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terça-feira, 3 de abril de 2012

- Auf Wiedersehen, Blumenau!


Em histórias de nosso cotidiano, apresentamos Flavio Monteiro de Mattos, contando um pouco de suas lembranças quando vinha do Rio de Janeiro visitar Blumenau, com sua família.
Carioca de nascimento e BLUMENAUENSE POR OPÇÃO".


Depois de tantas viagens à Blumenau tanto no carro do meu pai como de ônibus – e houve aquela da Miss Criciúma (ou será que não houve?) -, a cada nova retorno à cidade crescia a sensação que em algum momento nela moraria. Porém, dito dessa maneira se pode entender que tal fato aconteceria no momento que decidisse e na verdade, não era tão simples assim.
 Anthero Frota de Mattos é cumprimentado por Renato Murce no programa Papel Carbono onde foi recebido como convidado especial

Havia primeiramente o Rio de Janeiro, que era realmente lindo e cativante. Havia também, pelo aspecto familiar, o fato que eu era filho único e se isso já não bastasse, filho de um pai “artista” de múltiplos talentos e cuja fama não se media somente pelos sucessos semeados, mas também pela sua imensa capacidade de criar confusões.
Por conta de seus variados dotes, meu pai foi o que atualmente se classifica como um artista multifacetado. Desde cedo demonstrou muita facilidade com o desenho artístico e já adulto apurou seus traços na Escola de Belas Artes do Rio, onde se desenvolveu nas técnicas de aquarelas e no desenho em crayon, seu preferido.

Mas o encanto pela pintura perdeu força para a escrita, traço herdado de meu avô paterno, poeta e um dos fundadores da Academia Mato-Grossense de Letras e Associação de Imprensa Mato-Grossense.

O envolvimento pela escrita durou menos do que com a pintura e foi substituída pela música, certamente sua aptidão mais latente. Dono de uma voz naturalmente afinada, nosso “artista” aprendeu a tocar um violão que permitiu que se acompanhasse e tempos depois já se apresentava em programas de rádio de sucesso na época.
E não parou por ai. Foi convidado para fazer um programa semanal de serestas na extinta Rádio Mundial chamado “Viva Meu Samba” que tinha como apresentador o Oswaldo Sargentelli que na época era somente sobrinho de Lamartine Babo.

 (Anthero e Sargentelli): Anthero Frota de Mattos com Oswaldo Sargentelli durante a audição do programa Viva meu Samba, na Rádio Mundial / RJ

Nesta fase ficou conhecido como o “Seresteiro Gaúcho” (nasceu em Santiago do Boqueirão/RS) e o programa ficou no ar por quase um ano. A bela voz lhe rendeu também aparições em programas de televisão. Nessa época se tornou também compositor e teve músicas gravadas pela  Ângela Maria, Helena de Lima.

Bom de papo e melhor ainda, de copo as audições tinham o fecho lá em casa e terminava na última dose da última garrafa de whisky, ou seja, com o dia claro. O séquito era formado pelo pessoal que compunha o regional (nome que se dava aos grupos que acompanhavam os cantores), integrado quase sempre por violões, cavaquinho e pandeiro, os amigos, amigos dos amigos e por aí ia. Nas “noites de gala” vinham engrossar o coro figuras como o cantor  Jorge Veiga, a violonista Rosinha de Valença, o compositor Luis Carlos Paraná e algumas vezes um jovem promissor talento do violão chamado Baden Powell.

Se a música enlevava os espíritos, era do Ministério da Fazenda que a grana vinha mesmo e do trabalho de sua fã número um na época, minha mãe.

Blumenau também foi “palco” de apresentações do “artista” e quando para lá viajávamos em visita aos parentes da minha mãe eram freqüentes as serestas promovidas por amigos como o Nagel Mello (falecido em 30/03/12) ,  cronista do jornal A Nação e Revista do Sul. Por vezes a “agenda” era tão cheia na cidade que o “artista” somente reaparecia na data de nosso retorno ao Rio para tristeza de sua fã - já não tanto -, número 1.

Portanto, nada mais justificado que eu fosse alvo de uma marcação materna “de quadra toda” como se diz no basquete, tamanho era o receio que eu, como único rebento, enveredasse também pelo caminho das “artes”. Somente anos mais tarde quando ficou latente que minha veia artística / etílica era nula é que a minha pretensão de morar em Blumenau passou a ser considerada e tomou força a partir do carnaval de 1974 que passei em Camboriú, com os primos blumenauenses.

Lembro comentar essa vontade com o primo Zé Luis Ribeiro de Carvalho, uma figura muito querida e que nos deixou ano passado. Conversamos rapidamente sobre meus talentos e ele com seu jeito brincalhão respondeu que se soubesse de alguma coisa na minha área, avisaria. Não levei muito a sério o Zé, que era um tremendo gozador, mas torcia que algo acontecesse porque era sabido que conhecia todo mundo em Blumenau.
E não deu outra! Tempos depois ele ligou informando que em uma firma de engenharia e arquitetura de um conhecido seu estavam em busca de um desenhista projetista.
- Só tem um detalhe – disse o Zé – A grana é menor do que você ganha aí.
- Bem, nesse caso vou dar uma pensada e te retorno.

E tinha que pensar mesmo. Meu empregador carioca representava a Madezatti,  uma empresa do Rio Grande do Sul que fabricava casas pré-fabricadas para canteiros de grandes obras de engenharia e ainda por cima, pagava bem.
Por outro lado, o que o amigo do Zé Luís oferecia estava longe de ser uma proposta de virar a cabeça e sabia que teria uma dura missão de convencimento do “plenário” domestico.

Mas o momento era aquele e se perdesse a oportunidade talvez nunca mais houvesse outra. Determinado, contornei todas as objeções e contei ainda com a boa vontade da prima Maria Lúcia e dos primos blumenauenses em me receberem em sua casa.
Cheguei à Blumenau nos primeiros dias de março com o objetivo de ficar praça definitiva. Depois de instalado fui ao encontro do Zé Luís, que nessa época trabalhava no DER, na Sete, esquina com a Ângelo Dias e de lá seguirmos até a Engº Egon Stein, cuja sede era Floriano Peixoto nº 55.
Fomos recebidos pelo próprio Egon e depois das apresentações, o Zé Luis desejou boa sorte para ambos e retornou ao seu trabalho. Em seguida, o Egon me levou até a sala onde já nos esperava o chefe do setor de projetos, um alemão sisudo que vou chamar aqui de Hans e seus dois desenhistas, um grandalhão com tipo de alemão e que chamarei de Walter e o outro, Alfredo, este tipicamente brasileiro.
Apresentações feitas e após o Egon se retirar, o Hans iniciou uma espécie de interrogatório que teve o seu clímax quando revelei que trabalhava para uma empresa que construía casas de madeira e pré-fabricadas. O Hans franziu mais ainda o rosto e acho que somente não me mandou para a “frente russa” pelo fato de ter sido apresentado pelo dono da firma. Visivelmente contrariado, me apresentou uma série de plantas que detalhavam a estrutura das mais variadas formas de pilares, vigas e sapatas. Pela total ausência de comentários da minha parte não foi difícil concluir que eu não tinha qualquer intimidade com aquelas plantas.  
- Vamos tentar, não é mesmo? – disse e concordei – Só mais um detalhe... – acrescentou.
- Sim?
- Funcionamos de segunda à sexta, das 07:00 às 12:00 e das 13:30 às 17:00 e nos sábados, das 08:00 às 12:00.
- E quando começará a guerra? – perguntei em tom de brincadeira, mas como a máscara facial do Hans se manteve inalterada mudei rapidamente para um discreto “entendido” e a conversa se encerrou.
Nos dias que se seguiram os colegas Walter, o grandalhão e Alfredo, o magrinho se mostraram afáveis e solícitos. Hans, o chefe imediato, de quando em vez se postava ao lado da minha prancheta e se limitava a envolver com um círculo os pontos nas plantas que deveria corrigir e os colegas me socorriam quando desconhecia o assunto.

Passado algum tempo consegui produzir plantas sem qualquer erro, mas não tive qualquer satisfação em vê-las depois de prontas. Considerava aquilo um trabalho chato, maçante e sem qualquer criatividade, muito embora fundamental.
O ambiente com os colegas era ótimo e aos sábados, após o expediente nos reuníamos em um bar que ficava exatamente em frente ao prédio onde funcionava o escritório. Houve uma vez que o Hans, nosso chefe direto, nos acompanhou e entre os incontáveis chopes pediu uma rodada de um tal Stanheger, bebida que nunca ouvira falar até aquele momento e da qual nunca mais esquecerei. A “bomba” foi servida em copos pequenos e cheios até a borda. O Hans levantou um brinde com o tradicional “prost”, virando em seguida o conteúdo do copinho garganta abaixo e seguido por todos nós. Eu, que enrolava nos chopes, senti o tal do Stanheger descer pela minha garganta tal qual uma bola de fogo queimando tudo que encontrava pela frente até se acomodar no estômago (ou seja lá onde parou). Fiquei com a sensação de ter engolido um vulcão inteiro, com lavas e tudo.
- Bom, hein carioca? – indagou o Walter, batendo nas minhas costas.
A “fogueira” continuou ardendo e veio a famosa saideira, claro, acompanhada de uma segunda carga de Stanheger. Mais tarde, quando fui embora, se alguém quisesse descobrir para onde ia bastava seguir os rastros da bebida que deixei pelo caminho. Ainda hoje tenho a impressão que o seu gosto ainda permanece na minha boca.
Se no trabalho não me sentia feliz, o fato de estar parado, sem qualquer atividade física também incomodava. Novamente pedi ajuda ao Zé Luís, ex-jogador vôlei que me indicou um conhecido seu no Vasto Verde. Fui procurá-lo numa noite durante a semana e disse-lhe que jogava vôlei de praia e que minhas pretensões eram apenas de lazer.
Apresentou-me à turma e enquanto batia bola percebi que os “marmanjos” que ali estavam treinavam para valer, com zero de diversão. Começamos a jogar e nos dois primeiros sets o placar foi um monte de pontos para eles e quase nada, para nós.
E como sempre acontece quando aparece alguém de fora, os adversários começaram com piadinhas do tipo “essa é para você, carioca” e outras nessa linha. Fui levando na esportiva até que no fim do terceiro set, meio sem querer, sobrou uma bola junto da rede e enfiei a mão com vontade. Para meu azar, a bomba foi direto em cima do “Neymar” do time adversário acertando-o no peito e fazendo com que se estatelasse no chão da quadra. Imediatamente pedi desculpas, mas parece que nem o atingido nem os demais me ouviram. Até depois do fim do jogo e a caminho do vestiário, as bolas continuavam vindo na minha direção. A tentativa de diversão com o vôlei tinha ido para o brejo e com isso encerrei minha a temporada nas quadras em Blumenau.
Anthero e Nagel Mello): Anthero Frota de Mattos em confraternização com o cronista Nagel Mello.
 
Nesse meio tempo conheci uma moça no Foca´s que além de bonita era alegre e risonha Dias depois iniciamos um namoro e tudo ia bem até revelar que sua mãe conhecera a minha, há muitos anos atrás quando ainda solteira vinha à Blumenau visitar nossos parentes. Por conta disso fui convidado para jantar em sua casa e dali para frente tive a certeza que se levasse o namoro adiante acabaria por me casar, situação que ainda estava totalmente fora dos meus planos.

Para não criar falsas expectativas achei melhor terminar o namoro antes que as coisas se complicassem, porém já estavam complicadas. A moça em questão era amiga de uma das minhas primas, para meu azar apenas a mais braba que quando soube só não me bateu porque fui mais rápido do que ela.
Entrava pelo segundo mês no trabalho e como a insatisfação com as tarefas continuava alta e não havia perspectivas de mudança no tipo de trabalho, optei por deixar a empresa. Perto do fim do mês pedi uma reunião com o “patrão” e expus minha decisão. Ele ficou surpreso, mas acabou concordando com meus argumentos e solicitou que antes do meu desligamento que elaborasse um projeto arquitetônico para construção de uma residência em um terreno que possuía, o que achei ótimo. Despedimo-nos, agradeci a oportunidade e deixamos a porta aberta para necessidades futuras. Disse-me ainda que ficaria ausente por um período na sua ausência o Hans já estaria a par do que havíamos combinado.

Tendo em mãos todas as informações que necessitava para elaborar o meu “canto do cisne”. Risca para cá, rabisca para lá e com as sugestões dos colegas cheguei ao esboço que considerava o ideal. Antes de finalizar achei por bem levar à apreciação do Hans, o chefe imediato, que como era do seu feitio achou o projeto muito rebuscado e cheio de coisas “desnecessárrias”.
- Se tirar tudo o que considera rebuscado e “desnecessárrio” (mantive o sotaque) deixa de ser uma casa e vira um bunker – comentei e a gargalhada foi geral.
- O Carioca tem razão – ajudou o Walter e o Hans, percebendo que perderia a parada, desistiu de argumentar contra.
Passar todas as plantas para o nanquim consumiu uma semana inteira de trabalho, mas ao final senti muita satisfação com o resultado, pela primeira vez desde que chegara à Blumenau.
Foi uma pena ter que dispensar a oportunidade, porém não havia alternativa. Mantive os encontros de sábados após o expediente com os ex-colegas no bar da Marechal Floriano e com a indicação deles passei a fazer trabalhos como autônomo. Dos que fiz lembro o de um estacionamento na Rua Sete cujo detalhe, a pedido do cliente, era uma torre para anunciar serviços como lavagem, polimento, etc. Posteriormente, fiz a arte final da atualização da logomarca da SulFabril e mais adiante, cópias das plantas da nova Prefeitura, cuja construção se iniciara.
Com outono ficando para trás e com o frio cada vez mais presente, o programa mais concorrido eram os rolés de carro pela XV, nas tardes de sábado e domingo.

Numa dessas, trafegava tranquilamente pela XV, no começo da noite quando uma picape Rural começou a ziguezaguear na minha frente, na direção da rua São Paulo.
Temendo que seu motorista fizesse alguma besteira maior, tratei logo de ultrapassá-lo e acelerei, botando alguma distância entre nós. Despreocupado, parei no sinal que havia no fim da XV junto com os demais e nem havia parado quando senti a batida na traseira do meu carro. Como tinha o hábito de manter o freio pressionado e a batida não fora muito forte nem cheguei a bater nos carros que estavam à frente.
Saltei disposto a esganar o barbeiro que, para minha surpresa, era o motorista da bendita picape. Dei uma olhada no estrago do meu carro e para minha sorte ainda dava para rodar. Curiosamente, o camarada permaneceu dentro do carro e logo que me aproximei da janela senti um forte odor de álcool e entendi porque não descera. Seu estado era lastimável e a única coisa que conseguia fazer era balbuciar palavras em alemão. Temendo que ele se mandasse pedi-lhe um documento e assim que o apresentou, enfiei-o em meu bolso. Com muito custo o convenci a estacionar na pracinha que havia no fim da XV, para que tentássemos nos acertar. Consegui entender era que era dono de um bar em Ascurra e disse-lhe que o procuraria tão logo tivesse um orçamento do conserto.
Nos dias que se seguiram levei meu carro até uma revenda Volkswagen que ficava na Rua Itajaí, onde fizeram o orçamento e na sexta-feira, lembro bem, fui até o escritório da Egon para saber dos colegas como chegar a Ascurra. Quando disse o motivo na mesma hora o Walter se prontificou ir junto comigo e marcamos resolver a parada no sábado, após o expediente.

E assim foi feito. No caminho, o Walter traçou uma estratégia que pusemos em prática logo que chegamos.
Não foi difícil encontrar o tal bar e quando nos aproximamos, o Walter desceu e segui sozinho. No bar haviam pessoas bebendo no balcão e só falavam em alemão. Perguntei pelo camarada e a mulher que atendia pediu que esperasse e desapareceu atrás de uma cortina de tecido. Logo depois surgiu o sujeito, que era muuuito maior (tanto na altura como no diâmetro) do que o meu amigo Walter. Era, claro, também alemão e daqueles que davam a impressão de terem recebido um exemplar do livro Mein Kampf diretamente do autor e com direito à dedicatória. Na mesma hora lembrei da forma como lhe tomei seu documento quando aconteceu a batida e ali, diante do gigante, considerei que minha atitude fora um tanto impensada.
Mas não havia mais nada que pudesse fazer a não ser apresentar-lhe o orçamento do conserto do meu carro. Ele tomou o papel das minhas mãos e disse mais algumas palavras em alemão e a platéia novamente gargalhou. Entendi dizer que estava muito “carro” e alguma coisa como não ter o dinheiro.
Nessa hora meu amigo Walter entrou no recinto, se aproximou do balcão e sem falar comigo, pediu em alemão uma bebida.
A conversa com o sujeito subira de tom. Ele insistia em ter de volta seu documento e com o amigo Walter na área respondi que somente o entregaria quando recebesse o valor referente ao conserto. A coisa esquentou de vez e foi o momento que o Walter entrou na conversa. Para quem não entende o alemão, como eu, qualquer diálogo parecia que o pau ia comer dali a instantes, mas puro engano. Para minha surpresa o camarada se fez em sorrisos e o Walter me disse que ele concordava em pagar a metade do valor do orçamento.
- Acho que é melhor pegar, senão não sei como isso vai acabar – sussurrou o Walter no meu ouvido.
- Também acho – concordei com ele. Peguei a grana e pulamos fora. No caminho de volta, o Walter disse que o clima no bar estava tão pesado que até as moscas voaram para fora. Agradeci pela sua ajuda fundamental e disse que lhe devia mais uma.
- Nada disso! Vamos comer o melhor lombinho de Blumenau, você paga a conta e estamos quites.
- Ok, mas estou fora do Stanhager – avisei.
- Jawohl, mein freund! (Sim senhor, meu amigo!), deixa que eu bebo... - O lombinho, de fato, foi um dos melhores que provei até hoje.
O carro foi consertado com a ajuda do primo Flávio Luis que me levou a uma oficina de funilaria que funcionava no fim da Rua Expedicionário Sapucaia. O funileiro era um mágico e reconstruiu o pára-lama danificado na base do martelinho. Ficou perfeito.
Ainda tive duas “intercorrências automobilísticas” depois desse episódio. A primeira foi uma espetacular derrapada no paralelepípedo molhado na esquina da Padre Jacobs com a Kurt Hering e por muito pouco quase adentrei de carro no posto dos Correios.

A outra foi um curto circuito na caixa de fusíveis provocado pela trepidação de trafegar sobre o calçamento de paralelepípedos que cobria a maioria das ruas da cidade. Minha sorte é que quando aconteceu era noite e o estrago só não foi maior porque logo parei quando percebi o clarão da fiação incandescente abaixo do painel de instrumentos.

Cada dia que passava deixava a impressão que meus dias em Blumenau estavam contados e quando o frio do inverno chegou para valer, a impressão se tornou certeza. Mesmo assim, mantinha o encontro nas tardes de sábado com os ex-colegas e em um deles comentei com o Walter, o grandalhão, que pensava em voltar para o Rio.
- Deixe disso, Carioca – respondeu – O que você precisa é de animação.
- De que tipo? – indaguei.
- Deixa comigo – foi tudo o que respondeu.
 Matéria Revista do Sul nº 131 ANO XV: Anthero Frota de Mattos com Oswaldo Sargentelli durante a audição do programa Viva meu Samba, na Rádio Mundial / RJ
Numa certa tarde de domingo, estava em casa quando vi surgir o Walter a bordo de seu barulhento Jipe Candango. Disse que me aprontasse para sairmos com algumas amigas suas. Estranhei o convite, pois nunca o ouvira mencionar que tivesse amigas e logo desconfiei que estivesse aprontando outra das suas.
Tomamos o caminho da Rua São Paulo e seguimos até um posto de gasolina onde as “amigas” o esperavam e não deu outra. Ao embarcarem o Walter fazia as apresentações e revela o nome da casa de “saliências” onde cada uma trabalhava.
Todas a bordo rumamos para o Centro e após Ingressamos na XV, que naquela hora e dia fervilhava de carros por causa do famoso “role”. As piadas e brincadeiras terminaram e somente entendi o motivo quando uma delas identificou um de seus clientes passeando com a família e disparou “Coitadinho do fulano, a mulher dele é mesmo um canhão”. Mais adiante o trânsito parou e outra “moça” identificou mais um cliente e o comentário foi um “Olha ali o beltrano! Que miserável! Sempre disse que a namorada dele era feia... Mentiroso, comigo não tem mais vez!”.

Não era bem o tipo de “animação” que necessitava e fiz o Walter perceber que a “brincadeira” poderia terminar em confusão. Sugeri que fossemos para algum bar tomar uns chopes e todos concordaram.

- Me diga o motivo de trazer as moças para a avenida? – perguntei ao Walter, depois que sentamos.
- Ora, Carioca, queria que as “meninas” tivessem a oportunidade de ver seus clientes fora do ambiente de trabalho – e a gargalhada foi geral.
No início de agosto, numa madrugada fria, chuvosa com um princípio de enchente e sem “munição”, levantei acampamento de Blumenau. Com tristeza, é verdade, mas pelo menos tentei. Se não deu certo talvez aquele não fosse o momento certo, mas tive a oportunidade, por um tempo, de conviver na cidade que esteve presente nas minhas melhores lembranças e entre pessoas que sempre me foram muito caras.

Somente me restou dizer Auf Wiedersehen, Blumenau!

Flavio Monteiro de Mattos
Rio, 16 /03/2012

4 comentários:

  1. Adalberto
    Bom dia meu amigo, seu blog é um Patrimônio Histórico o seu blog merece um patrocínio, pela história, a cultura, registros, isso não pode se perder, tem que passar por gerações! Parabéns ao Sr. Flavio pelo texto maravilhoso
    Jesus Artur Barbosa ‏

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  2. Pai,
    Adorei seu texto! Como sempre, muito gostoso de ler... mas quanto a falta de veia artística, eu discordo completamente! Porque acho que quem não tem veia artística não tem capacidade para tirar musicas "de ouvido" como você faz!
    E agora entendi essa sua multifuncionalidade vem do meu avô!
    Bjsss e parabéns

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  3. Oi, Flávio,
    O seu texto está excelente! A leitura é deliciosa tanto pelas histórias, tão interessantes, quanto pela escrita. Quantas lembranças memoráveis! Através de sua narrativa, Blumenau ressurge em toda a sua importância, afinal, o inesquecível de um lugar está sempre diretamente relacionado ao que vivenciamos nele, assim como com quem vivenciamos esse tempo.
    Ainda, o texto tem cadência, leveza e ritmo, sem perder a densidade: tem vitalidade.
    Porém, quanto a sua veia artística, é certo que ela não ficou limitada a um (bom) gosto pela boêmia!
    Blumenau, não sabíamos, ainda, é um reduto da arte.
    Parabéns!
    Um grande abraço,
    Ignês.

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  4. Flávio,
    Preciso fazer uma errata sobre o meu comentário, pois coloquei "boêmia", quando queria dizer "boemia".
    Embora boêmia e boemia estejam intimamente relacionadas, de qualquer forma não cabe, pois as cervejas de Blumenau, à época, teriam outras marcas...
    Assim, só me resta corrigir o ato falho rsrssr
    Abraços,
    Ignês.

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