Hoje tenho a satisfação de apresentar mais um belo relato do amigo Wieland Lickfel, sobre o antigo e majestoso Hotel Holetz.
O Hotel Holetz, para os padrões da época em que foi inaugurado, em 1902, foi uma edificação majestosa, imponente, especialmente se considerada a juventude do então núcleo urbano do município de Blumenau e sua ainda precária infra-estrutura de acesso e transportes. Demolido em 1959 com o objetivo de ceder espaço ao então considerado dos mais modernos hotéis do Brasil, o Grande Hotel Blumenau, assim como aconteceu com muitos outros empreendimentos e monumentos arquitetônicos que por longos anos marcaram a paisagem urbana de Blumenau e deixaram de existir, praticamente não é referência às gerações mais jovens. Para o historiador e escritor Theobaldo Costa Jamundá (1914-2004), o seu desaparecimento criou uma lacuna impossível de ser preenchida. Para ele, o hotel constituía “a própria fotografia do caráter da cidade” (JAMUNDÁ, 1977) e o progresso, ao impor o seu desaparecimento, do ponto de vista da perda do testemunho cultural, exigiu desta o seu mais alto preço.
Suas origens remontam ao século XIX e possivelmente o registro iconográfico mais antigo ao qual temos acesso seja o abaixo, uma aquarela (1) sobre a qual aparece o nome de Maurício Holetz (o imigrante Moritz Holetz aqui chegado em 1854) juntamente com a indicação do ano que a imagem deseja retratar: 1879.
Residência dos Holetz no início da Rua Richard Hoketz, bairro Bom Retiro.
Nas décadas de 1880 e 1890 Moritz Holetz já oferecia hospedagem aos viajantes em sua propriedade (SILVA, 1960), com frente para a atual Alameda Rio Branco e a Rua 15 de Novembro, e tendo aos fundos o Ribeirão Garcia. O negócio hoteleiro parecia ser a vocação da família Holetz e, anos mais tarde, em 1902 (KORMANN, 1996?), esta inaugurou o empreendimento hoteleiro que foi marco arquitetônico em nossa cidade por quase sessenta anos. Não sem razão foi constantemente citado nas memórias e relatos de viagem de imigrantes recém-chegados e viajantes que nele se hospedaram ou apenas o vislumbraram. A fotografia (2) abaixo, da década de 1950, permite observar como o hotel se destacava na paisagem do centro da cidade. Estrategicamente bem localizado, nas proximidades do porto ao qual chegavam os vapores, e na entrada da cidade para que utilizasse o acesso terrestre entre Itajaí e Blumenau, era facilmente visto pelos visitantes.
Estas linhas desejam motivar o leitor a conhecer melhor a rica história de Blumenau, mas são sobretudo importantes para que se compreenda o contexto do que aqui se pretende tratar: lançar luz sobre um aspecto mercadológico deste empreendimento, colocado em prática há sete décadas e assaz importante para a sobrevivência do negócio, e que continua atualíssimo nestes tempos de economia globalizada: sua estratégia de divulgação.
“A propaganda é a alma do negócio”, assim o dito popular. Consta que o primeiro anúncio publicitário publicado no Brasil data de 1808 quando, com a chegada da Família Real portuguesa ao Brasil, foi criado o jornal Gazeta do Rio de Janeiro. Já os primeiros reclames ilustrados teriam aparecido em nossos jornais a partir de 1875.
Não desejamos nos ater às diferenças conceituais entre publicidade e propaganda. Limitar-nos-emos a observar como este empreendimento lançou mão desta poderosa ferramenta de marketing e vendas, que é a divulgação do negócio, mais de meio século antes do surgimento das teorias mercadológicas que norteiam as ações das empresas em nossos dias.
O Hotel Holetz não dispunha de um modelo referencial refinado como os atualmente em vigor para se posicionar no mercado no período em que nele atuou. Mesmo assim, veremos que sua preocupação, ao divulgar seu negócio, não era outra que sobreviver num mercado competitivo, a exemplo do que fazem as empresas atualmente. Vejamos como isso se deu em certo período da década de 1930, num momento em que o empreendimento já não pertencia à família Holetz. Para tanto, propomos a observação de dois anúncios (3, 4) do Hotel Holetz em publicações daquela época.
Ambos têm teor praticamente idêntico: são ilustrados com a imponente edificação que abrigava o hotel, identificam claramente o empreendimento e seu proprietário (o hotel então pertencia a um Besitzer de nome R. Siebert, muito provavelmente Reinoldo Siebert, conforme atestam outras fontes), informam o número do telefone (a diferença no Telephon No. do hotel pode ter sido um erro gráfico), a caixa postal (Postfach), o endereço telegráfico (Telegramm), a cidade e o estado onde o hotel se localiza, diferenciam-no de seus concorrentes e dão conta de suas características com informações detalhados sobre os serviços prestados e as facilidades oferecidas.
O endereço postal comumente utilizado, com rua e número, tão importante para orientar hóspedes potenciais, curiosamente não aparece nos anúncios. Haja vista aparecerem caixa postal e o endereço telegráfico, nada deveria impedir o hotel de receber sua correspondência. Mas como o viajante recém-chegado à cidade encontraria o hotel? Talvez esta informação fosse considerada desnecessária. Além de o hotel ser conhecido pela cadeia de transportes ora existente, o viajante, ao se deslocar pelo centro da cidade, dificilmente não reconheceria, in loco, a imponente construção que ilustrava os anúncios. Ainda que isso falhasse, certamente não teria dificuldade para encontrar alguém na cidade que lhe prestasse a informação necessária de forma correta. A expressão Bekanntestes Hotel am Platze, que pode ser traduzida como “hotel mais conhecido da cidade” (ou “do centro da cidade”) é a segunda mais fortemente grafada nos anúncios. Utilizada para diferenciar o hotel de seus concorrentes, parece suprir a suposta falta do endereço postal com rua e número. Afinal de contas, quem é tão conhecido pode ser facilmente encontrado. Reforça a indicação quanto à localização do hotel a expressão que aparece ao final do anúncio, im Zentrum der Stadt gelegen, “localizado no centro da cidade”.
Merece destaque o fato de Reinoldo Siebert não ter, a exemplo do que muitas vezes ocorre nos casos de mudança de proprietário, mudado o nome do empreendimento. Ao contrário, preferiu mantê-lo, provavelmente por já à época da compra ter-se tratado de empreendimento com marca consolidada no mercado, referência de hotelaria em Blumenau. No entanto, Siebert parecia saber que “a propaganda é a alma do negócio”, que uma marca supostamente consolidada não deixa as empresas imunes às regras de mercado. Estes anúncios, testemunhos de sua estratégia de vendas, utilizados com o intuito de fazer frente a uma já existente concorrência, publicados ano após ano em diversos veículos de comunicação, parecem demonstrar isso.
A fim de atingir seu objetivo maior, de influenciar a decisão dos hóspedes potenciais, fazendo com que viessem a se tornar clientes, os anúncios fornecem diversas informações a respeito das facilidades e dos serviços prestados pelo hotel. A expressão saubere und luftige Zimmer (quartos limpos e arejados) demonstra a preocupação do hotel em fazer com que seus clientes potenciais saibam que se trata de um estabelecimento preocupado com asseio e higiene. Se em nossos dias estes pressupostos para qualquer estabelecimento hoteleiro que almeja sucesso nem sempre correspondem à realidade, podemos compreender a importância deste argumento no contexto das condições de higiene e infra-estrutura das cidades há quase 80 anos atrás. Já erstklassige Kueche (cozinha de 1a. classe) procurava demonstrar as vantagens de ser hóspede do hotel a partir da perspectiva gastronômica. Relatos do passado dão conta de que a comida do hotel era realmente muito boa. Um contraste aos dias atuais, quando são cada vez mais raros os hotéis que gozam desse tipo de reputação, apesar dos massivos investimentos nesta área. Como ocorre em nossos dias, já naquela época homens de negócio eram vistos como um público-alvo importante. É isso que nos mostra a expressão Musterzimmer stehen den Herren Reisenden zur Verfuegung, equivalente a “salas para a exposição de mostruários encontram-se à disposição dos senhores viajantes”. O vendedor viajante podia contar com uma espécie de showroom para receber clientes, demonstrar produtos e concretizar negócios. Sem dúvida, uma grande facilidade para os vendedores viajantes da época. Àqueles que viajavam de carro era transmitida a tranqüilizadora mensagem de que o hotel oferece genuegende Auto Garagen, ou seja, “suficientes garagens para veículos”. Para completar o anúncio, uma indicação quanto à localização do hotel no centro da cidade, im Zentrum der Stadt gelegen, à qual já nos referimos anteriormente.
Esforços para vender e conquistar clientes não são fruto de um mundo que se globalizou de forma marcante nas últimas décadas com a queda do protecionismo comercial e a abertura econômica. São resultado de uma necessidade que remonta às origens da atividade comercial entre os povos, e que recebeu impulso definitivo a partir do século XVI com o surgimento do liberalismo econômico e a consolidação dos pilares do capitalismo nos séculos seguintes. Muitos dos imigrantes europeus que aqui chegaram a partir da metade do século XIX estavam, portanto, familiarizados com estes conceitos.
A considerar os relatos dos viajantes que fizeram uso do Hotel Holetz, e seu importante papel na vida social da cidade, podemos assumir que as estratégias utilizadas pelo seu proprietário foram, ao menos durante algum tempo, bem sucedidas. No entanto, isso não impediu que o empreendimento entrasse num período de decadência que culminou com seu lamentável desaparecimento em 1959 (SILVA, 1988). As razões para isso, apenas especulativas, além de muitas outras, podem ter sido: escassez de recursos para investimentos em modernização e assim fazer frente a uma nova concorrência, como a do Hotel Rex, inaugurado em 1950 para os festejos do Centenário de Blumenau com base num conceito mais modernos de hotelaria; impossibilidade de adaptação do negócio aos desejos e necessidades de uma classe viajante que se tornava mais exigente; pressão pela iniciativa de romper paradigmas arquitetônicos do passado a fim de dotar o centro da cidade de monumentos arquitetônicos considerados mais adequados à visão progressista dos tempos da passagem da década de 1950 para a de 1960; falta de interesse na continuidade da atividade por parte do proprietário. Fato é que em seu lugar surgiria um novo empreendimento hoteleiro, de características totalmente distintas, e que à época parecia suprir aquilo que o antigo Hotel Holetz já não era capaz de oferecer: o Grande Hotel Blumenau (5).
Autor
Wieland Lickfeld, Bacharel em Administração de Empresas (FURB) e Mestre em Turismo e Hotelaria (UNIVALI).
Colaboração
José Geraldo Reis Pfau e Adalberto Day.
Para ler outros artigos do autor, acesse : - Wieland Lickfeld
Fotografias
(1) Acervo do Arquivo Histórico José Ferreira da Silva.
(2) Acervo particular do autor.
(3) Blumenauer Volkskalendar 1933.
(4) Blumenauer Volkskalendar 1936.
(5) Acervo do Arquivo Histórico José Ferreira da Silva.
Fontes
JAMUNDÁ, T. C. Theagá. Florianópolis, ACL, 1977.
KORMANN, E. Blumenau: arte, cultura e as histórias da sua gente (1859-1985). 2 ed. Blumenau: Edith Kormann, 1996?
NIETSCHE & KÖMKE. Blumenauer Volkskalendar 1933. Blumenau: Empreza Graphica, 1933.
____________. Blumenauer Volkskalendar 1936. Blumenau: Empreza Graphica, 1936.
SILVA, J. F. Cervejarias de Blumenau. Blumenau em Cadernos, Blumenau, tomo 3, n. 9, p. 161-3, set. 1960.
____________.História de Blumenau. 2 ed. Blumenau: Fundação “Casa Dr. Blumenau”, 1988.
Prezado Adalberto,
ResponderExcluirFaça chegar,por gentileza, ao Wieland Lickfeld, minhas congratulações pelo excelente e minucioso artigo sobre o imponente Hotel Holetz.
A acrescentar apenas que, em sua varanda, voltada para o Ribeirão Garcia, um Stammtisch tinha a sua mesa cativa. Este grupo acabou por continuar suas reuniões na Confeitaria Socher, durante a construção do Grande Hotel, para onde voltaram após a inauguração do Restaurante Aquarium. Dele fazia parte Boris von Roguschin, um expert em cozinha que fez sucesso em seus restaurantes na cidade. Segundo Altair Pimpão(TV Galega), que também participou do grupo nos tempos da Socher, neste restaurante Aquarium havia um quadro (de autoria provável de Zumblick) que retratava uma reunião de um Stammtisch de frades franciscanos. A curiosidade é que Zumblick pintou a fisionomia de pessoas da cidade (como o próprio Roguschin, Frei Roberto, entre outros)como se fossem os próprios frades.
Queres outra curiosidade? Foi deste grupo, do qual participavam Nicolau dos Santos, Flávio Rosa, José Gonçalves, Agostinho Schramm, Heinz Hartmann, entre outros, que nasceu a idéia de um Clube de Campo, o nosso Bela Vista Country Club.
Que Deus os abençoe,
Grande Abraço,
Caminha
Caro Amigo,
ResponderExcluirConosco tudo bem, de vez em quando, acompanhando o seu blog, que é muito interessante. Fico sempre feliz, em receber notícias, se bem que eu nao sou muito de escrever, mas uma ou outra vez, dando recados. Estivemos a 2 meses atras na Africa, ou seja em Namibia. Foram duas semanas muito especiais, pois minha esposa comemorou 50 anos de idade e tínhamos 25 anos de casados. Aproveitamos bastante da bela natureza e animais selvagens que la prevalecem no Parque Nacional de Etocha. Simplesmente inesquecível! E contigo e Família? Tudo legal?
Desejo a todos, uma otima semana. Nosso verao hoje, esta com 33 graus e muito abafado!
Abracos a Você e Esposa
Paulo Schneider e Família
Tchau
Paulo Sergio Scheneider - Alemanha
Amigo Adalberto,
ResponderExcluirSaiba que visito sempre teu blog até porque gosto muito de história, principalmente de nossa cidade e ela passa por você e pela sua página.
Nela podemos acompanhar os fatos que marcaram nossa Blumenau.
Parabéns pelo trabalho, que eu nas conversas, nas rodas de amigos, faço questão de citar você e a importância do que escreve e hoje vou ler tenha certeza mais uma vez com toda atenção todas suas publicações.
Abraços, na certeza que você sabe do respeito que tenho por você e pelo seu trabalho.
Hamilton Antonio
Amigo Beto.
ResponderExcluirLi de cabo a rabo seu blog, muito bem explanado e detalhado, não só sobre o que se passa por aí na sua região, mas, também sobre o que já se passou ha anos em nossa comunidade. Gostei da história do antigo Hotel Holetz e o Wieland mencionou o nome de meu sogro Reinoldo Siebert que esteve à testa desse Hotel por muitos anos. Foi ali que me hospedei quando estava ha pouco tempo em Blumenau, vindo de Florianópolis, e nem fazia a mínima idéia de que mais tarde iria conhecer a filha do Sr. Reinoldo e que seria minha esposa. Falam na demolição do Hotel .Holetz e que essa operação teria cedido lugar ao progresso da época. Eu já acho que o Sr. prefeito dessa época era um tanto ignorante e que não tinha a mínima noção do que representava um "tombamento" em homenagem à história da cidade. Muitos anos depois, bateu uma verdadeira febre de tombamento nos futuros executivos municipais nossos até os atuais. Tombaram até verdadeiros pardieiros que nada tinham de histórico. Segundo apurei, o prefeito que estava respondendo pela administração da cidade na época da demolição, foi o Sr. Frederico Guilherme Busch Jr., que conheci pessoalmente. Usava uma sofisticada piteira de marfim para desfilar na rua 15. Foi também o primeiro proprietário de um carro, também para desfilar na Rua 15 de Novembro. Por ironia, era muito amigo de meu sogro e foi justamente o algoz do Hotel que aquele administrava quando vivo. (meu sogro faleceu cedo, c/52 anos). É amigo Beto, todas essas coisas passam pela memória da gente e, quando chamam a atenção, ficam gravadas.
Eutraclínio A. Santos
Caro Adalberto:
ResponderExcluirExcelente esse artigo e toca em temas centrais e comuns a várias localidades.
Além de ter uma linguagem clara e direta, o autor mostrou que entende do tema e ressaltou um conflito muito atual entre a "preservação da memória, da cultura, do patrimônio e o egocentrismo objetivista do mercado imobiliário. Um grande jogo de interesses.
Querido amigo,
ResponderExcluirHoje li com calma o artigo sobre o Hotel Holetz.
Nele se fala que no ano de 1930 este Hotel não mais pertencia a Família, não sei, mas fico na dúvida.
A sobrinha de Richard Holetz de nome Matilde era casada com um Siebert, e pelo que sei da história Alexandre Holetz que havia sumido do mapa e era o filho adotivo de Richard voltou na época da venda para pegar sua parte assim como meu avô paterna sobrinho de Richard o fez.
Meu pai nascido no ano de 1943 lembra de ir ao Hotel.
Sei que quem escreveu este texto muito deve ter pesquisado, mas acredito eu que este Reinald era casado com uma Holetz.
Bem agora ficam as dúvidas.
Desculpe mas achei de devia fazer aqui esta colocação.
Um forte abraço de sua admiradora e amiga
Morgana
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Cara Adalberto,
ResponderExcluirMeu avô trabalhou no hotel holetz quando adolescente, até seus 18 anos quando foi servir o exercito no rio de janeiro.
Sou pesquisador na área de música vc tem algo, ou pode me indicar alguém q tenham informações sobre a música em nossa região (sou de Itajaí).
Abraço
Nicolau Clarindo