece de boneca, Urda continua com sua bela inspiração para escrever. Parece que está mais a flor da pele, claro, combinando com a estação que se inicia.
    Parabéns.

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  3. Olá!

    Sou professora de Literatura e estava procurando algum material sobre Urda Krueger quando vi o nome DAY. Fiquei curiosa, pois sou Doris Day. Minha família também é de Blumenau, na verdade meu avô (Alberto Day) veio da região de Ibirama. Como o sobrenome não é comum, fiqueio curiosa para saber mais sobre a sua família.

    Um abraço,
    Doris Day

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