“A Educação é a base de tudo, e a Cultura a base da Educação”

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quinta-feira, 28 de abril de 2011

- José Henrique Flores Filho

Blumenau, Cidade que eu Amo.

Participação do Jornalista/escritor e colunista o renomado Carlos Braga Mueller. Em seu texto, Braga relata sobre o primeiro (considerado) prefeito de Blumenau - José Henrique Flores Filho -  morou no bairro Garcia. Morto prematuramente em acidente com sua Aranha, na Estrada Geral do Garcia - atual Rua Amazonas sem deixar descendentes.
Por Carlos Braga Mueller
Jornalista e escritor

QUEM FOI JOSÉ HENRIQUE FLORES FILHO
O primeiro administrador público do município de Blumenau, eleito pelo povo, foi o vereador José Henrique Flores Filho, integrante da primeira Câmara Municipal de Blumenau, a quem coube administrar o município no período de 1883 a 1887. Criado pela Lei 860, de 4 de fevereiro de 1880, o Município de Blumenau só pôde ser instalado três anos depois. Isto porque uma grande enchente, a de 1880, causou enormes prejuizos em toda a região, impossibilitando a imediata emancipação.
Hermann Blumenau, que era o encarregado de administrar a Colônia, teve que ficar mais 3 anos no cargo, como funcionário nomeado por Pedro II.
Em 1º de julho de 1882, em face da Lei 860, realizaram-se as eleições para escolher os vereadores.
Mas como apenas quatro vereadores foram eleitos na ocasião, realizou-se novo pleito no dia 30 do mesmo mês para a escolha de mais três, uma vez que as vagas era sete.  
- Engenheiro-arquiteto da obra Henrique Krohberger - Jornal de Santa Catarina
Ao final, os sete scolhidos pela comunidade blumenauense foram: Luiz Sachtleben, Otto Stutzer, Jacob Zimmermann, Francisco Sálvio de Medeiros, José Joaquim Gomes, Henrique Watson e José Henrique Flores Filho.
Este último foi eleito por seus pares presidente da Câmara.

Nessa época ainda não havia a figura do que hoje chamamos Prefeito e por isto coube a Flores Filho, como presidente da Câmara de Vereadores, administrar o Município.
Fez uma administração sensata, como conta o historiador José Ferreira da Silva:
"Durante seu mandato foi decretado o primeiro código de posturas do município (1883) e muitos melhoramentos foram introduzidos na vida social e econômica de Blumenau.
Flores Filho era natural da cidade de Itajaí, filho do tenente coronel José Henrique Flores e de sua esposa Maria Clara da Silveira Fontes.
Era casado com dona Maria Luisa, não tendo descendência.
Ao deixar a presidência da Câmara, em 1887, foi nomeado Coletor das Rendas Provinciais, cargo de que tomou posse a 15 de junho de 1888.
Morava na estrada para o Garcia, atual Rua Amazonas.
Faleceu no dia 18 de março de 1891, vítima de um desastre quando se dirigia, de aranha (charrete), da repartição para sua residência.
Deixou testamento.
Durante o seu governo foi criado o Distrito de Indaial (4 de setembro de 1886); foi instalada, no Município, a Comissão de Terras e Colonização; o Conde D'Eu, marido da Princesa Imperial Dona Isabel, visitou a Vila, sendo recebido com grandes festividades; foi inaugurada a linha telegráfica entre Itajaí e Blumenau; o fundador da Colônia, Hermann Blumenau, regressou definitivamente para a Europa (em 15 de agosto de 1884); foi criada a Comarca de Blumenau pela lei Provincial nº 109, de 20 de agosto de 1886.
Flores Filho foi reeleito vereador para a segunda Câmara, tendo sido substituído na presidência por Guilherme Scheeffer."

COMO FOI A ESCOLHA DO PRIMEIRO GOVERNO DE BLUMENAU
O eleitorado de Blumenau, ao qual coube a responsabilidade de escolher o primeiro governo do município, era em número de apenas 14 votantes na Vila e 35 no Distrito de Gaspar, ao todo 49 que teriam que eleger sete vereadores.
Por que tão poucos eleitores ?
A razão deste reduzido número é que para votar o cidadão devia falar português e eram poucos os adultos que sabiam o nosso idioma. Por isso, no Distrito de Gaspar, onde era grande o número de colonos brasileiros, o número de eleitores foi bem maior do que na Vila Blumenau.
E mesmo assim, com tão poucos eleitores houve necessidade de se realizar duas eleições, como vimos acima.
A eleição que aconteceu em 1º de julho de 1882 resultou na escolha de apenas 4 vereadores. Teve-se portanto que proceder a um novo pleito, que aconteceu poucos dias depois (30/07) e desta vez foram eleitos José Henrique Flores Filho, José Joaquim Gomes e Henrique Watson, ou seja, os três que faltavam.
O ato de posse deu-se no dia 10 de janeiro de 1883, em sessão solene da Câmara de Itajaí, pois o território de Blumenau havia sido desmembrado daquele município.
E assim Blumenau teve seu primeiro governo municipal, deixando de ser tutelado pelo fundador, Hermann Blumenau, que logo depois retornaria definitivamente para a Alemanha. Alguns registros citam que foi embora magoado, pela falta de reconhecimento ao seu importante trabalho de colonização.
Adendo Niels Deeke - Memorialista em Blumenau

José Henrique Flores Filho, foi o primeiro superintendente municipal de Blumenau 10/01/1883 a 07/01/1887. Nasceu em 26/12/1842 em Itajaí e faleceu em 18/3/1891 em Blumenau. Batizado em 26/12/1846. Filho de José Henrique Flores e sua mulher D. Maria Clara da Silveira . Foram padrinhos o sr. Tenente Manoel Thomás Coelho e D. Jacinta de Melo Peres, esta natural desta cidade ( Itajaí). Batismos de Itajaí, Livro 3, 1844-1847, p.40.
Texto Carlos Braga Mueller Jornalista e escritor/arquivo/Jornal de Santa Catarina/ Adalberto Day

segunda-feira, 25 de abril de 2011

- Almanaque do Futebol Catarinense

Agradeço aos autores Emerson Gasperin e Zé Dassilva, pelo envio desta maravilha de Almanaque do Futebol Catarinense. Um livro que todos os amantes do futebol deveriam adquirir e fazer parte de seu arquivo.

LANÇAMENTO
O lançamento foi no dia 05 de abril 2011
Desde o primeiro jogo realizado em Santa Catarina, em 14 de agosto de 1910, até hoje, quando o Estado aparece com dois times na série A do Campeonato Brasileiro, o já centenário futebol catarinense reuniu muitas histórias. As melhores delas estão no Almanaque do Futebol Catarinense, escrito pelos jornalistas Emerson Gasperin e Zé Dassilva, com o patrocínio do Fundesporte (Governo de Santa Catarina) e apoio do Diário Catarinense. O lançamento acontece(u) no dia 5 de abril, na Assembléia Legislativa, na capital, as 19h.
Na obra, os principais fatos de todas as edições do campeonato estadual e as decisões de cada ano são mostrados em uma linha do tempo. As maiores conquistas dos times catarinenses e insólitas taças conquistadas no exterior também são abordadas pelo livro, que conta ainda a trajetória de 60 clubes, muitos deles já extintos.
Os clássicos não ficam de fora – desde o maior de todos, Avaí x Figueirense, até o obscuro Independente x Chapecó, que dividia a região Oeste de Santa Catarina antes de a Chapecoense surgir. Os principais atletas nascidos em Santa Catarina e os craques de outros lugares que vestiram as camisas das equipes do Estado receberam minibiografias.
Passagens folclóricas, como o dia em que o árbitro expulsou os 22 jogadores e a noite em que um PM fardado invadiu um programa de debates também aparecem no Almanaque. “É uma obra ecumênica: todas as torcidas do Estado terão motivo de alegria ao ler este livro”, define Zé Dassilva, um dos autores.

Depois de Florianópolis, o Almanaque do Futebol Catarinense foi lançado em Criciúma, no dia 7 de abril, na Faculdade SATC, às 19h30. Estão sendo agendados também lançamentos em outras cidades.

OS AUTORES
Emerson Gasperin
Jornalista profissional pela UFSC, foi repórter em O Estado de S.Paulo, editor na Gazeta Mercantil e editor-chefe na revista Bizz. É autor do livro Para Saber Mais – Reggae, lançado em 2004 pela editora Abril. Conquistou o Prêmio Abril de Jornalismo em 2006, na categoria Perfil. Também já escreveu para veículos como Diário Catarinense, Trip, Viagem & Turismo, Meio & Mensagem e iG, entre outros.

Zé Dassilva
Formado em Jornalismo pela UFSC e pós-graduado em cinema-documentário pela FGV, é autor-roteirista da TV Globo desde 2000 e chargista do Diário Catarinense desde 1998. Lançou, em 1996, o livro Histórias que a Bola Esqueceu (sobre o Esporte Clube Metropol), transformado em documentário em 2001. Na TV Globo, além de escrever para programas da linha de shows, criou charges animadas para o Esporte Espetacular, também veiculadas no programa de Armando Nogueira no SporTV. Em 2006, co-dirigiu o documentário As Donas da Bola, exibido pelo SporTV.
Dedicatória
Ao amigo Adalberto Day, craque na preservação da memória Blumenauense, na torcida para que este Almanaque enriqueça ainda mais os seus arquivos!
Abraço
Emerson Gasperin
15/04/11
Escolhi uma pequena matéria do livro, em que cita a passagem da tripulação do cruzador Von Der Tann, em Blumenau, da Imperial Esquadra Alemã  em 1911 - sendo este  o primeiro jogo internacional realizado em Blumenau.
Em pé aparecem: Cramer, Bruno Hindelmeyer, Fischer, Franz, Blohmann, Oswaldo Hildelmeyer e Felipe Brandes. À frente estariam Kugler, Alfredo Eicke e G. A. Koehler
Observação: na foto aparecem apenas 9 jogadores do time blumenauense. Dois deles ficaram fazendo as honras da casa para os visitantes.

O primeiro jogo internacional
Tão logo aportou em Itajaí, em 25 de março de 1911, a tripulação do cruzador Von Der Tann, da Imperial Esquadra Alemã, programou um passeio a Blumenau e Ibirama. Para o dia seguinte, a agenda anotava um futebol com os blumenauenses do Turnverein (clube de ginástica) local, fundado em 1873 pelos imigrantes que colonizaram a região.
Até então, os associados dessa entidade jogavam apenas contra os operários da empresa Garcia, geralmente quando os estudantes voltavam do ginásio Santa Catarina, em Florianópolis, para passar o final de semana em casa.
As partidas aconteciam no pasto do Hotel Holetz (na atual Alameda Rio branco, próximo ao Grande Hotel), um campo com dimensões não oficiais, traves de madeira, marcação cavada no solo e gramado “aparado” pelos animais que ali se alimentavam. Neste local, os catarinenses receberam os germânicos para o primeiro confronto internacional do Estado. O time alemão contou com dez atletas porque um dos onze oficiais escalados havia permanecido a bordo do navio para comandar a guarda.
A inferioridade numérica não foi problema para os estrangeiros, que venceram por 5 a 2 , assim como a derrota dos blumenauenses não impediu que o esporte prosperasse na cidade, motivando a criação de diversas agremiações dali em diante. Página 18
e-mail para pedidos é futebolesc@gmail.com

Acesse : http://adalbertoday.blogspot.com/2007/11/g-e-olmpico.html
Adalberto Day cientista social e pesquisador da história

quinta-feira, 21 de abril de 2011

- Garrafões de Ácido

“O Transporte Arriscado dos Perigosos Garrafões de Ácido ¨
Titulo original no idioma germânico :

¨ DER TRANSPORT DES GEFAEHRLICHEN GLASBALLONS ¨
CONTO DO FOLCLORE COLONIAL BLUMENAUENSE

Autor José Deeke, excerto da sua obra¨ AM  LAGERFEUER ¨

Tradução e Adaptação por Niels Deeke, neto de José Deeke
Apresentação : José Deeke desenvolve o presente conto do transporte das bombonas de ácido, certamente fundamentado em ocorrência sucedida nos primeiros anos da colonização - seguramente bem antes de 1875 – porquanto o fato foi documentado sob a forma pictórica de gracejo satírico – um motejo - representado em alusivo painel constante do ¨Gabinete de Raridades¨ que foi exibido na grande “ Exposição Colonial ”, realizada em 18 de julho de 1875, no Clube dos Atiradores ( Schützengesellschaft), organizada por Hermann Wendeburg, na qualificação de diretor interino da colônia.
O texto não menciona que objetivo visava, o dr. Blumenau, com a importação do ácido sulfúrico, da Europa, contudo é de supor-se pretendesse utilizá-lo, diluído, a razão de 10% do vitríolo em água, em tratamento para couros e peles de animais abatidos, ou seja em processo de curtimento.
Um dos motes que caracteriza o enredo funda-se na alegada inépcia que teriam, os imigrados na Colônia, em erguer um pesado, rotundo e roliço ¨garrafão¨ desprovido de alças de sustentação, cuja hábil resolução, pelos astutos canoeiros, é descrita, matreiramente, no Conto.

Bl’au, setembro de 1985
Niels Deeke
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O CONTO :
O Dr. Blumenau, certa ocasião, encomendou na Europa, um volume de ácido sulfúrico (1). A mercadoria chegou intacta ao porto de Itajaí, contida em grande bombona de vidro (vide foto adiante).
Entretanto lá o “Garrafão”, como aqui são chamados tais grandes recipientes, permanecia há muito tempo no armazém portuário, pois não havia lancheiro que se dispusesse a trazê-lo até Blumenau, em virtude de considerarem-no, excessivamente, perigoso.
Não deixavam de ter suas razões, pois o garrafão não tinha alça - e era desprovido de qualquer proteção que o envolvesse, além de ser grande, pesado e roliço. Por isso quem desejasse transportá-lo correria o risco de, ao tentar levantá-lo, poder escapar-lhe das mãos e, ao quebrar-se, o seu corrosivo conteúdo líquido fulminaria, inexoravelmente, seus transportadores.
O Dr. Blumenau já falara com todos os pilotos de lanchas que demandavam o porto de Itajaí, tentando contratar seu frete, porém eram unânimes em encontrar uma desculpa qualquer ou, se prometiam trazê-lo, diziam-lhe tal só por obrigação, o que certamente sempre “esqueciam”.
Dessa circunstância tiveram notícia dois jovens, Schmauch e Frank, que preferiam executar qualquer outro serviço a trabalhar as terras de lavoura na colônia, além de saberem aproveitar quando havia oportunidade de ganhar algum dinheiro fácil, que, tão logo fosse possível. convertiam em “líquido”. Por isso resolveram buscar a perigosa carga, desde que obtivessem o proveito que almejavam.
Os dois, naturalmente, conheciam muito bem as qualidades e manias do bom dr. Blumenau e nem pensaram em procurá-lo para fazer-lhe uma proposta. Nem por sombras agiriam da maneira usual ! - Com o homem era preciso lançar mão de especial artifício, se pretendessem lucrar algo.
“Então mãos à obra”, dispôs Schmauch, que, de ambos, era o mais ladino.

“Você, Frank, siga ao porto, esgotes a água da canoa e a empurres para o rio, preparando tudo o mais para a partida. Nesse entretempo, irei ao rancho buscar os remos - porém não te admires se eu demorar bem mais que o necessário - pois tudo o que doravante acontecer fará parte do negócio”
E assim deram início à matreira manobra para obter o frete.
Frank foi ao porto e Schmauch seguiu para o rancho com passos apressados, passando, no trajeto, defronte a venda de Friedenreich e pela casa do Dr. Blumenau. Fez bem em prevenir seu colega de sua eventual demora, pois do dr. Blumenau nada via, fosse em sua casa ou na venda e, conseqüentemente, não estava conseguindo pôr em prática o plano que arquitetara.
Schmauch teve que esperar bastante tempo até que, finalmente, surgiu o momento propício. Do rancho ficou espreitando até que viu aparecer um colono que, ultrapassando o jardim, dirigiu-se à casa do diretor, onde bateu à porta e fez sair o dr. Blumenau para falar-lhe. Schmauch já receava que o colono fosse convidado a entrar na casa, ficando lá dentro sabe-se lá quanto tempo, porém o colono não tardou a iniciar o retorno, e o que era mais conveniente, o diretor acompanhou-o até o portão do jardim, onde ficaram conversando.
Havia chegado o momento oportuno.
Schmauch colocou os remos nos ombros e a passos levemente apressados desceu a rua em direção ao porto, cumprimentando o dr. Blumenau, com alta e sonora voz, a fim de que fosse notada sua presença em trânsito para o rio.
E para sua satisfação tudo correu conforme desejava, pois quando o dr. Blumenau viu Schmauch dirigir-se apressado para o porto, logo deduziu que canoeiro iria à Itajaí e resolveu aproveitar a oportunidade para encarregá-lo do transporte do ácido sulfúrico.
“Hei, Schmauch, espere um pouco - para onde vai como tanta pressa ?” gritou o dr.Blumenau atrás dele.
Schmauch, nisto parou. - “Para onde vou ?” - “Para a Barra! (2). Estou com pressa - portanto até logo, senhor doutor!”
Sem mais Schmauch deu meia volta e se pôs novamente a caminho do porto no rio. Mas o dr. Blumenau desejava receber, de uma vez por todas, o problemático ácido sulfúrico, por isto rumou atrás de Schmauch, pedindo que parasse por minutos - pois estes, conforme se exprimiu, certamente não iriam lhe atrasar a viagem.“Esta bem”, redargüiu Schmauch, afinal parando. “Alguns minutos não farão diferença”. “Todavia se o senhor pretende investir-me de alguma incumbência, já posso lhe assegurar de antemão que tal não será possível executar, pois já tenho uma volumosa carga encomendada que tomará quase todo o espaço da pequena canoa e, por isso, vai ser muito difícil trazê-la.
“Ah, é ? Fico contente em saber que obteve bom frete - entretanto a minha encomenda poderá trazer independentemente das demais, pois trata-se somente de um garrafão que é fácil de acondicionar entre as outras mercadorias.”
“Trata-se de um garrafão? Ah sim, estou entendendo - já ouvi falar a respeito - na certa é o que contém o tal ácido sulfúrico, o qual até agora não houve quem se dispusesse a correr o risco de trazer, por ser muito perigoso.”
A - BOMBONA DE VIDRO, SEM ALÇA, para conter 80 litros, certamente idêntica a que conteve o ácido sulfúrico importado pelo dr. Blumenau e que foi objeto do conto.
B -Bombona de Vidro: Garrafões sem alça, em forma de moringa, que eram utilizados para conter determinados líquidos - como ácido e hipoclorito de sódio - antes do advento das bombonas plásticas de P.V.C..
Nisso o diretor se zangou. “Que bobagem, não há perigo algum - quando se trata de fazer um pouco de esforço a preguiça dos malandros sempre prevalece. Se fosse um garrafão, de seis medidas, cheio de cachaça, da qual durante a viagem pudessem beber a metade, então, com toda a certeza, há tempos o teriam trazido.
“Isto também acredito”, respondeu Schmauch fingindo, e continuou presunçoso :
“Mas meu caso não é, absolutamente, o de temer esse trambolho - e para provar isto, vou trazer-lhe o dito, por mais trabalhoso que seja. Naturalmente, meu amigo Frank e eu, teremos despesas com o embarque e precisaremos ser cuidadosos nesse encargo - motivo porque não poderemos transportá-lo pela tarifa habitual.”
O diretor concordou sacudindo a cabeça. A tarifa era diminuta e neste caso extraordinário, realmente não lhe importava pagar o dobro ou até o triplo. Ademais o frete por mais elevado que fosse não chegaria a um mil réis. Por isto perguntou despreocupado :
“Muito bem, então diga - quanto quer ?”
Schmauch, divertido, sorriu para sem seguida, com um tom de voz denotando afetada pretensão, afirmar condicionando :
“Por oito mil reis nós o traremos”.
O dr. Blumenau num primeiro momento ficou atônito com o vulto da exigência. “Está doido?” gritou para Schmauch. “Pensa que pode me explorar? Nisto está muito enganado!”
“Não quero explorá-lo”, rebateu Schmauch profundamente ofendido. “Só lhe disse o preço mediante o qual posso fretá-lo”. Mas se o senhor não quiser - melhor para mim - pois como já lhe comuniquei, tenho muita carga para embarcar e como Frank é bastante inexperiente para manobrar a canoa, precisarei trabalhar em dobro para compensar sua deficiência.......”
A parte final de suas alegações correspondiam, parcialmente, à verdade, pois Frank ainda não possuía suficiente firmeza ao leme e assim Schmauch assumia por todo o trajeto o timão - somente, as vezes, colocava o remo n’água para avançar ou mudar o rumo da canoa, contudo era Frank quem, efetivamente, remava, esforçando-se por ambos. Quando afirmou que deveria trabalhar a parte que competia a Frank - mentia, porém naquela oportunidade tudo se encaixava perfeitamente nos seus objetivos de fazer com que o doutor lhe acreditasse, desistindo da possibilidade de procurar regatear o preço com Frank, pois para economizar alguns tostões, o dr. Blumenau ainda seria bem capaz disso tentar.
Entretanto o doutor naquele dia perecia estar bastante acessível, pelo menos sua atitude contrariava a de outras ocasiões, apesar de, pechinchando, procurar baixar o preço por mais de uma vez. Contudo como Schmauch permaneceu irredutível, afinal, sujeitando-se, concordou.
Mas se pensou que Schmauch, o qual, de início, demonstrara tanta pressa, continuaria sua corrida ao porto, enganara-se, pois o homem ficou parado como a espera de algo.
O doutor Blumenau olhou-o com surpresa, perguntando desconfiado:
“O que ainda quer ? Pensei que estivéssemos acertados?”
“Correto”, redargüiu Schmauch, “todavia o motivo principal que levou-me a concordar no transporte do ácido sulfúrico é que necessitamos muito do dinheiro....para fazer as compras na Barra.... por isto preciso pedir-lhe, senhor doutor, que nos adiante o numerário do frete.”

O diretor lançou-lhe um olhar de esguelha nada amável, porém depois de pensar um pouco concluiu que enfim nada mais lhe restava que sacar da carteira e sem mais pagou a Schmauch os oito mil reis.
Schmauch de posse do dinheiro, seguiu primeiramente até venda para tomar uma boa talagada, mandando encher duas garrafas com cachaça e só depois com, muita tranqüilidade se dirigiu ao rio, onde Frank o recebeu ansioso para saber o resultado das tratativas do companheiro. Após Schmauch contar-lhe o necessário e de ter-lhe dado uma garrafa da cachaça, ele feliz e satisfeito empurrou a canoa afastando-a da barranca e assim seguiram, confortavelmente e sem esforço algum, deslizando a favor da corrente da água barrenta e amarelada do rio, cujo nível apresentava relativa elevação.
Na viagem, os dois canoeiros, não tinham mínima pressa. Quando, à margem, surgia alguma casa colonial, paravam, principalmente na hora de comer e, desta maneira, levaram dois dias para alcançar a Barra. No retorno, rio acima, foram ainda mais sossegados e em todos os lugares que tinham almoçado, fizeram movas paradas para entregar encomendas, e os destinatários, por sua vez, sentiam-se na obrigação de servir-lhes alguma coisa, pois remar em contracorrente não era possível praticar sem despender relativo esforço.

Dessarte aliviando o carregamento nas diversas escalas de entregas, um belo dia, chegaram finalmente à cidade. A canoa foi amarrada à margem e, então, Schmauch autoritário decretou :
“Frank ! Agora vou procurar o diretor - você permanece aqui cuidando com toda atenção. O balaio deverás esconder bem no fundo da canoa, a fim de que ninguém o veja - a vara (4) pode ficar onde está”.
Frank olhou o companheiro sem entender coisa alguma, e desanimado perguntou:
“Porque devo ficar novamente aqui sentado sozinho, esperando aborrecido por você sabe-se lá por quanto tempo, se podemos sair daqui juntos levando duma só vez este garrafão para cima?”
Schmauch olhando-o com desprezo e a sacudir a cabeça denotando a falta de perspicácia do colega, respondeu-lhe:
“Você é mesmo muito idiota. Pensa que te deixo aqui postado por brincadeira? Não percebes que quero ver se arranco do homem mais algum dinheiro? Já gastamos lá na Barra tudo quanto apuramos - por isto vou tentar conseguir uma bebida extra!”
Dito isto Frank compreendeu e sorriu cordato, garantindo que podia contar com seu empenho.
Schmauch seguiu o caminho para o Stadtplatz (3). Entretanto não era tão fácil galgar a barranca e seguir a estrada, pois a enchente dos dias precedentes depositara uma grossa camada com cerca de quinze centímetros de lodo, fazendo com que o canoeiro precisasse arregaçar as calças até acima dos joelhos. Porém mesmo assim continuava difícil caminhar num chão escorregadio, onde os pés patinavam, deslizando em todas as direções.
Não foi preciso a Schmauch procurar muito pelo diretor. Ele estava na venda de Friedenreich, acompanhado de algumas pessoas. O dr.Blumenau quando deu com a presença de Schmauch, fez uma cara intrigada, dizendo :
“Ué ! Onde está seu companheiro e o garrafão de ácido sulfúrico?”
“Estão, ambos, na canoa lá em baixo”, respondeu-lhe Schmauch.
E o doutor, mais que rápido, inquiriu :
“Então porque não trouxe consigo a tralha para cima ?”

“Trazer para cima?” Redargüi surpreso, repetindo as últimas palavras do diretor. “Sobre isto nada combinamos, senhor diretor - o transporte da mercadoria foi procedido como de costume, de porto a porto.....”
Nisso o diretor o interrompeu, cortando-lhe as palavras, zangado.
“Já sei onde isto vai acabar - querem me depenar novamente. Mas desta vez não vou cair na armadilha e depois, voltando-se para Friedenreich e os demais presentes, disse:
“Vamos descer à barranca do rio e, de uma vez por todas, inspecionar este tão perigoso garrafão!”
E assim todos o seguiram. Foi uma verdadeira romaria, seguindo ao porto.
Schmauch, com um sorriso matreiro, caminhava logo atrás do cortejo. Quando chegaram à metade do trajeto da margem do rio, onde começava a camada de lodo, já era possível ver as fisionomias carrancudas e contrariadas do pessoal - mas, todos, afinal, se dignaram auxiliar - tiraram os sapatos, arregaçaram as calças e, com disposição, atravessaram o pastoso e mal cheiroso lodaçal, até a canoa.
Lá estava a pequena embarcação da qual Frank, mal humorado, sentado à proa e fumando seu cachimbo, tomava conta . O carregamento era somente o garrafão - nada mais continha .
O diretor, entendendo tudo lançou um olhar de través para Schmauch. Entretanto, contendo-se cuidou para não deixar escapar uma só palavra a respeito da mentirosa, grande e volumosa, carga que Schmauch alegara que compraria na Barra. Sabia muito bem que quanto mais esclarecimentos exigisse, maior seria na certa a gozação, para aquele que caíra no ardiloso prejuízo que os canoeiros lhe aplicaram, com o engodo da alegação de pagamento adiantado para adquirir encomendas.
“Vejam só?” Disse por fim, “trazer o garrafão para cima, realmente, não deverá ser tão perigoso...!”
Os acompanhantes igualmente assim pensavam, e um, mais afoito. começou a tentar desembarcar o garrafão.
Contudo não conseguia e por bem pouco a pesada, escorregadia e bojuda bombona de vidro quase lhe escapa das mãos. O homem ficou visivelmente aliviado quando, a muito custo, conseguiu devagar tornar a baixá-la no fundo da canoa. A tentativa empreendida por uma dupla foi ainda pior sucedida, pois a canoa balançava e para desembarcá-la na margem escorregadia e lamacenta, não havia quem se atrevesse.
Depois desses insucessos o dr. Blumenau pareceu reconhecer que a operação não era tão fácil quanto supunha e por isto, resignado, volveu-se, outra vez para Schmauch, o qual isentando-se de qualquer participação, ficara afastado observando, e perguntou-lhe :
“Como foi que vocês conseguiram embarcar o garrafão na canoa?”

“Ah , isto lá na Barra não foi tão difícil”, respondeu Schmauch tranqüilo. “Para erguê-lo, lá existe o trapiche e não é preciso incomodar-se com a lama”.Nisso o doutor ficou pensativo.
“Pois é”, disse finalmente, “ está parecendo que é mesmo quase impossível suspender esta coisa sã e salva barranca acima. Não nos restará outra alternativa que abrir este monstro de garrafão e transferir o conteúdo para garrafas menores, fáceis de transportar.”
Esta solução, entretanto, era justamente a que menos agradava a Schmauch, que após ouvi-la, aproximou-se interessado, dizendo, para o diretor, com uma entonação de voz na qual exteriorizava convencimento:
“Tenho lá minhas dúvidas, pois esta operação me parece um tanto complicada, porque o acido é volátil e a transferência para recipientes menores poderá provocar um acidente grave. Por isso eu lhe proponho que nos ofereça uma dúzia de cervejas, pelas quais eu e Frank levaremos o garrafão lá para cima.”
“Mas logo uma dúzia de cervejas?” Rebateu severo o doutor. “Para vocês nada é suficiente ! Como se não bastasse uma garrafa para cada um !” Depois, mais sereno, continuou :
“Muito bem. Podem beber a dúzia de cervejas lá no Friedenreich por minha conta. Mas cuidado com o garrafão, pois vocês para tomar a dúzia de cervejas, são capazes de cometer a maior das imprudências, correndo o risco de banharem-se no ácido sulfúrico! Preciso muito deste líquido e seria desastroso que após tanto trabalho para trazê-lo até aqui, se perdesse tudo no final.”

Mas Schmauch com um sorriso maroto sacudiu a cabeça.
“Não se preocupe doutor. Nós faremos a operação sem dor.”
Em seguida pulou para a canoa e gritou para seu colega :

“Frank, agora podes tirar o balaio”.
E foi então que todos viram como se descarregava o trambolho - e não era, em absoluto, nada perigoso.
Primeiramente colocaram o balaio ao lado da bombona, em seguida pegaram-no pelo gargalo, içaram-no e deixaram-no novamente baixar, lentamente para dentro do balaio. Após atravessar a vara pelas duas alças do dito balaio e, os dois, Schmauch e Frank, cada qual apoiando sobre os ombros uma das extremidades da vara, lá se foram tranqüilamente subindo pelo lodaçal.

Toda a manobra deu-se muito rapidamente e os espectadores ficaram mudos assistindo tão elementar solução para a questão do transporte. Quem mais pasmo estava, evidentemente, era o dr. Blumenau, que lá permanecia estático e só quando os demais já se tinham posto em movimento para acompanhar Schmauch e Frank, conseguiu recuperar-se.
“Friedenreich”, gritou ele, e quando este se volveu, o doutor apontou com o indicador esquerdo para sua própria fronte, e com a mão direita, estendida, mostrava o garrafão balançando no balaio e repetia, “Friedenreich ! Friedenreich!” Mais não disse, porém era fácil adivinhar o que sucederia.

Não havia dúvida, o bom doutor Blumenau caíra, por inteiro, nas mãos dos dois espertalhões. Depois de terem depositado o garrafão de ácido sulfúrico no rancho do dr. Blumenau, foram para a venda de Friedenreich e, com a cara mais lavada deste mundo, pediram por conta do diretor uma dúzia de garrafas - de cerveja inglesa - que Friedenreich inicialmente não quis servir receando a fúria do diretor, todavia Schmauch insistiu categórico e finalmente o vendeiro cedeu.
Passado algum tempo, depois que a forte cerveja já fizera seu efeito, o doutor entrou na venda e os beberrões o convidaram a participar. Naturalmente recusou - muito ao contrário continuou a repreendê-los - pois imaginava que estavam bebendo a cara cerveja com o dinheiro apurado pelo frete por isso admoestou :
“Uma dúzia por minha conta, sem dúvida, seria mais que suficiente, não precisavam gastar suas poucas moedas, ganhas no frete, bebendo esta caríssima cerveja.”
O momento aprazado chegara, no entanto, Schmauch, nestes negócios não se deixava assustar.
“Nossas moedas ?” Respondeu, e fingindo espanto emendou
“Não, senhor doutor, me parece que, em sua opinião, nos acredita ainda possuidores de dinheiro, porém do dinheiro do frete, desde que partimos do berço das embarcações junto ao trapiche da Barra, não tivemos mais vintém algum em nossos bolsos. Contudo aqui não precisamos de dinheiro - a cerveja quem paga é o senhor... é aquela dúzia oferecida...- e por isso, especialmente, eu o brindo :
“Saúde! Senhor diretor”. E nisso sorveu, novamente, um grande gole da caneca, no que foi imitado por Frank.
“O que?” Gritou reclamando o doutor a olhar para Friedenreich.
“O senhor serviu, a estes dois, cerveja inglesa por minha conta? Cerveja local, cerveja daqui, quis dizer! - Estas que eles bebem não pagarei !”
Friedenreich somente sacudiu os ombros e apontou para Schmauch que então estampava um rosto representando muita dignidade e a fim de impressionar mais ainda, levantou-se, empertigando toda sua estatura :
“Como disse ?” Exclamou no mesmo tom com que se exprimira o dr. Blumenau. “Cerveja local, foi o que o senhor quis dizer? - Cerveja local ? - Não, senhor diretor, disto não falamos - não poderia imaginar outra que não fosse cerveja inglesa e sempre a acreditei como a qualidade que foi oferecida! Por isso torno a brindá-lo:
Saúde senhor diretor! Viva o inglês, viva a inglesa.....”

O diretor já não ouvia mais - Schmauch cativara as risadas dos presentes e nada mais lhe restava do que retirar-se o mais rápido. Contam que, durante não poucos dias, seu humor permaneceu péssimo.
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O episódio com o garrafão de ácido, foi, nas festividades do “Schützenfest” seguinte, explorado pelo “Consórcio do Gabinete de Raridades” , onde sobressaia a figura do “Schirmonckel”, quando retrataram, em quadros, a trapalhada do pessoal que participara na tentativa do desembarque da famigerada mercadoria, mostrando o grupo de calças arregaçadas, patinando na lama - destacando o dr. Blumenau logrado, em posição de perdedor inconformado, apontando com o indicador esquerdo sua testa e com sua mão direita dirigida no sentido de Schmauch e Frank, que carregavam comodamente o garrafão. Sob o painel, pintadas, em letras garrafais, duas palavras : “Friedenreich ! - Friedenreich!”

O dr. Blumenau, quando viu o “belo serviço” do “Gabinete de Raridades” (5) já há tempos esquecera sua ira, dizem que até riu com muito prazer e inclusive teria dado uma gratificação extra ao grupo responsável pela feitura do peça pictórica.
Schmauch e Frank, juntos, ainda pregaram muitas peças, onde o primeiro sempre era o mestre e Frank o aprendiz. Por isto Schmauch quis reforçar ainda mais os laços de amizade com seu colega, transformando-os em parentesco. Para tanto incentivou o casamento de Frank com uma cunhada já bastante idosa, que vivia em sua casa.
Frank, a princípio. concordou e o casamento foi marcado para a manhã de um domingo. No dia aprazado, estavam todos em grande atividade da casa de Schmauch, para comemorar condignamente o enlace que dar-se-ia dentro de poucas horas e ninguém se admirou que Frank não houvesse aparecido, pois morava perto dali e na noite anterior, festejando a despedida de solteiro, bebera além da conta, indo para casa encharcado de álcool.
Como imaginassem que Frank estivesse dormindo a curtir a ressaca, prosseguiram nos preparativos da festa entretanto quando já passava do horário previsto, e estando a noiva arrumada aguardando esperançosa o noivo, e nada de Frank aparecer, resolveram ir à sua casa acordar o dorminhoco.
Foi quando tornou-se a constatar a costumeira ingratidão do aprendiz com o mestre, pois até então Schmauch vivera na convicção de que suas relações com Frank continuassem como no passado e não percebeu a modificação que devagar processava-se pela emancipação da dependência do colega às suas determinações. Enfim, quando chegou à cabana de Frank, viu pregada, sobre a porta, uma larga tábua, onde, com giz vermelho estava escrito em grandes letras bem legíveis :
“Frank não estará em casa hoje. Foi para Itajaí a negócios”.
Passados alguns dias Frank retornou, porém, depois desta derradeira trapalhada, a amizade entre os dois colegas ficou abalada, jamais tornando a ser como dantes.
FIM

NOTAS DE FIM  por NIELS DEEKE
1) Ácido sulfúrico. Quím.1. Líquido viscoso, incolor, corrosivo, denso, enérgico desidratante e ácido muito forte, com aplicações extensas e variadas. [Fórmula.: H2SO4] ]

2) Barra . Barra do Rio Itajaí Mirim.. Barra do Rio. Entreposto e trapiche, na margem direita do Itajaí Açu, logo após a foz do Itajaí Mirim. Na verdade o topônimo é barra do rio Itajaí Mirim. O local exato esteve ocupado pela Fábrica de Papel Itajaí. O trapiche e instalações pertenceram “particularmente” ao dr. Blumenau, onde cada novo imigrante era registrado no “Livro de Registro de Imigrantes da Colônia Blumenau”, perdido no incêndio da Prefeitura de Blumenau em novembro de 1958, cujos assentamentos foram lançados pelo menos até 1860.

3) Stadtplatz : Centro Urbano. Na verdade, o canoeiro seguiu do porto, em direção à Kolonie Direktion, ou seja a sede administrativa da Colônia Blumenau, sita, então, defronte á atual praça Hercílio Luz, ao, lado da qual Friedereinch possuía a sua venda ( Casa de negócios e bar)

4) Vara. Instrumento. Haste de pau direito e comprido com cerca de quatro metros, chamada varejão .Tal vara foi muito utilizada, na região do Itajaí Açu, pelos balseiros que extraiam areia, até por volta de 1950. Nos locais de pouca profundidade e de muita correnteza não havia melhor instrumento para fazer progredir a embarcação. O canoeiro postava-se à proa, enfiava a vara até o fundo do rio e seguia em direção à popa, caminhando sobre uma tábua em sentido longitudinal desde a proa até a popa, empurrando o peso do seu próprio corpo contra o varejão e forçando para baixo, deslocando deste modo a embarcação para vante. E assim continuamente repetia a operação, que pelo esforço, imprimido sobre o varejão- feito geralmente de pequiá, cabriúva ou mesmo peroba - o fazia vibrar intensamente. Utilizavam-no também para manter fundeadas as balsas no meio do rio, quando espetadas ao fundo recebiam, na superfície, as amarras da balsa, substituindo as poitas ou âncoras e ainda para afastá-las dos taludes das barrancas. Na região Amazônica e na do Pantanal, a dita Vara, também é conhecida por Zinga : Vara comprida, usada na propulsão de embarcações em lugares de pouco fundo. Remo usado como leme na popa da canoa ou da jangada.

5) Consórcio do Gabinete de Raridades: Grupo encarregado da elaboração de representações cênicas, paródias, alegorias cômicas, encenações satíricas e apresentação de pintura de quadros, que foram expostos nas festividades da primeira Sociedade de Caça e Tiro de Blumenau, (Schützengesellschaft) fundada a 02 de dezembro de 1859, na comemoração da data de aniversário do Imperador D.Pedro II. A organização do evento esteve a cargo do Pastor Rudolf Oswald Hesse, e deu-se onde presentemente encontra-se o “Tabajara Tênis Clube”, cujo acontecimento foi lembrado nos “Contos do Velho Colono Blumenauense”, páginas 71 à 75, da obra “O Município de Blumenau e a História de seu Desenvolvimento” - por José Deeke. Gabinete de Raridades referia uma das “Exposições - Mostras”, realizada em 18 de julho de 1875 - organizada por Hermann Wendeburg, na qualificação de diretor interino da colônia, classificada como a grande “Exposição Colonial” no Clube dos Atiradores - oportunidade em que o dr. Blumenau encontrava-se no Rio de Janeiro.
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segunda-feira, 18 de abril de 2011

- Uma noite incomum em Blumenau

Em histórias de nosso cotidiano, uma crônica de Dalva Day

Bairro da Velha
Era 1º de maio/2003, 20h e todos os convidados já estavam ao redor de duas grandes fogueiras que reluziam charme e sensualidade no quintal da Bruxa Alicia - (Alicia: nome fictício), uma mulher de 30 anos, cabelos loiros cacheados até o ombro, que reside desde criança no bairro da Velha, em Blumenau.
Sua casa é cheia de vida, há gatos, cachorros e passarinhos que fazem a festa em sua casa, vivendo em perfeita harmonia... "Até parece que sabem o que estamos fazendo aqui", comentou uma das convidadas que olhava com desconfiança para o gatinho alaranjado que espiava pela janela da sala, confesso que até eu estava um pouco aflita. Não gosto de gatos, pois sempre os associo com algo sinistro, o que aos poucos fui compreendendo que não passava de mero pré-conceito que adquiri ao longo da vida.
Estávamos em 13 pessoas, homens e mulheres das mais variadas idades e profissões. Haviam advogados, dentistas, donas-de-casa, estudantes e professores... enfim pessoas comuns que estavam ali por um único objetivo: celebrar o Beltane em comemoração a Rainha de Maio.
Alicia não é uma bruxa comum, com sua delicadeza de princesa, estava mais para bruxa dos tempos modernos. Durante a celebração do Beltane vestia um vestido branco e longo para simbolizar a pureza, e alguns adornos pelo pescoço que segundo ela “se sentia mais feminina para a ocasião”, nada parecida com aquelas bruxas das historias em quadrinho que aparecem sempre vestidas de preto, com um chapéu enorme e um narigão horroroso que assustava quem chegasse perto. Nós que não estávamos nem um pouco acostumadas com comemorações como estas, estávamos trajadas normalmente sem nenhum capricho em particular, apenas levávamos algumas raízes (batatas e cenouras) e um copo de vinho para comemorar a data. Mas como em todas as regras há exceções, uma das adolescentes que estava conosco para participar da celebração, veio vestida de chapéu e capa preta, que segundo ela "não deixaria por nada nesse mundo de participar de uma festa de bruxas sem estar a rigor". Todos achamos graça da jovem adolescente, mas concordamos num fato: ela leva jeito para bruxa!
Todos os convidados, inclusive eu, estavam ansiosos para a grande noite. Não era uma data comum, pois estaríamos festejando o Beltane, que segundo os celtas (Alicia se encarregou de explicar tudinho antes de começar o ritual) "é a mais alegre e festiva comemoração celta é uma data profundamente sensual”.
Aos poucos, antes de dar inicio a celebração, íamos nos familiarizando com o significado do Beltane, de acordo com a lenda representa a entrada do jovem Deus para a idade adulta, que se da inicio pelas energias da Natureza, pela força das sementes e flores que desabrocham, onde a Deusa e o Deus se apaixonam. E por isso o dia 1º de maio para os celtas é marcado pela celebração de rituais de fertilidade e imensas fogueiras são acesas em todas as partes do mundo. Elas simbolizam o calor da paixão e a intensidade da interação entre a Deusa e o Deus, e a crescente fecundidade da terra.
Era evidente que estávamos nervosos, pois estávamos entrando em um mundo totalmente diferente do que aquele que estávamos acostumados. Para nos, falar de bruxaria é imaginar atrocidade cometida com animais ou alguma magia negra para afugentar pessoas indesejáveis em nossas vidas. Quem poderia nos garantir que no meio daquela fogueira não poderia brotar um "demônio" ou algum "anjo mal" para correr com todos nós dali? Estávamos com medo, mas o pavor e a ansiedade foi tomado aos poucos pela curiosidade e a grande sensação de paz que em doses homeopáticas foi tomando conta do ambiente.
Chega o momento esperado, ficamos de mãos dadas e em circulo ao redor das fogueiras. Alicia, adoravelmente misteriosa recita alguns versos celtas, e nos pedia que repetíssemos dando inicio a celebração de fertilidade.
De acordo com Alicia, as duas fogueiras acesas no centro do quintal, representavam um costume celta que significava livrar-se de todas as doenças e energias negativas e purificar o ambiente. A bruxa nos explicou que nos tempos antigos, costumava-se passar o gado e os animais domésticos entre as fogueiras com a mesma finalidade. Assim com o passar dos anos, veio o costume de "pular a fogueira", que é realizada nas festas juninas, que simboliza exatamente isso: a purificação.
Achamos super interessante a explicação e continuamos cantando e dançando ao redor das fogueiras. A sensação era indescritível... Talvez o vinho tenha contribuído para que nos sentirmos mais soltos e purificados, mas a verdade era que sentíamos a energia da terra subindo pelas nossas pernas e por incrível que pareça a natureza se fazia mais presente naquele instante: uma forte sensação de paixão e esperança fazia parte de todos nos naquele momento. Será magia? Ou será que simplesmente o amor do Deus e da Deusa de Maio que estavam transbordando de paixão em nossos corações?
Depois de celebrarmos em conjunto ao redor das fogueiras, Alicia nos convidou gentilmente para participar de outra tradição celtas: o Maipole - Maiopole: ou simplesmente "Mastro de Fitas", onde cada um de nós escolhe uma das fitas coloridas que fica em volta do mastro e assim todos vão girando e trançando as fitas, como se estivéssemos tecendo o próprio destino e o colocando sob proteção dos deuses. Foi um momento muito divertido, e a essa altura todos nós já estávamos completamente enturmados e contagiados com o a paixão de Beltane. Alicia se encarregou de explicar que esta tradição do Mastro de Fitas também foi incorporada às festas juninas.
Os gatos, cachorros e passarinhos de Alicia não faziam mais diferença para nos. Muito pelo contrário, já faziam parte de nossas vidas. Percebemos ao final da celebração que a magia daquela noite havia contagiado ate mesmo os animais, pois passaram todo aquele tempo em volta de nós, como se participassem e entendesse todos os nossos movimentos. Creio que naquela noite deixei a antipatia pelos gatos e agora já sinto que posso conviver com eles, pois todos nós fazemos parte de uma mesma natureza, racional que precisa ser celebrada e honrada todos os dias.
Depois dos rituais, já passava da meia-noite, ajeitamos tudo e ajudamos a bruxa a organizar tudo em seus devidos lugares (os gatos pareciam fiscais pois nos seguiam aonde íamos) e partimos para nossas casas. Cada um de nós levou um pouquinho daquela noite dentro do coração. A experiência foi única e provavelmente diferente para cada um de nos que participou da celebração.
Muitas vezes deixamos de conhecer novas experiências, por puro preconceito ou medo de conhecer o que se passa depois da nossa porta. Cada um tem uma historia para contar, e a maior gratificação da vida é conhecer e buscar momentos novos para fazerem parte de nossas vidas. Deixamos de viver por medo, por arrogância, por despeito. Mas a vida e muito mais do que aquilo que conhecemos é uma janela que deve estar aberta todos os dias, a espera de experiências novas e o toque dos raios solares que ultrapassam esses limites serve para dar vida à nossa alma. Conhecer um pouquinho das tradições celtas, através da bruxaria, foi apenas uma das infinitas experiências que podemos passar, e oxalá que possamos conhecer o mundo através dos nossos sonhos que num toque de mágica podem se tornar realidade?

A venda dos nossos olhos não é nada senão a nossa própria ignorância para a beleza do mundo. Só quem arrisca em conhecer o belo pode se dizer conhecedor de seus limites e a vida se resume na procura da felicidade, e a felicidade está em nossos corações.

DALVA DAY/Assistente Social
2003
Para saber mais acesse: http://www.dalvaday.blogspot.com/
Arquivo de Dalva e Adalberto Day

quinta-feira, 14 de abril de 2011

- A Stadtplatz

Apresentamos hoje quatro fotos espetaculares e inéditas, enviadas pelo presidente do C.N América Sérgio da Silva. A imagem de 1869 é apenas 19 anos após a fundação da colônia Dr. Blumenau, no Centro Histórico na Alameda Duque de Caxias (Rua das Palmeiras), a esquerda onde seria o atual prédio da CELESC.
A imagem de Blumenau de 1869 mostra a STADTPLATZ que significa CENTRO URBANO. Literalmente ¨LUGAR ( PLATZ ) da CIDADE ( STADT).
A foto retrata o atual local entre a rua XV de Novembro e a rua Ceará. No entremeio deste espaço está o atual prédio da Celesc, Depois, antes do campo do Palmeiras, vinha a ferraria d Kielwagen e, logo após o campo do Brasil/Palmeiras/BEC. Nos fundos pode-se ver os matos que vão desde o Tabajara até a secção sul do Morro do Aipim.
Foto: AHJFS
KOLONIE DIREKTION
O cartão postal de Blumenau da ANTIGA KOLONIE DIREKTION década de 1900 , mostra a Stadtplatz. Parte da Rua XV . Mais a esquerda o Hotel Holetz.
Ao  centro Marco com o Nome dos Primeiros Imigrantes.  De fato foi construído exclusivamente em homenagem ao Dr. Blumenau, como demonstram as placas de bronze que estão na frente e nas laterais do monumento. Inaugurado em 1902.
Somente em 1950, provavelmente durante os festejos do centenário, é que foi colocada uma placa adicional, atrás, com o nome dos primeiros imigrantes.
Assim sendo, é justo citar o monumento com seu nome original, apesar do complemento que recebeu em 1950, e da estátua que lhe foi erigida posteriormente.
O monumento ostenta o nome dos primeiros 17 imigrantes que chegaram à cidade e é dedicado à fundação de Blumenau. Construído em 1902 em granito rosa por Ermínio Stingnen, tem 3,5 metros de largura na base.
Rua XV de Novembro – na Praça da Cervejaria Biergarten
Marco Zero
O monumento marca o início da colonização e simboliza a fundação de Blumenau. Foi construído em concreto pelos imigrantes alemães e é considerado o referencial geográfico central da cidade.
Praça Hercílio Luz
Tradução da legenda na foto : BLUMENAU - CENTRO URBANO, JARDIM PÚBLICO com MONUMENTO AO DR. BLUMENAU e homenageando os imigrantes .
Editora : G. ARTHUR KOEHLER, Blumenau. Santa Catharina.
O atual Centro Histórico era uma parte do Stadplatz, e era conhecido como KOLONIE DIREKTION. Durante o período COLONIAL ou seja até 1880 aproximadamente.
Nada do que os novos DEFINIDORES DE NOSSA HISTÒRIA DIZEM do Stadtplatz Blumenau é verdadeiro, pois o definem como somente aquela restrita área. O verdadeiro Stadplatz incluia não só o atual Centro Histórico, mas todo trecho até o final da atual rua XV de Novembro, ou seja até onde edificaram a atual Prefeitura.
Foto: AHJFS
Clube Náutico América
A imagem por volta de 1935/36, mostra senhoras em frente ao Clube Náutico América, fundado em 20 de outubro de 1920.
A esquerda a Bandeira nacional e  a direita a bandeira com a suástica nazista.
Foto: AHJFS
Regata
A imagem de 09 de outubro de 1927, mostra uma regata no Rio Itajaí Açu no dia 09 de outubro de 1927. Com a participação dos remadores do Clube Náutico América.
 Sérgio da Silva/ HHJFS - Arquivo Histórico José Ferreira da Silva. Postado por Adalberto Day
Colaboração especial: Niels Deeke e Wieland Lickfeld

segunda-feira, 11 de abril de 2011

- A descoberta do SPITZKOPF


“ A DESCOBERTA DO SPITZKOPF ”
( Die Entdeckung des Spitzkopfes ) 

CONTO DO FOLCLORE COLONIAL BLUMENAUENSE
Autor José Deeke,
Tradução Niels Deeke, neto de José Deeke
Excerto da obra “ AM  LAGERFEUER “ – Primeira Parte - Capítulo 2
Introdução Expositiva, por Niels Deeke, pertinente a compreensão do conto :
- José Deeke, na sua historieta adiante desenvolvida, reporta a forma chistosa como os blumenauenses de antanho – anos 1872 a 1895 e ainda após, referiam a conquista do cume do Spitzkopf, pelo Comandante da Guarda de Bugres, o seu pai Frederico Deeke, no fim do ano de 1872.
Realmente, como relata, antes a mando do dr. Blumenau, tentaram abrir uma picada até o topo, porém não encontraram o terreno com aclividade apropriada para implantá-la. Deeke jamais foi agricultor, sendo, porém, intrépido sertanista, topógrafo e mineralogista - que já em 1880 servia-se do magnetômetro de Gaus – além de experimentado caçador, porquanto em sua casa, construída onde atualmente está edificado o Teatro Carlos Gomes, o longo cata fumaça do fumeiro defumador esteve sempre repleto de carnes de caça abatida nas suas explorações venatórias. Nos ganchos do fumeiro predominavam os retalhos de porcos selvagens e os de antas, sendo, à distâncias, perceptível o odor característico dos chouriços e fiambres lá perfumados pela fumaça e, como os transeuntes que ali passavam, sentissem, a fome apertar-lhes os estômagos, logo passaram a fantasiar quixotescamente os audaciosos feitos daquele que foi o encarregado, do dr. Blumenau, para localizar os sítios melhor apropriados a cada especialização do imigrante recém ingresso, visando o seu assentamento em local conveniente na Colônia Blumenau, então abrangendo 10.610 km2.
Nomeado pelo governo da Província, Frederico Deeke, naquele ano de 1872, Comandante da Guarda de Bugres para a Colônia Blumenau ( Composta de 20 guardas pedestres ) logo tratou de estabelecer postos de observação à movimentação dos silvícolas em locais elevados de onde pudessem - os seus comandados - divisar os indicativos sinais de fumaça, previamente acordados entre os membros da guarda e os colonos assentados na hinterlândia. Para dar cumprimento ao seu ofício resolveu abrir a picada ao topo de Spitzkopf e igualmente ao cume do Morro do Cachorro, este do qual foi responsável o guarda Heinrich Pasold – nascido em 1849 e falecido em 1942 – que integrou o corpo de pedestres como membro da “Guarda de Batedores do Mato” sob a chefia do Comandante Frederico Deeke, e o acompanhou nas caçadas de “antas” e “queixadas”, ocasiões em que deixaram, na densa floresta, presentes variados para os “bugres” a fim de tentar o contato amistoso.
Caçar anta, queixada ou tateto era nada fácil, contudo era essa a sua especialidade, mantendo, para tal, aprestada matilha de cães treinados. Certamente sua particular atividade, que supria a própria família de farto alimento, causava alguma inveja aos seus conterrâneos no Stadplatz, onde também ele residia, porém como Deeke apesar de austero e severo era, ao mesmo tempo, bonachão e generoso, conquanto costumava agraciar toda sua vizinhança provendo-a de cortes defumados e, observe-se, sempre gratuitamente, vez que proibiu, terminantemente, sua mulher de vender até mesmo ovos de galinhas de sua exclusiva criação.

Destarte ao saberem que Deeke havia aberto a ¨ Spitzkopf Picade ¨ , logo passaram a comentar o feito mediante ¨gozação¨, associando escalada às suas caçadas à Antas e demais façanhas.
Por ter sido, então, notório o modo como Frederico Deeke referia-se a carne de Anta, aqui faço constar a maneira como a apreciava e a qualificava.
Dizia ele quando indagado como encontrara o rumo para o topo do morro : “ Fui atrás do costado de um anta, porque anta picho pon , come xente ,come cachorra”. (sic). O real significado era: “fui perseguindo visualmente o costado de uma anta, (e não montado nela) porque a carne da anta tanto é boa para a gente como para os cachorros “ ¨.
Contudo a fantasia, em parte, tinha explicação pela compreensão truncada dos ouvintes, como no português arrevesado e enxacoco com que Deeke relatava o caso, quando daquela forma se exprimia.

A Descoberta do Spitzkopf é portanto, relatada adiante sob a forma do conto de uma patranha -um chiste. José Deeke refere-se à lendária história de seu pai, o Capitão-Comandante das Guardas de Batedores do Mato - Frederico Deeke, que, em 1872, em uma de sua reais caçadas à antas, as perseguiu com sua matilha de cães até as poças do alto ribeirão Garcia, próximo ao sopé do Spitzkopf. Lá matou algumas que pôs para moquear (A), deixando-as em fumeiro alto, a salvo dos cachorros, quando, de inopino, um dos tapires seguiu, perseguido pelos cães, em carreira pelo riacho Ouro, sito a sudeste do pé do morro, contrariando a lógica que seria tomar o curso do riacho Caeté, este uma bifurcação em sentido noroeste, que geralmente os caçadores percorriam em demanda do vale do Encano. A perseguição à anta pelo riacho do Ouro resolveu o problema da escalada pois seu curso d’água atinge 85% da altura a vencer. Alcançado o cume, Deeke elaborou dois desenhos, representando os perfis panorâmicos das montanhas que podia divisar, os quais, em razão de seu ofício remunerado através da Presidência da Província de Sta.Catarina, foram entregues ao diretor Dr. Blumenau, e perdidos no incêndio do paço municipal de 08/11/1958. Daí a perseguição à anta, riacho do Ouro acima, tê-lo levado a encontrar o melhor caminho para escalar o Spitzkopf, do qual foi o primeiro conquistador, naquele final do ano de 1872.
Niels Deeke, setembro 1985

A) MOQUER. Moquear: verbo de étimo tupi, não existindo na língua portuguesa outro que o substitua - consistindo a moqueação no método de preparar conservas de carne, peixe e frutas que os indígenas e os mateiros utilizavam submetendo-as a lento calor, porque não se moqueia bem uma carne sem o espaço de três dias, pois outro processo não havia para sua preservação que não fosse mediante uso intenso do sal - in opus de José Vieira Couto de Magalhães ( 01/11/1837-14/9/1898) - “O Selvagem”- 1876 Verbete: moquear V. t. d. Bras., N. Secar {a carne ou o peixe} no moquém, para conservá-los. Bras., S. Assar « a carne » em moquém. Niels Deeke, ao elaborar estes apontamentos recordou-se da expressão inglesa “Smoked” bem como da alemã “Schmok” e percebeu que existe certa semelhança sonora entre “Smoked”, “Schmok” e “Moquém”,” todas para configurar “esfumaçado” ou “defumado”. Seria esta mais uma dentre as tantas palavras de sons e significados idênticos existentes nas línguas ameríndias e indo- européias ?
-----------------------------------N.D.----------------------------------
O CONTO :
Eu viajava sentado na seção da primeira classe em um vagão de passageiros da “Estrada de Ferro Santa Catarina” e, enquanto o trem prosseguia para Hansa (1), comecei a meditar sobre as diferenças entre a realidade e a fantasia. Fazia poucos dias que eu tinha chegado ao país e conforme também deve acontecer com os outros, imaginava que aqui fosse tudo bem diferente. Fiquei bastante desiludido com a “Estrada de Ferro Santa Catarina”, pois pouco antes de deixar a Alemanha, li uma reportagem - certamente deveria ser matéria utópica - referente a um trem, super rápido, que percorria o trajeto entre Blumenau e Assunción. No entanto, defrontava-me com a crua realidade dessa verdadeira lingüiça, cheia de curvas, com seus míseros 70 Km! Era de pasmar a enormidade do contraste entre a fantasia e a realidade.
Encontrava-me assim absorto quando, vindo da vizinha unidade da 2a. classe, entrou no meu vagão e sentou-se à minha frente, um homem idoso que, pela aparência, deveria ser colono. Logo a seguir ouviu-se gargalhadas e um grande alvoroço que provinha do vagão donde o homem saíra, e percebi que o meu novo companheiro já havia bebido um pouco e, como sempre detestei o cheiro da cerveja e cachaça dos bêbedos, fingi ignorá-lo passando a olhar através da janela, dando a entender que estivesse entretido com a paisagem da natureza.

Inicialmente meu vizinho nem se importou comigo. Encheu seu cachimbo, sempre resmungando, “bando de vagabundos - sujeitos miseráveis” e outros vitupéros. Estes resmungos certamente destinavam-se aos passageiros do vizinho compartimento de segunda classe, os quais teriam lhe aborrecido. A sucção no cachimbo fez com que o velho parasse com suas xingações e, quando o fumo estava aceso, pareceu esquecer a grosseria da qual teria sido vítima. Já então sentava-se tranqüilo - e quando eu, surpreso com seu silêncio, virei os olhos, percebi que o bêbedo rabugento se transformara num cidadão sociável.
Quando o homem percebeu que contrariamente à minha disposição anterior - agora lhe dava atenção, não perdeu tempo e passou logo ao ataque. Identificou-me como alemão novo, reconhecendo-me pelas polainas novas em folha e através de meu chapéu verde de caçador, pois perguntou se eu viera com o recente transporte de imigrantes ou se, porventura, já passara algum tempo numa colônia do governo. Respondi que havia recém chegado e não tinha, em hipótese alguma, o propósito de tornar-me colono. Desejava, principalmente, conhecer a terra e as pessoas, antes de decidir-me em definitivo.
Meu companheiro de viagem apressou-se em contar que bem jovem aportara neste país e o quanto, naquele tempo, era complicado e penoso estabelecer-se como colono e que, atualmente, era bem mais fácil , etc., esclarecendo-me todas as circunstâncias da evolução desde os primórdios da colonização.
Também informou-me de sua desinteligência quanto aos imigrantes que abandonavam a região, desistindo dos lotes coloniais onde deveriam assentarem-se, quando as atuais condições que encontravam para desenvolverem-se eram bastante favoráveis.
Eu deixava o velho dissertar, pois não podia opinar sobre tal assunto para mim ainda desconhecido e novamente passei a olhar pela janela, através da qual, ao longe, me saudava a projeção elevada do pico de uma montanha. Tive a impressão que a partir da cidade de Blumenau já a havia vislumbrado, e por isto me virei ao vizinho, a fim de perguntar-lhe a provável altitude.
“Ah, esta montanha lá atrás ? É o Spitzkopf (2)!” Disse ele. “Percebe-se que sua altitude é superior a dos demais morros ao longe e inclusive pode-se atualmente escalá-lo com relativa facilidade, pois seguindo-se pela picada, fatalmente, chega-se até ele.”
“Mas nem sempre foi assim tão simples chegar-se até lá” - continuou explicando após pequena pausa.
“Naquela época, quando cheguei a este país, o “descobrimento da montanha” não foi tarefa confortável, trazendo-me lembranças nada gratificantes, que hoje me aborrecem sempre que recordo da maneira como a descobri.”
“O descobrimento? Então o senhor descobriu o Spitzkopf ?”, exclamei surpreso e incrédulo ao mesmo tempo, pois não podia imaginar que uma montanha, visível do centro da cidade de Blumenau, mesmo que ao longe e, evidentemente, avistada pelo seu fundador bem como por todos quantos passaram pela sede da colônia, pudesse ser “descoberta” e, além de estranhar o fato, duvidei que o velho tivesse empreendido alguma expedição que o levasse ao ato do descobrimento.
Percebi que ele ficou um pouco embaraçado quando ponderou : “o senhor não deverá supor que a “descoberta” aconteceu tão literalmente quanto a definição do vocábulo dá a entender, pois a montanha podia ser vista à distância, e só assim, através do aspecto, era conhecida, contudo ninguém conseguia escalá-la - este era o problema, e aí estava o “dente do coelho”!
“O velho Dr. Blumenau, diversas vezes, enviou “batedores de mato” para lá, determinando que fizessem uma picada até o topo - mas essa gente sempre retornava sem ter concluído o trabalho, apesar de sua escalada não parecer empreitada tão difícil, quando daqui se olha para lá. Contudo chegando-se à floresta virgem, então a coisa muda de figura, porque nela só é possível estabelecer a direção correta quando se trepa até ao alto de uma das colossais árvores da selva, para, desta única maneira, poder orientar-se. Mas este recurso também se esgota a medida que se aproxime das colinas que precedem o Spitzkopf, quando então tudo fica velado, pois as montanhas e aclives circundantes ocultam o panorama à frente, e por isso se eu não tivesse, naquela oportunidade, descoberto a apropriada encosta onde fazer a picada, quem sabe lá quanto tempo decorreria até que alguém a tivesse encontrado!” Isto disse-me o homem expressando-se num tom abalizado e categórico. Como para mim as viagens de descoberta e aventura nunca deixaram de despertar enorme curiosidade, pois sempre gostei de ler, e mais ainda de ouvir contá-las, razão porque resolvi pedir ao meu colega de viagem que me confiasse a sua história do descobrimento.
O velho lançou sobre mim um olhar desconfiado, mas quando viu meu curioso e ingênuo semblante, cedeu ao meu pedido e, depois de tornar a abastecer seu cachimbo com tabaco, começou:

“Pois não, como eu ia dizendo, o caso foi o seguinte: Sempre foi possível enxergar o Spitzkopf no horizonte distante e quando aqui cheguei mostraram-mo imediatamente. Mas lá em cima, no cume, ninguém ainda estivera e também jamais sonhei que justamente seria eu o primeiro a chegar até lá. Como são, as vezes, engraçadas as ocorrências em nossa vida, não!”
“Em épocas anteriores jamais tive tempo nem mesmo para conjeturar uma expedição de descoberta ao Spitzkopf ou qualquer empreitada deste porte, pois as instalações e arranjos da minha colônia absorviam todo meu expediente, inviabilizando outras pretensões. O meu lote de terreno era um dos mais recuados nos confins do “Kannebach” (4) - esta é uma tifa à margem do grande rio e inicia a cerca de 15 Km a montante da cidade de Blumenau. Uma bonita e exuberante floresta cobria minha colônia e, no princípio, achei-a maravilhosa. Mas isto não se me afigurou desse modo por muito tempo, pois quando comecei a derrubada para fazer a roça, a floresta perdeu todo o encanto para mim. Logo construí um rancho e quando ficou pronto, admirei-me muito da minha singular arte - a obra era perfeita - ficara esplêndida. Porém tão logo desabou a primeira trovoada, percebi que havia me enganado quanto à vedação do telhado que elaborei com folhas de palmiteiro. Chovia através dele como por uma grande peneira. Afinal isto não deveria me surpreender, pois já me haviam afirmado que um telhado só poderia isolar satisfatoriamente, se executado com folhas de palmas silvestres, apropriadas para a cobertura, mas como destas não se encontrava próximas ao meu rancho, pensei que a cobertura com folhas de palmiteiro, em camada mais espessa, resolveria o caso.
Pois sim! Meu prejuízo foi certo e as gozações muitas. Mas já então isto pouco importava, precisava de folhas de palmas para aplicar no teto e por este motivo, logo no dia seguinte, me pus a caminho, à sua procura.

A portadora destas folhas, uma palmeira mirim (5), só raramente é encontrada na planície inferior do vale - pois prefere as montanhas. Com o objetivo de colhê-las, dirigi-me a uma elevação montanhosa, dentro da floresta, onde esperava encontrá-las.
Atualmente não se vê mais um único imigrante que não esteja armado com uma espingarda do tipo que se abastece com carga pela culatra, revólveres, pistolas e semelhantes armas requintadas; mas naquele tempo era muitíssimo diferente, podia-se dar por satisfeito em ter um machado, foice, facão e enxada - só com o tempo se ganhava dinheiro para comprar uma “pica-pau”(6). Portanto não pude levar uma arma de fogo na busca da folhagem, pois não a possuía, mas mesmo assim estava armado com facão e machado - duas armas que jamais falham.
A selva era muito cerrada, além de emaranhada com lianas e cipós, precisei usar o facão para abrir caminho. Como não estava acostumado à tal árduo trabalho, cedo cansei e fiquei muito feliz quando, na caminhada, deparei com um pequeno riacho arenoso, que fluía justamente vindo da direção para onde eu pretendia seguir. A partir daí não foi mais necessário abrir trilha alguma. Pulei para o leito do ribeirão e segui correnteza acima, olhando as margens a fim de descobrir o vegetal requestado.
O silêncio da mata só era quebrado por raros pios e cantos de aves e como qualquer bom mateiro sabe, geralmente ouve-se o barulho provocado pelos entes da floresta muito antes que se possa enxergá-los, e como meu interesse era localizar a determinada planta, minha atenção estava toda concentrada na procura visual.
Entrementes eu prosseguia com esse objetivo quando, destacando-se dentre os demais sons, ouvi, adiante, um ruído estranho. Inicialmente pensei que fosse o borbulhar de água que às vezes provoca diferentes sons, mas aproximando-me bem devagar, tive a intuição de que o rumor extravagante só poderia ser provocado por uma fera selvagem.

Instintivamente fui tomado de grande pavor, pois me encontrava só e desamparado, completamente isolado numa mata impérvia, densamente fechada, e sabia lá Deus perante que espécie de fera! Mas o velho Bismarck (7) já dissera há muitos anos: “Nós alemães só respeitamos a Deus e nada mais tememos no mundo”. E como esta máxima sempre foi o meu lema, não seria nessa ocasião que ficaria com medo de qualquer réptil da selva.
ortanto, resoluto peguei meu machado com a mão esquerda - e com a direita o facão, pronto para brandir e malhar e, com extrema cautela, mansamente avancei pelo mato em direção à origem do esquisito ruído. Não tardei a deparar-me com a solução do enigma. Não era nem tigre ou outra fera carnívora devoradora de humanos que ali rosnava, mas sim - para meu espanto - lá estava deitada uma enorme anta que, ressonando, descansava da carreira que, por certo, empreendeu durante a noite.
A carne de anta, depois de salgada e seca não se diferencia, quanto ao sabor, daquela que tem outro animal, quando submetida ao mesmo processo de conservação. Por isso pode-se imaginar quão exultante fiquei, pois não era pouca a minha satisfação, quando vi o “assado” estirado bem a minha frente. Se eu conseguisse matar a anta, teria, por bastante tempo, as panelas cheias, ou se desejasse poderia vender a carne. Era preciso agir rápido, não poderia esperar muito, senão o animal despertaria e fugiria. Mas como proceder? Sem dúvida não seria tarefa fácil, defrontar-me com um animal de porte tão avantajado, estava além das minhas expectativas. Num primeiro impulso pensei em usar o facão para matar o animal, porém, depois de testar seu gume, resolvi desistir de usá-lo, pois caso eu decidisse abatê-lo com esse instrumento de matança, seria necessário que o animal dormisse em sono muito profundo, o que poderia não ser o caso. Uma certeira machadada na cabeça resolveria o problema e não possibilitaria que acordasse, pelo menos assim eu supunha.
Mas, em virtude da minha posição e da maneira que a anta estava deitada, seria muito difícil vibrar uma pancada que, alcançando sucesso, fosse fatal ; a não ser que eu conseguisse ficar com as pernas abertas sobre o animal adormecido e então pudesse desferir o golpe com o machado.
Aproximei-me, cautelosamente, e passei a perna esquerda sobre o corpo do animal, enquanto me apoiava no cabo do machado. Tudo decorria a contento e conforme o previsto, mas quando quis firmar-me na posição para armar o golpe, levantando o machado ao alto, meu pé ficou preso numas raízes, fazendo-me perder o equilíbrio e, antes que eu pudesse dar-me conta do que estava acontecendo, escorreguei e me vi praticamente sentado no lombo da anta. Nisso o bicho acordou e erguendo-se de chofre com um salto, conforme acontece nestas situações a animais desta espécie, arremeteu com suas patas, pisoteando tudo o que havia pela frente.
Não querendo me expor ao risco de ser calcado pelas afiadas patas da anta, permaneci sentado em seu lombo, na posição de cavaleiro. Atirei para longe o machado e com ambas as mãos me agarrei na sua longa crina. Não pude enganchar minhas pernas, pressionando o seu ventre, pois a anta, irada, procurava de todas as maneiras me morder, tentando me desalojar da insólita posição em que me encontrava e à qual fui guindado, passo a passo, conforme minuciosamente expliquei, postura que estava forçado a manter a qualquer custo, sob risco de ser inexoravelmente despedaçado por sua fúria, e por isso, piorando ainda mais meu desconforto, tive que encolher minhas pernas, o quanto fosse possível.
Depois que, contorcendo-se, o raivoso mamífero rodopiou em círculos, quase me provocando enjôo, repentinamente disparou, galopando para frente em desabalada carreira, comigo na garupa.
Inicialmente arrojou-se ultrapassando um extenso e espesso bambuzal - meu Deus! Foi incrível! Os estalos das taquaras rachando pela quebradeira das fortes varas. Já então havia me recuperado um pouco da tontura que o corrupio me causou e comecei a arquitetar um meio de apear do lombo da anta com segurança. Nem mais pensava em matá-la, mas certifiquei-me de que ainda portava o facão na cintura.
Quando supus chegada a hora de pular, livrando-me do bicho, deparei-me, frente a frente, com uma enorme jararaca que assustando-se com o barulhão dos estalos pela maceração das taquaras, deu um bote na minha direção, impedindo-me de saltar. E assim tive de permanecer na montaria percorrendo mais um trecho da mata.

Finalmente, quando terminou o bambuzal, chegamos a um lance da floresta com vegetação mais espaçada. Resolvi que na próxima oportunidade segurar-me-ia no primeiro galho de alguma árvore resistente que aparecesse no trajeto, para assim safar-me da involuntária cavalgada.
Sem demora avistei o galho, e já ia aliviar minhas mãos soltando a crina da anta, quando de súbito, despontaram em nosso caminho os olhos cheios de cobiça de uma onça. O felino estava à espreita, empoleirado exatamente no galho que eu pretendia agarrar. Outra vez fui compelido a continuar encarrapitado no costado da anta, que a essas alturas, já penetrara no interior da selva. E como eu era ainda “alemão novo”, receei não mais encontrar a saída e além disso, essa cavalgada estava começando a me divertir, portanto decidi permanecer a cavaleiro, seguindo para tão longe quanto o quadrúpede me conduzisse, mesmo porque, naquelas circunstâncias seria uma temeridade tentar a desmontagem com bom sucesso.
E assim sucedeu que logo após a emboscada da onça, topamos com uma grande vara de porcos selvagens que, grunhindo ferozmente, estalavam e rangiam seus dentes aguçados e pareceu-me que essas feras bravias estivessem antecipadamente se deleitando com o apetitoso petisco que lhes representavam as carnes de minhas pernas, pois a tendência sanguinolenta dos “queixada (8) ” era evidente.
Depois de transpor um extenso trecho cujo chão estava enegrecido por infindável quantidade de formigas andarilhas em plena migração, tive a impressão que a brincadeira começava a cansar a anta. Ela, num rompante, mudou o curso de sua rota, dirigindo-se para um grande poço do ribeirão, onde impetuosamente jogou-se n’água.
O banho foi até agradável, pois era pleno verão. Mas a minha montaria não se satisfez com um simples banho, procurou ainda especial diversão subaquática, mergulhando todo seu corpanzil. Sempre fui ótimo em natação, tanto de superfície como de mergulho, mas competir com os bofes da anta, exigiu redobrados esforços dos meus pulmões.
Era a oportunidade de desvencilhar-me e, quando quis largá-la para flutuar na água, pois não tinha mais condições de suportar a incomoda postura, eis que surge, emergindo, a descomunal cabeça de um jacaré (8) e conseqüentemente preferi continuar no cocuruto da peluda anta. O senhor deve saber que essa ocorrência com o crocodilo não é invenção, pois ainda atualmente fazem um tremendo espalhafato quando, por aqui, capturam um destes animais, medindo dois ou três metros. Esses répteis, com seu crescimento lento, levam centenas de anos para atingir a plenitude de seu tamanho, e os enormes espécimes que aqui existiam em grande quantidade, tinham até cinco metros, porém agora estão extintos.
Jacaré ( Crocodilo brasileiro)
Desenho a tinta nanquim. Elaborado por JOSÉ DEEKE.
Acima: Estampa constante do original datilografado pelo autor, supostamente no ano de 1925, para ilustrar a página 15 do primeiro volume de sua obra "AM LAGERFEUER", junto ao capítulo ¨A descoberta do Spitzkopf”
Nisso minha anta-montaria resolveu deixar o poço e continuamos o galope quando, de repente, o mato terminou e demos numa clareira, livre de vegetação, que estendia-se a nossa frente no exato trajeto em que o tapir corria. A anta e eu, mal nos recuperamos da surpresa de nos encontrarmos sob céu aberto, quando para nosso redobrado assombro percebemos que descambáramos bem no meio de um acampamento de índios. É quase inacreditável, nisso eu concordo, mas foi assim mesmo que aconteceu.
( Desenho à tinta nanquim , executado por José Deeke, para ilustrar o seu conto) 
Para minha anta, esta nova situação nada agradava, muito menos a mim, quando, de improviso, os bugres, em grande número, ergueram-se aos gritos e saltaram nos cercando. Mas então ela - a anta - se recompôs do choque que a imobilizara estática, empinou para diante e reiniciou uma “dança em círculos”, igual àquela que executou de manhã cedo, quando a montei.
Não tardei a notar que a gritaria dos índios não era de contentamento, muito menos uma manifestação de triunfo por nos terem, virtualmente, cativos. Sim, os bons irmãos pele vermelha gritavam de medo, pois viam em mim o próprio satanás encarnado. Minha inusitada aparição, irrompendo da floresta sobre o pêlo dessa bizarra montaria selvagem, deve tê-los aterrorizado profundamente .
Os aborígenes terrificados permaneciam contritos, as crianças choravam e as mulheres, em lamentos, ajoelharam-se, enquanto articulavam uma língua incompreensível dirigindo suas mãos estendidas para mim. Os guerreiros atiraram suas armas ao longe. Quebrando sua altivez, dobraram os joelhos e ficaram acocorados tapando os olhos com as mãos, enquanto o cacique, estirado no chão, beijava a terra, mais parecendo um lagarto estatelado. Depois que, por algum tempo, assisti esse espetáculo enquanto a minha anta-montaria corria indômita em círculos pelo menos umas cinqüenta vezes, ela, devendo ter sentido vontade de tornar a galopar, saltou por cima de alguns índios acocorados no seu caminho e assim voltamos, em grande velocidade, para dentro da mata.
O terreno que até então fora alternadamente plano e ondulado, passou a modificar-se sensivelmente para o íngreme. As horas passavam e me admirava que ainda fosse dia claro, pois calculava que há muito já deveria ter anoitecido. Foi quando a anta mudou de rumo e depois de termos escalado uma elevação, arremeteu à direita para galgar a parte sudeste da montanha. O sol já declinava, dando lugar ao crepúsculo, por isso nesse galopeio desvairado eu mal via a sombra disforme das árvores que ultrapassávamos no percurso do carreiro do animal.
Montado sobre aquele roliço dorso não pude perceber que adiante, a dois metros de altura, encontrava-se um impedimento, na forma de um tronco atravessado bem no meio do caminho que impossibilitaria a passagem do meu corpo, o que fez com que afinal eu fosse abruptamente arriado da minha anta-montaria, permitindo que somente ela passasse, livremente, por baixo do obstáculo.
A alegria da anta liberada, por sentir-se aliviada do meu peso, foi tamanha que bufou um sonoro rosnado, cujo som estridente foi seguido por um intenso resfolegar grunhido pelas ventas de sua pequena tromba e, sem mais, em desenfreada carreira atirou-se montanha abaixo. Como eu estava diante do tronco de árvore contra o qual, de supetão, bati com a cabeça e, aparvalhado com o crânio zunindo, nem percebi, de imediato, o que me aconteceu.
Não poderia, entretanto, perder muito tempo, pois escurecia depressa e o lugar onde estava prostrado não era nada convidativo para pernoitar, assim levantei-me e me empenhei em alcançar o alto do morro, onde parecia haver ainda alguma claridade.
A medida que escalava, o morro tornava-se sempre mais escarpado e difícil de galgar, em contrapartida, a floresta rareava, permitindo enxergar melhor. Por fim só havia mesmo um matinho bem escasso, e após esforçar-me para vencer mais um lance de subida, encontrei-me na superfície plana do PICO DA MONTANHA.
Lá em cima ainda estava bem claro e no panorama que se descortinava do vale lá embaixo, pude reconhecer muitos detalhes como o “Stadtplatz Blumenau”(9). Foi então que tive a certeza de que encontrava-me no cume do SPITZKOPF.
“Muito bem...”, disse o velho tão logo chegou, com sua narração até este ponto, “aqui o senhor tem a história do descobrimento do Spitzkopf.”
“Perdoe-me”, disse eu entrando na conversa - “mas está faltando o mais importante, a descoberta do acesso para fazer a picada”.
“Ah! Sim a picada”, respondeu o velho. “Isto foi elementar. Depois de uma noite bem dormida no cume do Spitzkopf, só precisei, na manhã seguinte, avançar rumo ao centro da cidade que era possível avistar lá de cima. Dessarte após torcer meu nariz na direção correta, saquei do meu facão e abri uma picada, sempre seguindo a linha reta indicada pela ponta de minhas narinas.
Fui avançando adiante até a metade do dia, abrindo desta maneira minha trilha, quando topei com uma picada quase pronta. Certamente era trabalho dos colonos que haviam procurado o Spitzkopf, pois era muito bem elaborada, e prossegui aceleradamente sobre seu leito, de sorte que, a tarde, pelas quinze horas, cheguei ao primeiro, ou melhor, ao mais distanciado colono residente no interior do Vale do Garcia.
O gentil pessoal quando me viu tão maltrapilho, inicialmente pensou que eu fosse um bugre - pois quando saí do mato, em razão da atropelada cavalgada, muito pouco tinha sobrado de minha roupa. Entretanto depois que lhes contei a minha aventura, não cabiam em si de surpresos.
Continuei minha caminhada para a cidade, não antes de ter-me recomposto um pouco e mitigado a fome de meu estômago vazio. Cheguei à cidade à noite - e o Dr. Blumenau ficou muito satisfeito após tê-lo comunicado que, derradeiramente, o SPITZKOPF estava descoberto e conquistado.
Até esta parte o velho foi com sua história, e eu ainda desejava ouvi-lo falar mais dos “bons tempos antigos”, mas nesse momento o trem parou na estação onde meu companheiro de vagão teve que desembarcar, e isso ele fez mais que depressa.
Contudo, pelo resto da viagem, fiquei sempre recordando a curiosa cavalgada do velho colono e durante a noite sonhei, imaginando quantas das mais diversas espécies de animais selvagens, poderiam ser utilizadas como montaria.

FIM
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NOTAS de FIM – por Niels Deeke
1) Hansa-Hammonia, atual município de Ibirama. Sua colonização teve início nos últimos anos do século XIX. Em 30 de março de 1897 foi, em Hamburgo, organizada a “Companhia Colonizadora Hanseática”, que tinha por finalidade povoar os Vales dos rios Hercílio e Itapocu e para tanto obteve concessão do Governo (Estadual de Santa Catarina). A 07 de novembro de 1897 o Eng.º Odebrecht, junto com seis trabalhadores brasileiros e um cozinheiro alemão e, no exato local onde, em 1996, encontrava-se edificado o “Forum de Ibirama”, acamparam e passaram a noite de 08 para 09 de novembro de 1897, quando Sellin registrou no seu diário que o sítio era muito propício para a instalação de um núcleo colonial. Exploraram detidamente a região denominando-a Hammonia. O perímetro geral foi levantado pelo Engº Odebrecht que conteve uma área de 126.332,70 hectares à qual , depois de agregada às terras do rio do Cocho, formou um complexo de 127.318,047 hectares. Providenciaram a construção de um grande galpão para abrigo provisório dos primeiros colonos que procedentes da Alemanha, que começaram a chegar em 1899. Compunham a primeira leva de imigrantes as famílias de Karl Engelhardt, Lüdau, Kitzinger, Ochmann e Conrado Wagner, este solteiro. Mais tarde para lá também afluiriam alguns elementos de ascendência italiana. A Resolução nº 60 de 13/3/1912, do Conselho Municipal de Blumenau, assinada por Paul Gerhardt Hering, criou o Distrito de Paz de Hammonia. O progresso foi incrementado a partir de 1909, sob a administração de José Deeke, e já em 1912 deu-se a criação do Distrito de Hammonia, integrado a Blumenau. Pelo Decreto nº 498 de 17/02/1934 foi criado o Município com o nome de Dalbérgia, com sede no lugar de igual nome, em terras desmembradas de Blumenau. Município de Hammonia, criado pelo Decreto 498 de 17/02/1934 e instalado em 11 de março de 1934, entretanto o nome de Dalbérgia, só foi alterado novamente para Hammonia um ano após sua instalação . Menos de dois anos após, o município retornava ao nome primitivo “Hammonia”, passando a sede para o lugar de igual nome. Em 1943, por Decreto, foi alterada a denominação que de Hammonia, passou para “Ibirama”, nome dito tupi, que segundo alguns intérpretes significaria “terra da fartura” ou “terra da promissão”, ou ainda “ pátria verdadeira”.
Alemão Novo : alemão recém imigrado. (Fritz-neuer)
2) Morro Spitzkopf: Montanha no município de Blumenau, com aproximadamente 920 metros de altura (a altura do morro oficial pelo IBGE é de 913,98 metros - 914 metros arredondados)
3) Batedores do Mato : O grupo de “Batedores do Mato”, citado por José Deeke na obra “Am Lagerfeuer”, era constituído, na Colônia Blumenau por intrépidos colonos, geralmente em número de vinte indivíduos, escolhidos por um “Comandante” cuja pessoa era diretamente remunerada através o erário público da Província de Santa Catarina. Este era pelo menos o caso que se observava quanto à “Guarda de Batedores do Mato” comandada oficialmente por Frederico Deeke desde 1872 até 1879. A Guarda chefiada por Frederico Deeke foi suprimida por Aviso Ministerial expedido em 23 agosto de 1879.
4) Kannebach : Ribeirão Encano , sito no atual município de Indaial. Afluente da margem direita do Itajaí Açu, na foz do qual situa-se a “Fecularia Lorenz” junto a um represamento das águas do ribeirão. Possui, na distância de 10 Km da foz, um afluente à margem direita, o ribeirão Espinho, que o ribeirão mencionado como ¨ riacho arenoso¨, que fluía vindo da direção do Spitzkopf. Trata-se, o ribeirão do Espinho, do pequeno afluente da margem direita do ribeirão Encano, cuja confluência acontece a, aproximadamente, 10 km para montante, a partir da foz no Rio Itajaí Açu.
5) Pica Pau : Espingarda. Arma de fogo com recarga pela boca do cano.
6) Palmeira mirim : Guaricana ou guaricanga, possui folha de sapê - usada para cobertura de ranchos. Também conhecida como Uricana ou Uacanga- sendo estes dois últimos vocábulos corrupções de “guacanga” ou “aguacanga”.
7) Bismarck: Carlos Otto Eduardo Leopoldo Bismarck, 1815-1898. Primeiro chanceler do império alemão, então por ele unificado unindo a Prússia aos demais Estados Germânicos. Criador do 1º Código Trabalhista Alemão. Otto von Bismarck-Schönhausen. Político alemão responsável pela unificação de seu país, em 1871, e chanceler do governo imperial.
8) Queixada : Porco do mato que por ter cerdas negras e beiços brancos, é conhecido também por “Queixo Branco”- Javali brasileiro, em tupi : Taja, Tajaçu, Tayaçu. O Porco do Mato menor é o Taititu ou Tateto
8) Jacaré. Na região do baixo rio Itajaí Açu. Nos primórdios, dentre as seis espécies de jacarés existentes do Brasil, realmente, haviam consideráveis quantidades de jacarés-de-papo-amarelo (Caiman latirostris) desde Ilhota até a foz do rio Itajaí Mirim, bem como no próprio Itajaí Mirim. Ainda na década de cinqüenta (1950-60) na região da Canhanduva, em Itajaí, nos brejos e alagados do Rio Pequeno e margens do Itajaí Mirim podia-se apreciá-los, estirados ao sol do meio dia, nos meses de janeiro e fevereiro. Consta da revista “Bl’au em Cadernos”- Tomo II nº 06 p. 114- título “Notícias de Brusque e Nova Trento de D. Arcângelo Ganarini que “antes de 1880 um “jacaré” foi capturado em Nova Trento e os brasileiros o comeram qual um manjar”. Também havia muitos espécimens na região da foz do rio Luís Alves, margem esquerda do Itajaí Açu, na “Fazenda Fruteira”, que por volta de 1950 era propriedade de Ralf Bruno Gross, falecido em 09/5/1963, industrial da firma “Mafisa”, de Blumenau.
9) Stadtplatz Blumenau. centro da cidade de Blumenau - literalmente “espaço da cidade”, logo centro da cidade.
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